01 - Prólogo
Fábio Narrando
Mais um amanhecer em Roma. A névoa beija as cúpulas antigas da cidade eterna e se deita preguiçosa sobre os telhados vermelhos. Das janelas do Vaticano, posso ver a praça ainda silenciosa, como se o mundo lá fora ainda estivesse em oração. Gosto dessas primeiras horas da manhã. São as únicas em que o tempo parece respeitar meu silêncio interior.
Tenho trinta e dois anos hoje. Uma idade que para muitos é o início da realização dos sonhos. Para mim, é o peso de uma promessa.
Cheguei em Roma com dezesseis anos, vindo de um bairro simples do Rio de Janeiro. Nunca mais voltei. Não porque não sinto saudade, porque sinto, todos os dias. Mas porque minha mãe, em sua fé inabalável, me pediu para nunca retornar. Disse que o Brasil poderia me corromper. Como se os desejos da carne e da alma não fossem universais, como se não nos assombrassem até mesmo dentro das muralhas sagradas do Vaticano.
Nasci fraco, doente, os médicos diziam que eu não duraria. Minha mãe, dona Eulália, fez uma promessa desesperada diante de um altar improvisado em nossa casa simples: se eu sobrevivesse, seria um homem de Deus. E assim aconteceu. O milagre veio, segundo ela. Para mim, talvez tenha sido só a força da vida que insiste mesmo quando tudo parece perdido. Mas quem sou eu para contrariar a fé de uma mãe?
Minha infância foi marcada por essa promessa. Enquanto as outras crianças sonhavam em ser jogadores de futebol ou astronautas, eu já sabia o meu destino. Ela me educou com mão firme e olhar vigilante. Não havia espaço para rebeldia, nem para os erros típicos de um menino. Cada gesto, cada palavra, era corrigido com orações e castigos. Meus livros eram a Bíblia, os evangelhos, as vidas dos santos. Brincar era só depois do terço. Amigos? Poucos. A maioria se afastava quando percebia que eu era “diferente”. O menino que não podia pecar.
No fundo, eu queria outras coisas. Gostava de desenhar casas, estruturas, fazer cálculos com pedras e madeira. Sonhava em ser engenheiro civil. Mas jamais tive coragem de dizer isso em voz alta. Não quando minha mãe repetia, todos os dias, que eu era um presente de Deus, um sinal da fé dela. Como questionar isso?
Com catorze anos, o padre da Basílica de Nossa Senhora da Glória, no Rio, soube da promessa de minha mãe e de minha devoção precoce. Era um homem influente e conseguiu uma bolsa para mim em um seminário renomado em Roma. Me lembro da viagem como se fosse ontem. O coração acelerado, o estômago embrulhado, e a mala apertada com o pouco que eu tinha. Minha mãe chorou no aeroporto, mas não de tristeza, chorou de gratidão. "Você está indo viver a missão que Deus preparou para você", disse ela. Eu apenas sorri, tentando esconder o medo.
Roma me acolheu com frio e silêncio. No seminário, fui mais um entre tantos jovens de diversos países. Todos com histórias de fé, chamados divinos. E eu, com uma promessa de mãe. Os primeiros anos foram duros. A saudade do Brasil era como uma ferida aberta. A comida era diferente, o idioma difícil, os costumes distantes dos meus. Mas me adaptei. Aprendi latim, italiano, filosofia, teologia. Aprendi a calar a voz do menino que queria construir pontes e erguer prédios. Enterrei esse sonho junto com os primeiros votos.
A formação foi intensa. Confissões, retiros espirituais, celibato. O corpo, essa casa de desejos, precisava ser domado. E não foram poucas as vezes que ele tentou me trair. O toque sutil de uma mulher em uma missa, os olhares nas ruas, as tentações nos corredores do Vaticano. Mas resisti. Por ela. Pela promessa. Pela fé que aprendi a cultivar mesmo em meio às dúvidas.
Minha mãe me visita duas vezes por ano. Chega sempre com roupas novas, olhos marejados e uma Bíblia marcada de orações. Olha para mim com orgulho, como quem vê a própria salvação. E isso me fere mais do que qualquer tentação. Porque sei que sua felicidade depende da minha renúncia. E eu aceitei esse papel. Aceitei ser o filho perfeito, o padre exemplar, mesmo que minha alma, às vezes, suplique por mais.
Por me vestir formal, por uma faculdade de engenharia, uma noite no barzinho com os amigos, já até imaginei, como seria ter uma namorada? Quando vejo os casais na igreja, quando celebrei o primeiro casamento. Meu Deus, eu pequei, depois fui para minha auto punição. Eu desejei ser aquele noivo, sua noiva linda vestida de branco, sorriso nos lábios e olhos brilhando de amor. Como será viver uma vida assim?
Hoje, sou um dos padres responsáveis por celebrações na Basílica de São Pedro. Faço parte de comissões, dou conselhos, ouço confissões pesadas que me roubam o sono. Mas também celebro a fé verdadeira de pessoas simples, vejo milagres pequenos todos os dias, na compaixão de um fiel, no sorriso de uma criança, na paz que um perdão traz. Isso, sim, me dá forças para continuar.
Mas não se engane. A batina pesa. A vida aqui, por mais sagrada que pareça, também é solitária. Tenho amigos, claro. Outros padres que compartilham o mesmo fardo, os mesmos silêncios. Mas há noites em que me pergunto: e se eu tivesse dito não? E se tivesse seguido meu próprio caminho?
Há um vazio que me acompanha. Uma parte de mim que nunca amadureceu, talvez porque foi silenciada cedo demais. Tento preencher esse espaço com fé, com trabalho, com oração. Às vezes consigo. Outras vezes, só observo o céu romano e peço a Deus que me compreenda melhor do que eu compreendo a mim mesmo.
Minha vida não é uma novela de milagres. É uma história de sacrifícios. De promessas que moldam destinos. De uma mãe que amou tanto o filho que o ofereceu a Deus. E de um filho que aceitou esse altar como lar, mesmo sonhando com outro horizonte.
Sou padre Fábio. E este é o meu mundo. Mas talvez, só talvez, Deus ainda tenha outros planos para mim.
Autora!
Olá! minhas amoras, cheguei com mais uma história, dessa vez a gente vai falar de amor e loucura.
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estou com um projeto de Ilustração de Hot. e lá também posto as fotos dos personagens, Vem interagir com a gente ❤️