A chegada

1699 Words
Mirana/Luna O calor foi a primeira coisa que senti, aquela sensação reconfortante e única, como a de passar frio durante um dia inteiro para logo em seguida entrar em uma deliciosa banheira quente. Em contra partida à essa acolhedora sensação, havia todo aquele peso, que constatei em seguida ser o meu corpo. Ele estava pesado demais, era absurdamente difícil de enviar os comandos para mover até mesmo os meus dedos. -Atenção! - uma voz gritou distante -Acionar campos de força! - um som como o de ranger de mecânismos soou alto - Rowan, preparado? -Sim, senhor! - respondeu ele. Rowan? Ah, Rowan, ele estava fazendo os testes e exames em mim pelo que me lembro. Parece que as coisas não correram como esperávamos, doía tanto tentar me mexer. O que será que deu errado? -Iniciando neutralização e reabilitação em 3...2...1.- um choque me atingiu e me queimou por dentro. Soltei um grito tão alto que acredito ter alcançado notas que nem sabia serem possíveis para as minhas cordas vocais. -Luna! - a voz de Dimitri provocou em mim um choque quase tão forte quanto aquele ao qual havia acabado de ser submetida...quase. -Segurem ele! - ordenou a mesma voz que havia chamado por Rowan. -Luna! - gritou ele ainda mais alto e desesperado. Meu coração ainda estava acelerado devido ao impacto, mas aos poucos eu voltava ao normal. Um suspiro de alívio escapou por meus lábios. -Energia Temerazi controlada. - disse Rowan - O equipamento funcionou! - ele parecia orgulhoso de si mesmo, eu ficaria feliz por ele, se meus instintos não me dissessem que algo de muito errado estava acontecendo. -Podem soltá-lo! Desativar campo de força! - o som de mecanismos se foi rapidamente e foram substituídos por passos apressados que logo se tornavam cada vez mais altos. -Luna! - chamou ele, agora tão próximo que podia sentir a lufada de ar em minhas bochechas. Ele passou os dedos delicadamente por meu rosto, como se tivesse medo de que eu fosse quebrar a qualquer momento. -Dimitri! - falei rouca. Minha garganta estava muito...muito seca. Comecei a tossir compulsivamente. -Ah graças ao criador, você está bem! - engoli um pouco de saliva tentando aliviar aquela sensação horrorosa, parece que o calor reconfortante era única coisa boa que eu sentiria por enquanto. -Defina bem! - tentei falar mais uma vez porém uma nova crise de tosse veio logo em seguida. -Beba isso! - disse ele, colocando o braço por baixo do meu pescoço e me inclinou para cima. Eu ainda não conseguia abrir os olhos. Meu Deus o que fizeram comigo? A água desceu aliviando toda aquela sensação aspera que eu estava sentindo. Tentei abrir os olhos lentamente, a minha visão estava levemente embaçada porém aos poucos eu consegui perceber o rosto de Dimitri foi tomando forma e foco e... eu quase não o reconheci. Seus cabelos estavam bagunçados e m*l cortados, embaixo de seus olhos estavam olheiras enormes e rochas, os pelos da barba estavam aparados mas longe de bem cuidados, mas ainda assim com toda essa total e óbvia falta de autoestima, o que mais me apavorou foi a sua expressão agonizada. -Dimitri,... o que aconteceu? - perguntei. Ele fechou os olhos e suspirou. -É uma longa história, o seu exame acabou... bem...- eu não estava perguntando de mim, mas sim o que aconteceu com ele. De qualquer forma, entender o que havia dado errado no procedimento era algo que eu também queria saber. Ele estava parecendo muito... muito cansado. - Bem, acho que para resumir... nós chegamos. -Chegamos? - perguntei confusa. Por um segundo eu não pude entender o que ele quis dizer, mas foi aí que eu percebi o céu incrivelmente azul acima de nós. Arregalei os olhos. - Como assim chegamos? A última coisa de que me lembro foi de estar sobre uma mesa de metal dentro da nave. Dimitri,... ainda faltavam dez anos para chegarmos. O que isso aqui significa? - Dimitri engoliu em seco. Eu fiquei em pânico. Não se passaram dez anos né?! Eu não fique inconsciente por dez anos certo? Era o que eu queria lhe perguntar, mas pelas suas feições eu já sabia. Sim, se passsaram dez anos. Dimitri não havia envelhecido nada, pelo menos eu não conseguia perceber algo assim. Os Maternos envelheciam mais lentamente assim como eu e os Atlantes, apesar disso... apesar de ser pouco tempo comparado aos 2.200 anos de idade que eu tenho ou ... 2.210? Ainda assim... havia um grande diferencial, foram dez anos que eu passei longe daquele que eu acreditava ainda ser o meu marido. -O exame causou uma forte reação em você. Acionou algum tipo de... mecanismo de defesa. Você estava prestes a liberar uma enorme carga de energia. Se permitíssemos que isso acontecesse, a nave iria despressurizar, explodir e então... -E então todos morreríamos. - completei. Dimitri engoliu em seco e assentiu. -E como me impediram? - passos começaram a se aproximar de nós. -Colocamos você em modo de hibernação! - disse Rowan. Ele me recebeu com um largo sorriso - basicamente a "congelamos" por assim dizer apesar de não ser exatamente isso. Nós usamos uma composição química que faz com que todas as suas funções simplesmente... deem uma pausa. Para nós que viajamos o espaço, ter uma tecnologia como essa é essencial. Mesmo envelhecendo devagar, não é todo lugar que tem um buraco de minhoca. Podem existir planetas ao qual precisemos explorar há milênios luz de distância. - Eu sorri para ele e abri os braços para um abraço. Rowan pareceu surpreso com o convite, eu teria levantado e ido até ele, mas as minhas pernas estavam péssimas. Com certa hesitação ele veio até mim e me abraçou. -Tenho certeza que foi a sua presteza que salvou todos nós! - falei - Obrigada! - Rowan se soltou do abraço e abaixou a cabeça vermelho e tímido. Ele pigarreou e voltou a falar. -A nossa maior preocupação era como impedir que, ao reanimá-la, iriamos paralisar a... explosão por assim dizer. - finalizou. Dimitri acariciou meu rosto com as costas das mãos. - Eu e Rowan passamos os últimos dez anos tentando encontrar uma maneira de fazer com que você não destruísse alguns hectares do Planeta. - disse ele com um meio sorriso. Eu suspirei e lentamente comecei a me levantar. Minhas pernas falharam algumas vezes e Dimitri passou o braço por minha cintura em busca de me dar apoio. -Eu sou mesmo uma bomba relógio não é mesmo?! - Dimitri e Rowan sorriram tensos. O que só me confirmou que era exatamente isso que eles achavam que eu era. Dimitri suspirou e apertou com mais força a minha cintura. Rowan estava se aproximando de mim com alguns equipamentos. -Eu preciso verificar seus sinais vitais, Mirana! Se importa? - perguntou. -Fique a vontade! - respondi. Dimitri pareceu não gostar nada de minha resposta. Enquanto Rowan me examinava ele parecia que gostaria de controlar o tempo para fazer com que um raio o atingisse na cabeça. O que será que aconteceu nesses dez anos? Será que ele conheceu alguém? Será que se apaixonou novamente e agora estava receoso em me contar? Meu coração se apertou com a ideia de ter perdido o amor de meu marido. Será que algum dia ele me amou de verdade? Ou será que seus sentimentos estavam confusos por todas as quase mortes que passamos juntos? Será que depois de eu ser um risco para todos na nave ele concluiu que não era seguro ficar ao meu lado? Eram tantas perguntas, tantas dúvidas e aquela insegurança estava me corroendo por dentro. -Sua preção, saturação e até mesmo sua visão que é algo que geralmente demoram para se estabelecer estão normais. - disse Rowan guardando os equipamento - Você vai sentir o corpo mais pesado que o normal por um tempo. Depois que seus musculos se livrarem de toda a química estará livre por completo e então começará a sentir os efeitos da gravidade de Mater. -A gravidade daqui é maior que a da Terra? - perguntei. -Pelo contrário. Aqui você se sentirá muito mais leve. - Rowan começou a rir - Não faz ideia da carga de exercícios a qual somos submetidos para viajar até a Terra. Não é mesmo, Dimitri? - Dimitri não o respondeu. -Acho que está na hora de irmos! - disse ele ríspido e fuzilando Rowan com o olhar. Apesar do olhar ameaçador de Dimitri, tudo o que Rowan fez foi superar parecendo derrotado e o ignorar. O que havia acontecido com aqueles dois? -Eu não vou contestar quanto a isso, mas... você tem uma semana, Dimitri. Depois disso retornaremos com os exames e os testes em um local mais preparado e seguro. - Dimitri virou de costas para ele e passou os braços por minhas pernas e meu tronco. Logo ele me levantou e começou a andar rápido e sem olhar para trás. Eu olhei uma última vez para Rowan que acenou para mim. Ele não mudou nada, o fato de Rowan ainda ser o mesmo era tão reconfortante pra mim. Eu comecei a notar o local ao meu redor. Era um campo largo do tamanho de dois campos de futebol. Ao nosso redor em um círculo amplo, estavam centenas de soldados altamente armados. Uma pessoa segurou firme o braço de Dimitri, voltei meu olhar para o homem de expressão e olhar gélidos. Era o comandante. Ao lado dele havia outro homem que eu julguei ser seu superior e a fonte da voz que deu todas as ordens e comandos antes de eu abrir os olhos. Ele tinha cabelos ruivos e os olhos verdes mais escuros do que a maioria dos Maternos que conheci. O homem me analisava com enorme cautela. Dimitri olhou para a mão do comandante que o segurava para em seguida o olhar nos olhos. Nenhum dos dois disse uma palavra sequer, mas a tensão no ar era palpável. Estava nítida a ameaça silenciosa. Dimitri se desvencilhou de sua mão e voltou a andar comigo nos braços. -Dimitri! - o chamei depois que pareciamos estar há uma distância razoável - Dimitri, aonde nós vamos? Ele estreitou os braços me apertando contra o peito. -Para casa! Para a nossa casa!
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