"Só eu sei como eu te amo, amo tanto que não cabe em mim"
Por: Larissa.
Um novo mês se inicia e com ele a euforia do povo pela festa que literalmente paralisa Alegrete em peso: a famosa Expo-Agro.
Eu já tinha combinado com algumas amigas de nos encontrarmos por lá. Faz tempo que não nos vemos, para ser precisa, depois do meu aniversário não tivemos mais contato, raramente por celular. Todas têm seus afazeres e suas vidas, quase não sobra tempo para a diversão, para as conversas descontraídas.
Levanto do sofá e vou para a cozinha preparar um lanche, minha barriga protesta por algum alimento, de preferência doce. Nos últimos dias tenho andado mais faminta, mas também com Pietro me tomando todas as noites, não tinha como ser diferente. O homem é insaciável, tem vezes que viramos a madrugada nos consumindo. Já ocorreu por três vezes de ele me trazer para casa e eu ter de esperar dentro do carro meus pais saírem para seus serviços, para então poder seguir para o meu lar. Certa vez, quando cheguei, foi eu abrindo a porta da cozinha e meus pais fechando a da sala. Foi um sufoco danado. Nossos encontros têm sido ininterruptos e arriscados demais.
Mesmo com tudo sendo muito errado, eu estou nas nuvens, embora as palavras de dona Carmem não deixem meus pensamentos.
Todos os dias peço a Deus o amor daquele homem para mim. Amo tanto o Pietro que chega a doer. No entanto, eu nem sei o que significo para ele. Às vezes me procuro nos olhos dele e só encontro o vazio. Isso me entristece tanto. É como se existisse uma barreira invisível entre nós, um domo que nos separa. Onde eu fico dando uma série de pancadas para tentar destruir esse vidro blindado e poder finalmente ser recebida por inteiro por ele.
O italiano chegou há pouco tempo e fez uma bagunça danada não só em minha vida, mas também em mim.
Quando ele me toca, sinto frio e calor, febre de amor, saudade de paixão. Morro e renasço inúmeras vezes. Aprecio o modo como meu corpo afeta o dele, seus tremores, seus urros animalescos, a forma como trava os dentes tentando segurar o impacto que seu orgasmo provoca quando o atinge feroz. O italiano me seduziu, me hipnotizou, e eu sigo apaixonada, vivendo encarcerada nessa prisão sem grades em que fui colocada.
Abro a geladeira e pego um pedaço generoso de pudim, como o doce em fartas colheradas. Quando termino, lavo o prato e coloco no escorredor de louças, busco por um copo e pego a garrafa de água na geladeira.
Escuto o barulho da porta da sala abrindo, ouço as vozes de meus pais.
Ambos chegam onde estou, olho para meu pai que tem um semblante preocupado e minha mãe não está muito diferente.
_ Calma homem, foi só um acidente como é que vocês iriam prever que a boiada iria estourar? Essas coisas são imprevisíveis e você sabe disso.
Meu pai esfrega as mãos em seu rosto com por baixo dos óculos. Suas mãos trêmulas chamam a minha atenção.
_ Eu sei, Luzia. No entanto, quase que o rapaz morre esmagado pelos animais. Pensa na tragédia que seria, e eu estava a poucos metros dele. - Seu olhar fixa-se no chão. - Nem pensei, só joguei meu cavalo na frente do corpo dele, e o senhor Gerardo fez o mesmo. Imagina isso! Nunca vi o patrão do jeito que presenciei hoje, uma fera. Ele girava o chicote no ar para assustar o gado, tentando fazê-los desviar. Jesus, estou com meus nervos abalados até agora. - Diz, puxando uma cadeira e se sentando.
Seguro o copo nas mãos, escutando tudo, mas sem entender nada.
_ O que houve? Por que o senhor está assim, pai? Alguns dos seus colegas foram perseguidos pelos bois de novo? - pergunto, sabendo que uma vez ou outra isso acontecia. No entanto, os funcionários eram experientes e sempre estavam alertas sobre isso. Até mesmo tinham os lugares de escape pré-determinados, além de outras regras que seguiam à risca para evitar que algo trágico acontecesse.
_ Pior, Larissa, muito pior. Hoje o patrão resolveu cavalgar com o filho. Ambos entraram numa divisão de pastagem que estava com o corredor livre para o gado circular, e quando vi de longe os dois no meio desse perímetro, montei em Ruínas e corri para avisá-los. No entanto, já era tarde demais. O rebanho dispersou em pânico na direção deles, o cavalo do Pietro empinou, jogando o homem longe. A queda foi feia demais.
Perco as forças nas mãos e o copo vai ao encontro do chão, água e cacos de vidro se espalham pelo piso.
Meu peito aperta tanto que tenho dificuldade para respirar.
_ O que houve, menina? Está pálida como um papel! - minha mãe corre para perto de mim.
_ Eu... eu... não almocei, acho que minha pressão baixou. - falo meias verdades, uma vez que realmente não me alimentei.
_ Pai amado, filha, você está gelada e tremendo! Você não pode ficar pulando refeições, Larissa, assim vai acabar doente. - diz meu pai me retirando com cuidado do local cheio de cacos pontiagudos.
Sou colocada sentada numa cadeira.
Abaixo a cabeça no tampo de madeira, segurando o desespero que estou sentindo. Tenho vontade de sair correndo daqui e procurar por ele, saber se está bem.
_ Eita, que a bruxa tá solta nessa fazenda hoje! - minha mãe fala pegando os restos do que um dia foi um copo.
_ O rapaz está bem, pai? - pergunto ainda de cabeça baixa, temendo desabar perante aos meus pais.
_ Não sei, Lari, o pai levou ele às pressas para o hospital. Ele desmaiou com o impacto, bateu a cabeça numa pedra, saía tanto sangue do ferimento. Tentei estancar a hemorragia, mas o senhor Gerardo parecia um demônio gritando com todos que tentassem chegar perto do filho. Foi... nossa, nem sei o que dizer.
Aperto meus olhos, fazendo um esforço tremendo para não chorar descontroladamente na frente deles. Seria como me delatar sem usar palavras para isso.
_ Dona Violeta entrou em desespero quando a notícia chegou na mansão. Nunca vi a mulher tão descompensada. Ela saiu da casa correndo, pegou um dos carros e partiu na direção onde eles estavam, quase arrancou a porteira - fala minha mãe, abrindo as tampas das panelas e colocando um pouco de cada alimento que tem no interior de cada uma em um prato.
A peça circular e côncava, cheia de comida, é depositada na minha frente. Levanto meus olhos para a face da mulher que me olha com um vinco na testa.
_ Vamos lá, menina, coma tudo. Quero ver o prato limpo - diz, puxando uma cadeira e sentando-se. Ficamos os três à mesa.
Pego o garfo e coloco um pouco de comida na boca, mastigo, tenho uma dificuldade tremenda de deglutir o bolo alimentar. Minha garganta parece que está fechada, sendo apertada por mãos invisíveis.
_ Fico indagando: Quem foi que indicou aquele caminho como seguro para os patrões? Todos os meninos que estavam comigo tinham ciência de que o remanejamento dos bichos seria feito hoje - meu pai fala pensativo.
_ Às vezes ninguém, vai que o patrão e o filho esquisito dele fizeram esse percurso por conta própria - dona Luzia expressa sua opinião.
_ Que o homem é cheio de arrogância, isso ninguém pode contestar, mas é um ser humano, mulher, e devemos ter empatia com todos, não importa o que eles sejam ou o que achamos deles - o veterinário diz, levantando-se da cadeira que ocupa - Vou retornar para o serviço.- completa e segue pelo corredor.
Eu termino de comer, empurrando a comida goela abaixo.
_ Mãe, vou tomar um banho e depois deitarei um pouco. - aviso, me erguendo da mesa.
_ Faça isso, Lari. Eu tenho que voltar ao serviço. Aproveitei que os patrões foram levar o filho no hospital e dei uma escapadinha para te ver, e olha, foi certeiro, hein! Imagina você passando m*l aqui sozinha e desmaiando, nossa, nem quero cogitar essa possibilidade. - diz, deixando a mesa e dando um beijo no topo da minha cabeça.
Sem poder me segurar mais, saio da sua presença e me tranco no banheiro, abro o chuveiro e deixo a dor e a agonia me varrer. Lágrimas descem fervorosamente pelo meu rosto, abafo meus soluços com uma toalha de rosto para que dona Luzia não ouça.
_ Estou indo, Lari. Repousa, "tá", filha. - ouço a voz da minha mãe e o barulho da porta da sala sendo fechada.
Meu pranto cai sofrido, dolorido. Me encolho no chão perto da parede.
" Por favor, amor, que você estaja bem!"- murmuro.
Tomada pelo ímpeto, abro a porta do banheiro e corro, literalmente, para o meu quarto. Pego o meu celular e, quando estou prestes a fazer uma chamada para o celular do homem que amo, algo passa pela minha mente: "Os pais podem estar com o aparelho do Pietro."
Largo o meu telefone em cima da cama, fico buscando alternativas, buscando por uma maneira de ter notícias dele ou até mesmo vê-lo.
Então, uma ideia me ocorre, mas para isso dar certo, precisarei da ajuda de Carmem.
●Continua....