A chegada do canalha.( Fernando)

1688 Words
"Sentimentos podem ser cruéis, mas não é culpa deles. Sentimentos são como crianças arteiras que querem apenas brincar, no entanto fazem uma bagunça tremenda." Por: Fernando. O brete é uma instalação usada para contenção dos animais no manejo sanitário, e nesse momento ele está cheio. Acompanho e realizo a vacinação dos bovinos, assim como faço a instalação de chips rastreadores nos recém-adquiridos pelo pulha que enganou a minha filha. A lida hoje está corrida e cansativa. Alguns peões conversam e até riem, é uma forma descontraída de levar esse dia sobrecarregado de serviço. Estou gritando para que o primeiro animal do corredor seja liberado e assim dê espaço aos que precisam receber a segunda etapa da vacina contra a aftosa. Estou verificando a pistola de vacinar o gado, quando escuto o barulho de um carro se aproximando, eu estava engasgado com o "encontro" que ocorreu há três dias entre dona Violeta e Larissa. A senhora teve a audácia de falar besteiras para minha menina. Não que a minha filha tenha reportado algo a mim, muito pelo contrário, só disse que a mulher perguntou quem era o pai da criança, como se eles não soubessem. Esse papo furado de que o maldito tem o ovo mais seco que as terras do sertão nordestino não cola para um homem vivido como eu. Não faço questão de olhar para saber quem chegou, senhor Genaro ficou de passar para dar uma olhada no serviço, consequentemente era ele. Para ser totalmente sincero, eu não estava aguentando ficar perto de nenhum Grecco. Todos me dão asco, repulsa. Então, algo estranho acontece: a conversa amistosa e até mesmo os sorrisos morrem, desaparecem como se estivessem sendo extirpados por um roubador de alegria. O clima pesa e os semblantes dos demais mudam, para descontentamento e outros para surpresa. _ Buon pomeriggio! A voz que ouço me causa irritação. Era o escroque que estava de volta. Olhei por cima do meu ombro e não quis acreditar no que eu via. O maldito estava ali parado com seus costumeiros trajes pretos, totalmente alinhado e trazia enganchada em seu braço uma belíssima loira que olhava para tudo com a maior cara de nojo. _ Espero que não se importem, senhores. Trouxe a minha noiva para conhecer a fazenda. - diz, olhando fixo em minha direção. Respirei fundo, fechei meus olhos, percebendo que o filho da p**a é mais sórdido do que eu imaginava. Ele enganou minha filha, sendo noivo de outra. A mulher abre a boca e fala algo em italiano tão rápido que ninguém consegue entender. Por uma única razão, nenhum de nós, funcionários, somos fluentes nesse idioma. O tal Pietro fala alguma coisa para a mulher e ambos retornam para o carro. Assim que o veículo parte em retirada, salto de cima do brete. Estou com os nervos à flor da pele. A última coisa que eu precisava no momento é tê-lo por aqui. A presença dele vai perturbar a minha filha. _ Esse cara parece o capeta. Quando chega, expurga o clima de bem-estar e alegria. Percebeu isso, senhor Fernando? - Ronaldo pergunta ao se aproximar. _ Parece não, meu caro companheiro, ele é o próprio tinhoso andando sobre a face da Terra, ele e a sua maldita família. - falo, fechando a cara. Ronaldo retira o boné surrado da cabeça e dá uma coçada nos fios úmidos de suor, típico de quem quer dizer algo, mas não sabe nem por onde começar. _ Anda, homem, desembucha! - peço, vendo os olhares enviesados que recebo do sujeito. _ Não leve a m*l o que vou perguntar, mas o senhor sabe que boatos correm, e quem tem ouvidos ouve e quem tem boca sempre aumenta. Não quero fazer julgamento ou coisa do tipo, porém acho melhor ir direto na fonte da informação do que escutar palavras desencontradas. - Ele olha para as suas botas de couro marrom e depois para meu rosto. - Estão dizendo por aí que a sua filha teve um caso com o filho do patrão e que a coisa não terminou nada bem, por isso é que o senhor anda tão azedo com os Greccos. Ouvir aquilo fez minhas forças balançarem. Entendi naquele átimo de segundo que toda a proteção que pensei ter construido em torno de Larissa foi em vão. O nome da minha filha estava circulando pela boca mexeriqueira desse povo. _ Quem foi que te contou isso, Ronaldo? - pergunto, levando minhas mãos à cintura, na famosa posição de xícara. _ Todos estão falando sobre isso, inclusive nas rodinhas dos bares. Os Greccos são pessoas influentes por essas bandas e quando acontece um troço desses, é alimentar o fogo das línguas faladeiras. No entanto, dizem que foi um dos seguranças que viu sua senhora arrastar a menina para fora da casa dos patrões em plena manhã, foi esse sujeito que se encarregou de dar início ao 'boato' - comenta, fazendo aspas com os dedos na última palavra que profere. As coisas estavam tomando proporções gigantescas e meu medo aumentava gradativamente por causa disso. Não queria ver minha filha sofrendo com o julgamento alheio, muito menos meus netos que ainda nem nasceram. _ Você tem filhas, Ronaldo? - pergunto, olhando-o de frente. _ Sim, duas e mais uma a caminho - responde, sustentando um sorriso orgulhoso. _ Se sentiria bem se alguém viesse até você para falar fofocas em relação a alguma delas?- indago, vendo o homem murchar. _ De maneira alguma, minhas meninas são a minha vida! - respondeu duro. _ Então, coloque-se no meu lugar e pense se estou me sentindo bem com tudo que vem me falando. Aprenda uma coisa, meu amigo: sempre use o filtro quando for dizer algo para alguém. Se suas palavras não forem acrescentar algo de benéfico para ela, nem cogite a possibilidade de abrir a boca. - falo, dando tapas amistosos no ombro do sujeito, e deixo-o pensando em seu ato. Entro no Celtinha vermelho que comprei e dirijo para casa, fritando meus miolos, procurando uma maneira nociva de contar para Larissa que o pai das crianças está de volta a Caravaggio e com uma noiva a tiracolo. Assim que piso na sala, vejo meu solzinho enrolado com agulhas e lã, fazendo mais uma peça para os meus netos. Minha filha está tão concentrada contando pontos e alçando com o marcador um deles que m*l percebe a minha presença. _ Outra manta? - pergunto. _ Hã? Oi, pai. É um casaquinho. É linda essa cor, né? Um tom de creme bem clarinho. Vai ficar lindo nele ou nela. _ Parece que as crianças querem fazer surpresa para nós. Talvez só saibamos do sexo no dia do parto. - profiro, adentrando ao cômodo e parando alguns metros na frente da menina, que tem o olhar encantado verificando o andamento do seu trabalho. _ Verdade, queria tanto saber se são dois meninos ou duas meninas. Pode ser um casal, uma vez que são gêmeos fraternos. - fala com expressão de desânimo. _ Isso é só um pequeno detalhe, meu bem. O mais importante é que nasçam com saúde. _ Verdade, pai, mas o que o senhor está fazendo em casa a essa hora? Ainda são dez e meia. - pergunta, olhando-me com curiosidade. Crispo os lábios, sem desviar o olhar da jovem mãe que volta sua atenção ao tricô que faz com tanto esmero. _ Precisamos conversar, filha, e o assunto não vai ser nada agradável. - revelo, sentando no sofá de dois lugares que fica ao lado do que ela está ocupando. _ Céus, pai, fala logo, está me assustando. - diz, colocando de lado as agulhas. Larissa me olha com toda a atenção, suas mãos tocam as minhas. _ Pietro está de volta, minha filha, e não veio sozinho, o italiano trouxe a noiva. - solto tudo de uma vez. Sinto o tremor vindo das mãos da minha menina, sua face ganha certa palidez e seu olhar desvia do meu rosto para o chão. _ Noiva... - repete a palavra como se não acreditasse no que ouviu. _ Sim, Lari, noiva. Pelo que percebi, uma italiana igual a ele. Você tinha conhecimento de que esse homem é comprometido, minha filha? - indago, querendo saber o quão profundo é esse poço em que meu bebê mergulhou sem pensar nas consequências. _ Eu não... eu não sabia, pai. Ele não usava aliança e nem comentou nada. - fala baixinho, absorvendo a informação. _ Pois é, mais uma para a coleção de cafajestagem do filho da p**a! - brado irritado. Larissa me olha com tanta tristeza que tenho vontade de ir atrás do maldito e socar sua cara. _ Deixa isso pra lá, pai, o passado não pode ser mudado, não é mesmo? Tenho que focar no futuro e nessas duas vidas que dependerão de mim. - expressa como se soubesse da minha vontade insana. _ Vou dar uma ligadinha para o empreiteiro da obra e pedir para ele acelerar o andamento da reforma. Quero tirar vocês daqui o quanto antes. As fofocas começaram a correr e tenho receio de que os Greccos façam algo conosco, mas principalmente com você e os bebês. - externo minha preocupação. _ Eles não seriam tão malévolos, seriam, pai? - me pergunta apreensiva. _ Dessa família, não espere coisas boas, Larissa. Parece que o tártaro acompanha cada um deles, são infernais. Evite ficar indo no quintal, evite que o canalha te veja, tudo bem? _ Sim, pai, farei isso. _ Agora irei retornar ao trabalho. Sua mãe deve chegar angustiada em casa com essa notícia, sem saber como te contar. - falo pensando no estado de nervos que minha esposa deve estar nesse momento. Larissa retorna a pegar as agulhas e a alçar ponto por ponto na agulha. De cabeça baixa, a menina tenta esconder o quanto está mexida com a notícia. No entanto, minha filha se esquece de que, quando o assunto são as suas emoções, ela é transparente. Um sentimento pode ser devastador quando é dado para a pessoa errada. São substantivos abstratos que podem arrasar com o ser humano e fazê-lo andar por caminhos ladrilhados de espinhos.
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