Descobrindo o sentimento tardiamente.( Pietro)

1490 Words
" Ignorar os sinais é um sinal evidente de egoísmo e arrogância, pagamos por isso com lágrimas de dor uma vez que não podemos mudar o passado." Por: Pietro. Foi relativamente fácil encontrar uma boca de fumo ou biqueira, como muitos denominam o local onde se vendem entorpecentes. Muito diferente das vendas feitas nas típicas favelas espalhadas pelo Brasil e dos guetos, espaços de segregação de determinada etnia ou etnias vistas como inferiores, parasitárias e incapazes de se integrarem à dinâmica econômica, moral e cultural de determinada maioria, existem espalhados pelo mundo. Consegui comprar entorpecentes das mãos de um rapaz de classe média alta, sem que levantasse quaisquer suspeita, parecia mais que eu estava fazendo uma visita para um conhecido e não adquirindo drogas. O comerciante mora num dos bairros mais bem conceituados da cidade, num edifício considerado de luxo. Consegui a localização do homem através de Antoni, um segurança que serve aos Greccos. Certa vez ouvi uma conversa dele com alguém ao celular, e Antoni deu as coordenadas para a pessoa de como chegar à residência do rapaz, além de salientar que o material era de boa qualidade. E não, não é, e sei bem o motivo, eles misturam tanta porcaria no pó, para este render que no final você cheira 0,005 por cento de cocaína e o resto são adicionais como amido de milho, fermento em pó, cal e até mesmo vidro moído. No entanto, eu precisava dessa mínima porcentagem, precisava de alguns gramas de maconha para poder fumar e relaxar. Larissa me deixou louco e sua gestação me empurrou do penhasco abaixo. Depois de estar em posse dos barulhos e de ter cheirado duas carreiras na casa do filho da mãe que quis me cobrar duzentos reais por cada pino batizado, estou caçando um bar. Preciso de uma bebida forte e sequer penso em retornar para aquela fazenda agora. Eu não suportaria se cruzasse com a garota exibindo o ventre inchado com os frutos que eu não posso dar a ela e a nenhuma outra mulher. O primeiro boteco esfarrapado que encontro aberto, eu entro. Sento-me em um banco alto de madeira, cujo verniz já teve tempos melhores, de frente para o balcão empoeirado. Olho para as prateleiras que sustentam garrafas de bebidas, algumas sem rótulos. _ O que vai querer? - um senhor barrigudo de pele rosada e olhos azuis, me pergunta com o sotaque carregado, evidenciando sua nacionalidade: Português. _ Sirva-me o que tiver de mais forte. - peço, fungando o nariz. _ Ora pois, pois, se não tenho cá em minha taberna um italiano! - profere com certa ênfase, o que traz mais irritação. _ A bebida, por favor! - peço sem paciência. _ Conte-me, cá, gajo éres de que província? - indaga com curiosidade, enxugando as mãos numa toalha de prato e a jogando por sobre o ombro direito. Encarei o homem com ar de poucos amigos. Qual era o problema dele? Eu só quero a maldita bebida e não uma conversa. _ Eu tenho uma filha que é casada com um descendente de italianos. Hoje ela reside em Vale de Aosta. Fui duas vezes para lá, país molto bello - disse, alisando o grande bigode de fios esbranquiçados. O português parecia um rádio com defeito, não parava de falar. Dei um soco no balcão, vendo a estrutura de vidro sacudir. _ A maldita bebida! - falei entre dentes. O gorducho fechou a matraca e, pálido como os ovos cozidos que tinha no expositor, pegou uma garrafa de tequila e outra de pinga. _ São as melhores e originais - disse, dando uma piscadela. - Pegarei o sal e o limão. _ Não precisa, apenas me dê um copo. Assim que o velho irritante colocou o recipiente de vidro na minha frente, tomei duas doses seguidas de cachaça. O líquido não era o que o meu paladar refinado pedia, mas serviria para entorpecer meu corpo da angústia que consumia cada célula que forma minha estrutura. Entre uma golada e outra, sendo olhado de esguelha pelos frequentadores pés-de-chinelo do local, eu me perdia nas lembranças dela e nos cenários que meu cérebro dominado pela cocaína montava: outro trepando com a ragazza, a menina gemendo nos ouvidos de um latino qualquer, ele percorrendo cada milímetro de sua pele com a língua. "Ela é tão doce, qual homem resistiria?"- penso. Fecho meus olhos por um momento, meu interior vibra e me pergunto: "por qual razão não consegui meter uma bala no meio da testa da garota?" Estou tentando não perder o controle quando chega aos meus ouvidos o barulho do banco perto do meu sendo arrastado no piso barato. Ao meu lado senta-se um homem moreno de estatura mediana. _ Seu Antônio, me vê uma dose da "branquinha", faz favor. - pede ao português, expressando certa i********e. _ Claro, Jessé, é pra já! - replica do falador, pegando uma garrafa coberta por uma trama de palha e um copo para o rapaz. O tal Jessé bebe o líquido fazendo um barulho no final e, em seguida, estala o fundo do copo no tampo do balcão. De soslaio, vejo quando o homem me dá uma olhada e depois pega o celular no bolso da frente de sua calça e desliza o polegar na tela. Seus olhos demoram visualizando algo. _ Sabe quando você se sente o ser mais burro da face da Terra? Quando todos os sinais estavam presentes o tempo inteiro e você simplesmente quis e escolheu ignorar porque era cômodo? - fala, voltando a face para mim. Travei meus punhos. Não sei onde eu estava com a p***a da cabeça que não sacava a p***a da arma presa em minha cintura e metia bala em todo mundo dentro daquela espelunca. Eu não queria conversa com ninguém, apenas beber em paz. Olhei para o rapaz. Iria mandá-lo calar-se quando este desandou a falar. _ Eu não quis enxergar e agora estou pagando por isso. - ele olha para o chão, totalmente cabisbaixo. - Perdi, meu amigo, perdi a mulher que eu amava por causa de um capricho meu, por não observar os detalhes e, no fim, por duvidar dela. Samanta sempre esteve por perto, era o bálsamo para as minhas antigas feridas, o alívio para as dores da minha alma e aquela que fazia meus demônios silenciarem. Tão pura, doce e ingênua, tão menina com seus olhares desprovidos de malícias, mas carregados de desejos, tão mulher com sua sensualidade aflorada, mesmo que não fizesse qualquer esforço para ser ou deixar transparecer. Travei, lembrei imediatamente da Larissa. Ele falava e ela vinha em minha mente, se encaixando perfeitamente com a discrição que o rapaz narrava. _ O tempo inteiro ela me quis, o tempo inteiro, e eu - ele ri sem humor - rejeitei os sentimentos dela, machuquei aquela que o tempo inteiro estava de braços abertos para me receber, que conseguia enxergar em mim o que nem mesmo eu consigo. Acho que essa é a sina de todos os malditos desgraçados que vagam por essa terra : perceber que amamos quando destruímos tudo e nada mais pode ser feito. Engoli em seco, suas palavras estavam pesando em mim. _ Eu estava no inferno e ela foi até lá à minha procura. Eu, totalmente mergulhado em trevas, tive um belo anjo apaixonado por mim e não soube valorizar isso. Seria uma troça filha da p**a do destino me mostrando que tudo que toco eu aniquilo? - ele me dirige um olhar vazio ao fazer a pergunta. Levanto-me do banco, abro a minha carteira e jogo uma nota de duzentos em cima do balcão. "Passo a mão" na garrafa e a levo comigo. Entro no carro sentindo meu coração bater acelerado, meu maxilar trava e as palavras daquele sujeito rodopiam em minha mente como um furacão que vem retirando tudo do lugar. Dirijo sem saber para onde ir, sigo por uma estrada de terra até o seu limite, paro perto de uma curva, num despenhadeiro, desço com a garrafa em mãos e me encosto no capô. Estou a dois passos da cerca de arame farpado que margeia e delimita o pedaço íngreme onde estou. Olho para baixo e vejo um rio com suas águas seguindo seu curso, logo atrás dele tem alguns pequenos montes, o verde tão intenso do horizonte me faz lembrar dos olhos dela. Dou uma golada na bebida, sentindo o aperto em meu peito se intensificar. Levo a mão ao local por cima da blusa e seguro o tecido com força. Então tudo clareia em minha mente e em meus sentidos, estou apaixonado pela garota. E, assim como Jessé, percebi isso tardiamente; agora ela pertence a outro e não mais a mim. Meu coração dá solavancos, a dor é tão forte que sinto minha carne tremular. Então, berro para o horizonte, chamando por ela. _ Larissaaaa! Larissaaaaa! Larissaaaaaaaaa! Minha garganta arde, arranha, e minha escuridão me absorve quando percebo que perdi, que eu a perdi.
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