" O sabor continua presente em mim, muito embora agora eu só consiga sentir o gosto amargo da raiva que me consome. Teria eu salvação meu amor, depois de sentir tanta dor?"
Por.: Pietro.
Cinco dias haviam se passado desde que cheguei aqui no Brasil. Tudo estava me torturando: está perto de Larissa, o ódio fervendo em minhas veias, a presença de Andreia e suas reclamações sobre a instalação que foi colocada, o frio ou o calor, a comida tipicamente brasileira, os mosquitos e tudo mais que pudesse criticar.
Há dois dias, levei a mulher para dar uma volta pela fazenda. Nada foi premeditado, com exceção de sua vinda para o Brasil. Fiz questão de trazer a loira com a desculpa de a italiana conhecer seus futuros sogros, entretanto, meu objetivo é bem outro.
Quando chegamos ao curral onde a vacinação estava sendo feita, a expressão de nojo e o pedido para sair do local, que fedia mais do que uma pocilga, me fez querer enfiá-la no primeiro vôo de volta para a Itália. A mulher é entediante. Obviamente, não perdi a oportunidade de evidenciar que a loira tem um compromisso comigo. Fernando travou o maxilar; eu percebi de longe.
Ainda não coloquei meus olhos nela, não vi sequer o resquício da sua sombra.
Estou agora parado em cima do solário, mirando a casa ao longe que abriga a garota. Sorvo um gole puro do uísque presente no interior do copo que seguro. A noite está fria e convidativa para aquecer meu corpo junto a outro, no entanto ele rejeita qualquer um que não seja o da ragazza, enquanto o dela aceitou de bom grado um que não era o meu.
"Grávida, p***a! Grávida!" - sibilo.
_ Figlio? O jantar nos aguarda, venha. - escuto a voz da minha mãe soar atrás de mim, assim como o barulho dos seus saltos finos.
Olho para a senhora Grecco envolvida pelo escuro que me encobre e protege de ser visto por qualquer um que esteja ao longe.
_ Em breve me juntarei a vocês, só preciso de mais um tempo. - falo, despejando o resto do líquido dentro da boca.
_ Está vijando a Larissa, Pietro? - pergunta ao se aproximar e parar ao meu lado.
_ Não, estou planejando o que irei fazer com a puttana e o bastardo, ninguém mancha a honra de um Greco e sai ileso, mamma.
_ Não pense em torturá-la ou algo assim, acho que uma conversa séria a demoveria dessa afirmação de que a paternidade da criança é sua.
Fecho meus olhos e solto uma lufada de ar quando escuto dona Violeta comentar sobre isso.
"Quem será o verme maldito que a engravidou?" - indago em silêncio.
_ O que farei só cabe a mim saber, mas não me peça clemência, isso eu não tenho para dar a ninguém.
Me viro e deixo minha mãe para trás. Só eu sei o quanto essa notícia desencadeou uma série de sentimentos ruins em mim. Só eu estou ciente da marca que essa menina provocou em meu interior. Ela me causou uma dor tão grande e uma agonia que jamais senti igual, e isso me assusta porque dou-me conta de que tudo com ela é mais intenso, forte e chega à superfície do ser que sou.
Larissa me faz sentir de uma forma que qualquer outra mulher jamais foi capaz de fazer, inclusive a minha falecida Pâmela.
Desço os degraus ouvindo os passos da matriarca Grecco bem atrás de mim.
_ Amor, nossa, você sumiu. Entrou no quarto e deu ordens expressas para ninguém lhe incomodar. O que houve? Sente-se bem? - Andrea pergunta assim que piso na sala de jantar.
"Não, p***a, eu não estou nada bem. Estou queimando por dentro como o inferno ferve para liberar os seus demônios para a superfície da Terra." - falo mentalmente.
__ Preciso de silêncio para trabalhar à distância, Andrea.-sou sucinto.
_ Cazzo, Pietro, nem em viagem você para com os negócios! Eu estou aqui, quero sair, curtir um momento a dois com meu noivo! - diz dengosa, vindo em minha direção e dando um beijo em meus lábios.
_ Escuta tua futura donna, figlio mio, é enfadonho manter a jovem presa dentro da fazenda. - meu pai manifesta ao tomar seu assento.
_ Estou sem tempo agora, quem sabe mais à frente. - profiro, me desvencilhando da loira e ocupando meu lugar.
Logo todos estamos sentados e comendo ao som sepulcral de uma cripta à meia-noite. O alimento, uma lasanha bolonhesa, embola na minha boca a cada mastigada e não consigo engolir. Sorvo um gole de vinho para empurrar a pasta grudenta pelo tubo digestório.
Meu corpo está aqui, mas meus pensamentos estão na puttana. Sem paciência para encarar o jantar intragável e muito menos predileção para fazer social, levanto da mesa sob os olhares dos três ocupantes restantes e deixo-os sem falar uma só palavra.
Dirijo-me para o meu quarto. Ao chegar, tranco a porta e olho para a cama que mandei trocar assim que cheguei, pois a outra me fazia recordar a última noite que passamos juntos.
Sinto um tremor passar por meus membros, a raiva que vem pedindo libertação desde o dia em que cheguei aqui. No entanto, eu estava esperando o momento certo para poder pegar a menina, uma oportunidade de vê-la andando sozinha pela fazenda.
Quando isso acontecer, levarei Larissa para o velho galpão distante daqui. Farei a menina chorar lágrimas de sangue e se arrepender de ter cruzado o meu caminho.
Estou possesso, ando de um lado para o outro, precisando de algo para me acalmar. Estou preso nesse fim de mundo sem poder adquirir entorpecentes.
Olho para uma garrafa de vodka, pousada em cima do minibar. Me aproximo da bebida, olhando-a com devido interesse.
_ Somos só eu e você esta noite. Será que dará conta de toda essa mágoa e ressentimento que trago comigo? - falo antes de dar um grande gole direto no gargalo.
As dores são muitas, tantas que não consigo enumerá-las. Me encontro mais perdido do que antes, mais envenenado por toda a amargura que a cada segundo vem crescendo mais. É isso que eu sou, um condenado que o destino desproviu das coisas bonitas e só me oferece cacos de vidro pontiagudos nas mãos e feridas na alma.
Se há alguém que conhece bem as camadas mais infortunadas da vida, esse alguém sou eu.
◇ Continua.....