"É lindo quando uma determinada pessoa surge e te resgata do mar de lágrimas que você se encontrava. Acho que todo ser humano tem aquela pessoa que é seu porto seguro."
Por:Roberta.
Uma mulher nunca deveria ter seu coração machucado, ferido e sofrer por dias, meses e até anos por cometer o ato falho de amar quem não a merece.
Nós, descendentes diretas de Eva, não deveríamos pagar com lágrimas e sangue por acolher involuntariamente, pois não somos nós, racionalmente ou fazendo uso da razão, que escolhemos, e sim o órgão responsável por bombear o sangue e levar oxigênio por todas as partes do nosso corpo, que escolhe quem abrigar, a quem se entregar sem ter noção de que está nos fazendo cair em uma armadilha.
Detesto ouvir a pergunta retórica: "Mas quem nunca sofreu por amor ou por amar demais?" O fato é que ninguém deveria sofrer por ter esse sentimento dentro de si, se é amor não deveria existir dor.
E aqui, na minha casa, tinha dor, muita dor vibrando dela.
Faz dois meses desde que descobrimos a gestação e Larissa se entregou ao sofrimento. A menina parou de trabalhar, de estudar, vive deitada na cama, encolhida como se procurasse por segurança, quase não come, em vez de ganhar peso ela perdeu, chora baixinho todas as noites e pouco fala nos momentos que decide sair do quarto.
Com muito medo da minha sobrinha estar entrando num quadro depressivo, fiz contato com meu irmão, pedi que ele viesse buscá-la, relatei tudo o que está acontecendo.
Como mulher e por já ter passado pelo sofrimento de amar quem não devia, entendo e sei bem o que está acontecendo com ela. No entanto, meu receio maior é que a menina esteja começando a rejeitar a gestação.
Tenho pena da Larissa, tão nova e enfrentando uma situação tão difícil.
Escuto a campainha tocando, saio de casa e vou atender ao portão. Assim que abro, me deparo com meu irmão, que me lança um olhar aflito.
_ Cadê ela? - pergunta, adentrando o pequeno quintal.
_ Na cama, trancada no quarto. Desde ontem só tomou um copo de vitamina porque eu insisti muito, Fernando. - falo, guiando-o pelo curto caminho até a porta da sala.
_ A vida não tem sido nada justa com a minha filhas.- diz atravesando a mureta da varanda - Como está a nossa mãe ? - pergunta, retirando os sapatos para poder entrar no ambiente limpo e organizado.
_ Mamãe está bem, mas não tem conhecimento de nada do que aconteceu e vem acontecendo com Larissa. Preferi não contar para ela. Você sabe que a saúde da nossa velhinha é frágil e ela não pode sofrer emoções fortes.
_ Fez bem, minha irmã. Preservá-la desses dissabores também é um ato de carinho. - respondeu meu irmão - Você pode por favor.- nem precisa ele terminar de concluir a frase que eu sei que está angustiado para ver a filha.
_ Irei chamá-la. - falei, deixando meu irmão sozinho na sala e entrando no quarto que minha sobrinha ocupa.
Quando chego, vejo os seus olhinhos focando o céu azul pela janela, que eu abri hoje cedo para poder entar ar fresco e iluminação natural no quarto.
_Lari, você tem visita.-falo, me aproximando da cama.
A garota parece não me escutar, é como se seu corpo estivesse aqui e a alma vagando em outro lugar.
Me abaixo em sua frente, foco em seus olhos que parecem ser dois vales banhados de tristezas.
_ Sabe quem veio te ver, minha gatinha? Seu pai. - falei baixinho, chamando sua atenção para mim.
As duas esmeraldas verdes olham para meu rosto.
_ Meu pai? - pergunta num fio de voz.
Afirmo com um balançar de cabeça.
_ Ele está lá na sala.
A menina ergue o corpo do colchão e fecha os olhos, tomando uma longa respiração, parecendo buscar forças para enfrentar uma nova batalha.
Larissa se levanta e caminha a passos vagarosos para fora do quarto, como se quisesse postergar esse encontro. Ela temia pela reação do pai, eu sabia disso. No entanto, isso seria algo que teria de acontecer mais cedo ou mais tarde.
Sigo minha sobrinha de perto. Saímos para o corredor. Larissa olha para o pai com uma carinha de tristeza tão grande que meu coração aperta dentro do peito.
— Pai. — ouvi sua voz baixinha chamando-o.
Desviei o meu olhar para a outra ponta do corredor, onde meu irmão está. Vejo quando ele dá um sorriso enorme para a filha e abre seus braços, convidando-a para um abraço.
A menina corre de encontro ao meu irmão, que a acolhe com todo o seu carinho paternal. A cena me emociona tanto que meus olhos marejaram.
Eu escuto os soluços abafados da minha sobrinha, aninhada no colo protetor do pai.
Fernando segura o rosto da filha, enxugando suas lágrimas e distribuindo beijos por sua face.
_ Não chores mais, minha filha, não sofra assim - pede ele, apertando a garota entre seus tentáculos ternos.
_ Eu vou ser mãe, pai! Mãe! Estou grávida dele! - fala nervosa, suas mãos tremem muito.
Apavorada com a possibilidade de algo acontecer com ela ou com o bebê, devido ao estado de nervos em que minha sobrinha se encontra, corro para a cozinha e preparo um copo de água com açúcar. Retorno para a sala e avisto Fernando fazendo a filha se sentar ao lado dele no sofá. Estendo o copo na direção do meu irmão.
_ Faça a Lari, beber. Esse nervosismo não faz bem nem a ela nem à gestação - falo, segurando as minhas lágrimas.
Tudo o que meu irmão não precisa é de uma irmã descompensada nesse momento. Por isso me esforço para controlar o turbilhão de sentimentos de que sou alvo.
_ Calma, filha. Tome um pouco de água, meu amor - diz, levando o recipiente aos lábios da menina, que engole o líquido em pequenas quantidades.
_ Oh, meu pai, me perdoa por te dar tanta decepção - a garota pede, deslizando a mão no rosto do meu irmão.
_ De que decepção você está falando, meu solzinho? De estar gerando uma vida inocente dentro de ti? Isso não é decepção, minha filha. Esta criança é um presente de Deus para nós, e se Ele te permitiu tê-la em teu ventre, é porque Ele acredita que você será uma ótima mãe, e sua mãe e eu, excelentes avós. Filhos, Larissa, são bênçãos em nossas vidas, eles despertam em nós o maior amor que você sentirá e verá transbordar de ti.
As palavras bonitas do homem quebram o meu coração. É tanto amor envolvido naquela ligação entre pai e filha que chega a ser palpável. Ele luta para que ela não sucumba à dor e à tristeza, ao mesmo tempo que transmite uma calmaria que eu sei que está extinta em seu interior.
_ Estou com tanto medo, pai. Medo de como vai ser a partir de agora, medo de não ser suficiente para essa criança, medo de não conseguir sozinha e...
_ Quem disse que você está sozinha? Você nunca esteve, não está e tão pouco estará. Sempre sua mãe e eu estaremos perto de ti, sustentando seus passos, meu bem. E se eles falharem, nós te carregaremos nos braços, mas nunca te deixaremos. - Ele olha para a barriga da filha e leva a sua mão até lá, pousando sua palma em cima. - Melhor dizendo, nunca deixaremos vocês para trás.
Larissa chora, levando as mãos ao rosto.
_ Esse bebezinho crescendo dentro de você é meu neto, minha filha, e eu quero muito ele. Quero poder pegá-lo nos meus braços, sentir a emoção de ver o rostinho da pequena pessoinha que me deu o título de avô.
Fernando abraça sua filha, enquanto eu ,observo com o coração aos pulos dentro do peito que pai maravilhoso meu irmão se tornou.
_ Arrume suas coisas, você vai voltar comigo. Sua mãe e eu cuidaremos de você e do bebê, mas antes precisamos esclarecer alguns pontos. Primeiro, ninguém na fazenda saberá da gestação e do seu retorno. Por mim, nós nem estaríamos vivendo por lá, no entanto, um contrato nos "amarra" aos Grecco. Segundo, não vou deixar você morando de aluguel sozinha na cidade. Gestantes precisam sempre de atenção, e quero vocês bem perto dos meus olhos. Terceiro, tenha cuidado para não ser vista por nenhum funcionário. Quarto, cuide-se e cuide do bebê, faremos seu pré-natal na cidade vizinha numa clínica particular para não corrermos nenhum risco de fofocas serem espalhadas na cidade sobre você.
Acompanho minha sobrinha apenas balançar a cabeça concordando com tudo.
_ A minha mãe está muito aborrecida, pai?
_ No início, sua mãe entrou em desespero, mas conversei com ela e agora até faz planos para o quartinho do bebê. Lari, papai comprou uma casa em Canela. Preciso terminar de pagar a última parte para iniciar uma reforma. Eu não pretendia comprar um imóvel fora de Alegrete, mas diante de tudo que aconteceu, achei a melhor opção. Assim que você der à luz, vocês irão para essa casa. Quero que você possa criar meu neto ou neta longe daquela corja de víboras.
_ Tudo bem, pai. Não quero ter contato com ninguém daquela família. - a menina fala com o tom de mágoa presente na voz.
_ Certo, minha menina. Agora coloca uma roupa bem bonita e vamos sair para almoçar fora. A culinária mineira é excelente e eu estou salivando de vontade de experimentar alguns pratos. - Meu irmão diz, dando leves tapinhas em cima da mão da filha.
Vejo os olhinhos da Larissa brilhar e um sorriso há muito escondido pelas nuvens de tristezas aparecer.
_ Podemos comer algo que leve quiabo? Estou querendo muito, muito mesmo comer esse fruto. Depois poderíamos comprar pães de queijo para comer com maionese e doce de leite. - Minha sobrinha fala, apertando os olhinhos como se pudesse sentir o sabor das misturas em sua boca.
Penso se seria um desejo gestacional dando as caras por ai.
_ Claro, meu solzinho, papai compra o que você quiser comer. Agora vai se trocar que eu estou te esperando.
_ Só vou tomar um banho, tá? E venho logo. - Larissa diz, saindo com a energia renovada, seu rostinho mais alegre.
Me sento perto do meu irmão e passo um braço em volta do seu pescoço.
_ Nada tem sido fácil para ela, minha irmã, e muito menos para nós. Os Greccos são pessoas perigosas, temo pela vida da minha filha e do meu neto se eles souberem da gestação. - Fernando diz, me assustando. Desfaço o nosso contato e olho para o seu rosto.
_ O que me dizes, Fernando? - pergunto atônita.
_ Isso mesmo que ouviu. Fui pedir demissão juntamente com Luzia no dia em que a Lari embarcou para cá e fui ameaçado - meu irmão fala sussurrando por medo de que a filha ouça, uma vez que a nossa mãe está dormindo nesse momento - Não ameaçaram a mim diretamente, mas a Larissa. Eu perdi meu chão, foi como se quisessem arrancar meu coração com ele ainda pulsando dentro do meu peito. Agora, com a vinda dessa nova vida, tudo está mais fragilizado.
_ Então, não pensa em contar à família do pai do bebê sobre a gestação? - pergunto curiosa.
_ Óbvio que não, se o miserável a enganou, dizendo que é um homem seco, já foi para escapar das responsabilidades paternas. E outra, seria a palavra de uma jovem da roça contra os figurões europeus. Seríamos massacrados por eles. Só espero que minha filha não tenha contraído nenhuma doença daquele verme infernal. Não sei se aguentarei essa pancada. - Fernando fala, travando os punhos.
_ Então, como tudo vai ser, Fernando?
_ Como estou arquitetando desde que você me informou da gravidez, meu neto e minha filha constituirão uma vida longe daquelas aves de rapina.
Não demorou para Larissa surgir usando um macacão azul-turquesa com uma blusinha rosa pink por baixo e uma sandália cor de laranja. Era como se a antiga Lari tivesse saído de onde se escondeu durante esse tempo que hibernou dentro do quarto.
_ Estou pronta, papai. Podemos ir.
Fernando e eu nos erguemos do sofá.
_ Quando eu retornar, irei conversar um pouco com a mamãe. Sinto falta dela - diz meu irmão, saindo do meu lado.
_ Vai ser bom. Ela anda esquecendo das coisas, das pessoas, e sua presença vai ajudar para que ela recupere um pouco das lembranças. - falo, movendo-me para levar os dois até o portão.
Observo minha sobrinha caminhar ao lado do pai e penso que a vida dela vai mudar muito. A chegada de um filho faz a mulher se transformar, o mundo dela sofre uma metamorfose completa, seu corpo passa a ganhar uma armadura de titânio e seus dias, todos eles serão voltados para o bem-estar daquele ser que é o seu coração fora do peito.
O amor de mãe é o sentimento mais forte que existe, e isso Larissa vai descobrir em breve.