Conforme fomos entrando na pequena cidade, percebia-se que era bem antiga. As crianças corriam pela praça, as senhoras tricotavam na calçada e todos os moradores se cumprimentavam. Era impossível não se conhecer por ali.
Sinto um frio correr pela minha espinha por lembrar de cidade pequena tinha língua grande.
- Já estão enfeitando. - Marco observou e eu sorri afirmando.
Era normal eles enfeitarem a cidade, levavam bem a sério datas comemorativas e todos os vizinhos se ajudavam para poder ter um ambiente colorido e animado.
Nas noites de Natal, após a ceia, todos se reuniam na praça para uma confraternização.
- O que vamos dizer aos seus pais? - Ele pergunta quando puxo o freio de mão.
- Não sei. Vamos ter que improvisar.
- Não sou bom com improviso. - Pude notar seu rosto ficando branco.
- Nós nos conhecemos pela Gabi, nos apaixonamos e descobrimos que íamos ser papais. - Apertava o volante, como se ele fosse me tirar dali.
- Você está nervosa, não é? - Pousou a mão quente na minha coxa, para me confortar.
Sua mão é grande e cobre grande parte dela, e aquece também. Todo o meu corpo aqueceu.
Os olhos castanhos encaravam os meus como se quisesse ver o fundo da minha alma, e eu observava cada detalhe do seu rosto, estava curiosa desde que o vi hoje mais cedo para procurar um defeito. Não encontrei.
Estava tão bom ali, mas uma coisa roubou toda a minha atenção.
Meus pais vestidos de duendes do papai-noel acenando da porta de casa.
A única coisa que separava era um gramado bem cuidado, logo como escadas da varanda, e lá comprados eles ...
- Minha menina! - Meu pai me abraçou quando nos aproximamos, senti o cheiro de roupa nova saindo de sua fantasia fofinha e verde, misturado com o cheiro de casa.
- Olá, você é o namorado dela? - Mamãe perguntou ao Marco que sorria amável após um abraço. - Diz que sim por favor, todo Natal ela vem sozinha. - Começou a tagarelar antes dele responder.
Papai vira os olhos e estica a mão para o Marco.
- Hugo. - Cumprimenta com a voz grossa.
- Marco, prazer. - Aperta a mão dele.
- Está namorando a minha filha? - Cruza os braços, quem vê pensa que ele é durão.
Passo a mão no rosto. Até aos vinte e quatro anos eles ainda me envergonhavam.
- Graça a Deus, eu estou. - Respondeu e deu uma piscadinha pra mim. Senti todo o ar sumir dos meus pulmões.
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- Fique à vontade, Marco. - Minha mãe praticamente empurrava ele pelos cômodos empolgada.
Não posso culpá-la. Nunca fui de apresentar namorados e desde que me mudei, a sua elevação aumentou.
Ela sempre teve meu pai como um porto-seguro, e acha que eu preciso de um homem para isso também. Sarah não é machista, só que nem todos os homens são como o meu pai.
- Você sabe que ela vai assustar o garoto, né? - Perguntou zombeteiro e empurrou o meu ombro de leve.
E o que eu tenho pra dizer vai assustar vocês dois.
Na cozinha o cheiro de bolo estava por toda parte, a casa aquecida e aconchegante.
Meus pais conversavam com o Marco enquanto eu viajava nos meus pensamentos: como iria começar essa conversa?
Como contaria a eles que estou grávida? Minha mãe já é preocupada, depois dessa novidade vai ter um troço no meio da cozinha.
- Precisamos conversar ... - Falei rápido antes de perder a coragem.
Eles ficaram em silêncio, após eu atravessar o assunto e me encararam preocupados. Marco respirou fundo, e segurança a minha mão por baixo da mesa.
Seu polegar acariciou as costas da minha mão trêmula e de certa forma me deu segurança.
Desejei do fundo da minha alma que isso fosse verdade. Que estava com o pai do meu filho, apaixonados e dando a notícia para os meus pais.
- Tenho uma coisa para contar a vocês ...
- Nós temos. - Ele dá ênfase e aperta levemente a minha mão.
- Meu Deus, vocês vão casar? - Minha mãe junta as mãos e coloca na altura da boca com os olhos esperançosos. Senti vontade de chorar.
Papai ainda me analisa, ele me conhecia tão bem que chegava a me assustar. Ele vira a cabeça como se quisesse me ver de outro ângulo.
- Se aquieta, mulher. Não é isso. - Ele advertiu e voltou a me encarar.
- Eu estou grávida. - Falei de uma vez. Marco entrelaça como nossas mãos.
Sarah fica intacta, os olhos congelados e a boca entreaberta, igual ao meu pai. Ela puxa uma cadeira, levemente e senta ao lado dele, os dois pareciam ter visto um fantasma.
- Vocês ... - Papai começou, mas logo parou. Estava sem palavras.
- Minha filha, mas vocês só namoram.
Nem o pai do meu filho ele é, mãe.
Meu peito aperta angustiado e eu luto para não chorar na frente deles. Só quero que esse dia acabe, mas presumo que estraguei o Natal deles.
Estraguei o meu também. Na verdade estraguei grande parte da minha vida.
- Eu vou me casar com ela. - Marco quebrou o silêncio, meus olhos marejaram. - Não por obrigação, já planejava isso há um tempo.
- Garoto - Pela primeira vez meu pai tira os olhos de mim, e transfere para o Marco -, vocês fazem ideia do que estão fazendo?
- Papai. - Pedi chorosa. Não queria que ele ouvisse uma bronca que não merecia.
- Vocês me batem mais velho! - Bateu na mesa eufórico e gargalhou alto, minha mãe abre um sorriso e percebo que as lágrimas dos seus olhos são de emoção. - Vem cá! - Ele puxa Marco para um abraço.
- Ah, minha menininha! - Mamãe abre os braços e nós abraçamos. Eu preciso tanto disso que me desmancho em seu ombro. - Você será uma mãe incrível, eu tenho certeza disso. - Segurou meu rosto, limpando as minhas lágrimas enquanto as dela escorria. - Vocês vão formar uma família maravilhosa. Eu te amo, tá bom?
- Vem aqui minha garota! - Papai brutalmente me puxa para um abraço. - É bom ele ser maravilhoso pra vocês, se não eu pego minha espingarda. - Sussurrou, mas pude notar sua voz embargada.
- Estou tão assustada, pai.
- Eu sei. Eu sei, filha. - Beija o alto da minha cabeça e sorri emocionado.
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Depois da janta com risadas altas e nomes para o bebê, levei uma bronca enorme da minha mãe por não ter começado o pré-natal.
E ela toda orgulhosa falou que iria falar com uma médica-amiga para tentar fazer um ultrassom.
Não foi a reação que eu imaginava, mas também não é a verdade. O Marco, eu e família feliz, não é a minha realidade.
E ele foi tão bem, meus pais o adoraram. Era impossível não gostar dele, o sorriso cativante era de agradar qualquer um.
Ouço a porta abrir enquanto estou sentada no degrau da varanda, a noite está quente e a rua completamente enfeitada e natalina.
- Seu pai me convenceu de fumar um charuto. - Marco comenta enquanto senta ao meu lado. - Estou com dor no peito até agora. Traguei tanto que ele teve que bater nas minhas costas. Você o conhece melhor do que eu, né? Minhas costas estão doloridas.
Dei uma risada e encarei ele.
Os olhos castanhos observavam os enfeites e brilhavam a cada casa.
Gabi tinha razão, Marco ainda carregava com ele um espírito de criança.
Eu não estou bem. Meu mundo está uma confusão e eu nem sei por onde vou começar a arrumar.
Desejo nunca mais ir embora e ter a vida que eu criei aqui. Desejo essas luzes para sempre e esse clima agradável. Desejo que eu seja feliz com esse bebê, e que saiba ser uma boa mãe, que eu dê conta sozinha.
Sinto o corpo do Marco encostar no meu, e ele delicadamente me puxar pra perto, contornando minhas costas com seu braço longo, e me segurar pelo ombro.
Não luto para deitar minha cabeça em seu ombro. O cheiro agradável exala da sua pele e eu fecho os olhos sentindo seu ombro subir e descer com a respiração calma.
Ficamos em silêncio, eu não queria dizer nada e ele sabia exatamente o que fazer.
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