O encontro desastroso./ Três meses depois. ( Larissa)

2785 Words
"O tempo anuvia, um prenúncio de tempestade. Teria eu coragem de mergulhar nessa chuva por você? " Por: Larissa. O tempo estava passando muito de pressa e a minha barriga é uma evidência natural disso. Já se foram três meses, três meses que estou de volta a Caravaggio. Corro minhas mãos por ela, fazendo um carinho doce, um carinho de mãe nas duas joias que carrego em meu ventre. Olho através da fresta da janela a noite cair. Penso em todos os esforços que meus pais e eu estamos fazendo, até o momento, para que ninguém saiba que retornei. As cortinas durante o dia não podem ser afastadas, nem as janelas abertas. Não posso ver televisão e muito menos ouvir música. Passo a maior parte do tempo lendo sobre maternidade ou preparando algumas peças do enxoval, bordando e tricotando. Para eu poder me locomover sem maiores percalços, meu pai comprou um carrinho de segunda mão, mas bem conservado, e é com este que, uma vez por mês, vou às consultas na cidade de Santana do Livramento, que fica relativamente perto de Alegrete, enfrento aproximadamente duas horas e cinquenta e quatro minutos de viagem toda vez que preciso ir ao médico. Na minha primeira consulta do pré-natal, a alegria e ansiedade que me dominavam foram substituídas pela mágoa e tristeza. Não consegui camuflar e refleti externamente o que eu sentia. Minha mãe tentou me confortar, no entanto o espinho estava cravado no mais profundo e me castigava. Olhar para outras mulheres e vê-las tendo seus companheiros consigo num momento tão importante me fez desejar ter aquilo também, me fez imaginar como seria se tudo para mim fosse diferente, se ele ainda estivesse comigo. Partilhariamos momentos únicos, momentos de descobertas de cada detalhe da gestação, instantes que era para ser nosso e que agora se tornou apenas meu. Eu observava o cuidado e amor que aqueles homens manifestavam escancaradamente por suas parceiras, a forma como cada um deles saía da sala do médico com um sorriso enorme no rosto e seus olhos brilhando. Alguns tinham até mesmo vestígios de pranto em sua face. Era lindo e é linda essa demonstração de afeto por uma vida da qual ambos têm responsabilidade. Recordo que, quando entrei no consultório, a expectativa era de poder ouvir o coraçãozinho do meu bebê, de saber sobre o desenvolvimento e tudo mais a respeito dele. Contudo, a vida nos reserva surpresas que permeiam nossos destinos, e durante a ultrassonografia descobri que serei mãe de dois. Chorei emocionada, perdida na minha própria felicidade e incertezas. Minha mãe o tempo todo segurou a minha mão sendo também atingida pela emoção. Não conseguimos descobrir o sexo deles naquele dia e até o momento isso se mostra uma incógnita, pois meus pequenos estão numa posição que não nos revela nada. _Perdida em seus pensamentos outra vez, filha. - minha mãe afirma algo que é recorrente comigo, dando-me um abraço. _ Sentindo saudades de tomar um solzinho, de sentir o ar fresco, de tomar um banho de cachoeira, de andar sem medo por essas terras. Fico pensando em quanta coisa esse amor roubou de mim, mãe. Me tornei uma fugitiva da família do homem que brincou comigo.- falo meia-verdade com a voz embargada. _ Ei, não fique assim. Nada é eterno, Lari, é só uma fase dolorida que você está passando, mas logo passará. Minha querida, agora vamos alimentar esses pequenos. _ O que temos de gostoso? - pergunto, sentindo minha boca salivar. _ A salada de legumes, peito de frango grelhado, tudo sem adição de sal e um caldinho de feijão, como a nutricionista prescreveu. Não podemos vacilar, sua pressão arterial está elevada, isso é perigoso para vocês três. - revela, alisando a minha barriga de seis meses. _ A comida fica sem sabor, mãe. - reclamo, andando para a cozinha. _Eu sei, meu amor, mas em primeiro lugar a saúde. - profere, assim que adentro ao cômodo que cheira a tempeiro e me sento numa cadeira. Escutamos a porta da sala abrir e, em seguida, a voz do meu pai chega até nós. _ Boa noite, família! - nos saúda, aparecendo no portal que faz divisa entre o cômodo em que estamos e o corredor. Sorrio para meu herói sem capa. _ Oi pai, como foi o seu dia? - pergunto, pegando o prato oferecido por dona Luzia. _ Cheio, minha filha, mas terei um refresco nos próximos dias, amanhã o casal de monstros viajará para a terra deles e ficará por lá umas três semanas - comunica-se sentando à mesa. _ A víbora peçonhenta estava arrumando as malas hoje pela manhã, parece que sairão bem cedo amanhã. Graças a Deus, vamos ficar livres por um tempo dessas desgraças. Minha mãe fala de forma ácida, de uma maneira que nunca a ouvi expressar-se. _ Sabe qual o lado bom nisso tudo? Que a Lari vai poder sair de casa para tomar um sol, né, minha filha? Vou manter os outros funcionários ocupados nos pastos mais afastados, assim a Larissa não precisa temer ser vista por alguém. _ É, e os seguranças? Se esqueceu dos capangas vestidos de ternos que servem a essa família maldita? - minha mãe indaga, colocando as mãos na cintura. _ Os seguranças serão dispensados pelos Greccos, ouvi a conversa do Gerardo com o filho mais velho. Parece que surgiu um problemão lá na Itália, algo relacionado ao um tal vinhedo, e o velho está indo resolver. Bem que podia acontecer alguma coisa com eles na Europa, pelo menos nos livraríamos logo disso tudo. Fico só observando a interação dos dois. _ Acho melhor não arriscar, pai. Ficarei quietinha no meu canto, é melhor. - falo, bebendo um gole de água, para ajudar a comida, nenhuma pouco palatável, a descer pelo tubo digestório. _ Não, filha, que isso, você precisa dos raios solares. A vitamina D é um hormônio produzido a partir do colesterol quando nossa pele é exposta aos raios ultravioleta B (UVB). Apesar de ser possível encontrá-la em alimentos como óleo de bacalhau, gema de ovo e fígado, é difícil obter a quantidade mínima recomendada dessa forma. Você estará segura, Larissa, fique tranquila. Mesmo que meu pai me fale com uma confiança absurda, no meu íntimo algo grita para que eu tome cuidado, uma espécie de sexto sentido ou um alerta interno. Sinto meus bebês mexendo. _ Nossa, eles estão agitados . - falo, levando a mão à lateral do meu ventre protuberante. Meu pai abaixa a cabeça e beija minha barriga. _ Vovô vai comprar uma bola para nós jogarmos futebol, vou ensinar vocês a driblar o adversário. - conversa com os netos. Eu tenho isso por parte dos dois, tanto minha mãe quanto meu pai, conversam com meus filhos e demonstram afeto por eles. Certa vez, quando fomos comprar algumas roupinhas, dona Luzia surtou dentro da loja e encheu duas cestas enormes com tantas coisas que fiquei com medo do cartão de crédito não ter limite para tudo aquilo. Quando olho para meus pais, sinto que aos poucos estou me recompondo, me reencontrando depois das sucessões de açoites que tomei dos chicotes invisíveis que a escola da vida, emprega com violência em seus alunos. _ Estou cansada, vou dormir. - falo bocejando, levantando-me da cadeira. _ Boa noite, princesa. - os dois me desejam em uníssono. Sigo a passos vagarosos para o banheiro, escovo meus dentes e depois rumo para o meu quarto, onde encontro o berço montado e a cômoda dos meus pequenos. Fecho a porta atrás de mim e com cuidado me deito. Apoio a minha cabeça no travesseiro e imagino como será o rostinho dos meus pequenos, se serão dois meninos ou duas meninas. Só sei que não serão idênticos, são fraternos, também chamados de dizigóticos ou bivitelinos; são aqueles formados a partir de óvulos e espermatozoides diferentes, mas que se desenvolveram no mesmo período. O médico salientou que, por causa da minha estrutura corpórea e por minha pressão instável, meu parto ocorrerá antes das trinta e cinco semanas, algo que ele disse ser comum para gestação gemelar. Sinto minhas pálpebras pesarem e adormeço, tenho um sono agitado, acordando várias vezes durante a noite para urinar. São oito da manhã quando desperto, levanto preguiçosa, mas ávida para sentir os raios mornos que atingem a terra de manhã, aquecerem a minha pele. Sigo para o banheiro, tomo um banho morno e lavo meus cabelos, que cresceram e estão a poucos centímetros de encostar no meu quadril. _ Bom dia, mãe - digo, entrando na cozinha. _ Bom dia, Lari, dormiu bem? _ Pouco, levantei tantas vezes para ir ao banheiro. Estou parecendo uma torneira quebrada. - falo, pegando as minhas vitaminas dentro da cestinha em cima do balcão do armário. Escuto o barulho estridente do liquidificador. _ Prontinho, aqui está a vitamina da mamãe do ano. - dona Luzia me entrega um copo enorme - Não esquece de tomar o remédio para controlar a pressão. - adverte. _ Não esquecerei, inclusive já está aqui na minha mão. - falo para acalmar a avó coruja- E o papai? - pergunto, engolindo os medicamentos com a mistura adocicada de leite e frutas. _ Acordou cedo para remanejar o pessoal, ele quer que você possa caminhar sem medo por aqui. Os Carcarás já viajaram, a essa hora devem estar encaixados dentro de um avião - explica, colocando um pouco de café em sua xícara. _ Então vou passear um pouquinho por aqui - aviso, colocando o copo vazio em cima da pia. _ Só não vai para longe, você pode não se sentir bem com caminhadas longas. Adiantarei o almoço aqui e depois me junto a você, podemos ir na cachoeira, o que acha? Você gosta tanto daquele lugar. _ Amei a ideia, mãe, sinto falta de nadar naquelas águas. Fico empolgada. Deixo a minha casa e sigo para o quintal, sinto o calor gostoso do sol em meu corpo e a brisa fresca a acariciar meu rosto. Tomada pela nostalgia do momento, fecho meus olhos e expurgo a saudade dessas coisas simples que tanto me fizeram falta. Caminho sem destino certo, apenas curtindo a liberdade recém adquirida. Meus olhos se encantam com as borboletas que passam voando e as libélulas tracejando um zigue-zague ininterrupto. Me abaixo e pego uma margaridinha amarela entre as muitas que enfeitam o tapete verde e coloco presa em minha orelha, um adorno natural. Sinto saudades do jardim da mansão, mas de forma alguma eu chego perto daquela casa. Continuo andando distraída, curtindo o cheiro da relva molhada pelo orvalho, estou tão desatenta que nem percebo um carro se aproximando por de trás. Isso dura pouco, instantes para ser precisa, porquê me sobressalto com o barulho dos freios do veículo sendo acionados. Quando dou uma rapida olhada, vejo dona Violeta descendo do automóvel. Meu estômago gela, sinto uma leve vertigem me abraçar. "Céus, o que ela faz aqui?" - me pergunto desesperada. Tenho vontade de correr, contudo a barriga me impede, então apresso meu passo querendo impor uma distância entre nós. A senhora Grecco anda a passos céleres até mim, seu semblante confuso me atinge em cheio. Os dedos ágeis da mulher pegam o meu braço, fazendo-me parar de andar, e me viram de frente para ela. _ Larissa? Você está por aqui e grávida?!- brada, com os olhos fixos em minha barriga. Fico pálida. Tudo o que não deveria acontecer acabou de suceder. Engulo em seco quando ela cruza os braços e me lança um olhar arguto. _ Quem é o pai, menina? - pergunta com a voz metalizada e fria, igual ao que o filho costumava usar. Um arrepio domina meu corpo. Respiro e pondero se mando ela ir à merda ou sou honesta e falo a verdade. Contudo a dúvida me corroia, lenta e vagarosamente e eu precisava saber da verdade, é um direito meu. Quero saber por qual razão ele inventou essa mentira de ser um homem seco. _ Seu filho! - revelo. A mulher gargalha alto e me lança um olhar duro e carregado de ódio. Parece que o chão se abre debaixo dos meus pés, uma f***a profundo que tem por objetivo me tragar para o seu interior. _ Como me enganei com você, menina! - ela me olha com desprezo - Sempre te achei uma garota ingênua, pura e, no entanto, a sua máscara cai e me revela uma mulherzinha sórdida e interesseira. Achou mesmo que daria o golpe da barriga no meu Pietro, sua cretina? Pois engana-se, meu filho é infértil. Sei bem qual foi sua jogada, transou com o meu figlio e depois se espojou com algum outro e agora quer empurrar para o meu herdeiro o bastardo de um joão-ninguém ! Não tem vergonha na cara! - diz mordaz. Sinto minha nuca começar a latejar. _ Eu não estou mentindo. Ele é o p... _ Meu Pietro não é droga nenhuma desse vermezinho que você está carregando. Não pense que somos idiotas, menina. Conosco, você não tem chance alguma. Violeta me olha de cima a baixo com nojo, gira nos calcanhares e entra no veículo, manobrando-o e acelerando, fazendo uma nuvem grossa de poeira me encobrir. Sentindo-me m*l, me aproximo do tronco fino de uma árvore e me encosto, puxando o ar com força. As lágrimas descem fervorosas pelo meu rosto. Me curvo, sentindo a minha cabeça latejar tanto que parece que o cérebro vai estraçalhar o meu crânio para saltar fora da proteção óssea. Meu corpo treme tanto que não consigo me mover do lugar. _ Larissa! - escuto a voz da minha mãe me gritando - Droga! Você está pálida e fria.- reverbera ao tocar em meu rosto. _ Minha cabeça dói. - sussurro. _ Sua pressão, caramba! A demônia te viu, vi o carro dela passar a toda velocidade. O que ela te disse? Apenas balanço a cabeça, não querendo repetir as ofensas que terebraram a minha alma. _ Filha, pelo amor de Deus, me diz o que vocês falaram? - Dona Luzia me pede. _ Ela perguntou quem é o pai e eu disse a verdade. - falo, levantando meus olhos para minha mãe. _ Droga, Larissa! O que você queria com isso? Essa família não é coisa boa, filha, eles podem querer dar cabo de... _ Ele não mentiu, mãe. Ela confirmou que ele é infértil. Mas como pode ser, se eu estou... grávida? - pergunto mais para mim do que para a mulher que está me envolvendo em seus braços. _ São um bando de mentirosos, Larissa! Acha mesmo que eles querem misturar o sangue deles com os de pessoas como nós. Pai, mãe e filhos são tudo farinha do mesmo saco, ninguém se salva. O maldito é filho dela, nunca que ela vai deixar de protegê-lo. Ando amparada pela minha mãe, com meus pensamentos martelando minha mente. _ Uma coisa nisso tudo é boa, não precisamos mais esconder você. Eu nunca concordei com isso, você não fez nada de errado para viver como uma fugitiva. O errôneo foi aquele infeliz que brincou comtigo. - diz, dando um beijo no topo da minha cabeça - Falta pouco, querida, para nós irmos embora daqui. A nossa casa está sendo reformada e em breve daremos adeus a toda essa corja de gente maquiavélica. _ Eu só quero poder criar meus filhos em paz, mãe. Não quero mais nada.- murmuro. Ao chegarmos em casa, dona Luzia me deita e corre para aferir a minha pressão. _ Está alterada, tomou a medição hoje? _ Sim, foi só o nervoso. _ Vou buscar um copo de água com açúcar para você. É uma coisa mesmo, nós achando que os infelizes tinham viajado, e no final, qual não foi a minha surpresa quando seu pai me liga dizendo que a bruxa ficou na fazenda e era impedir que você saísse de casa. Quando fui a sua procura já era tarde, a merda já tinha acontecido. _ Não podíamos prever essa situação, mãe, infelizmente. - falo com a voz embargada, lembrando-me das p************s da avó dos meus filhos, chamando-os de vermes. _ Por favor, filha, não fique triste com tudo o que possivelmente aquela megera te falou. Pense, é melhor assim, ninguém vai ficar te perturbando, meu amor. Apenas ergo meu olhar para o rosto da minha mãe. Talvez seja melhor mesmo, eles acreditarem que as crianças que carrego não têm o DNA proviniente dos Greccos. De forma alguma usarei meus filhos para obter vantagens. Se eu quisesse, exigiria um exame de paternidade na justiça, mas não quero que meus pequenos sejam alvo de uma disputa com essa família poderosa, eles nos esmagariam sem pestanejar. Devo proteger essas crianças e não colocá-los no "olho do furacão".
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