Rael
O dia estava pesado. Assim como a maioria deles. Minha vida girava em torno de problemas, assuntos para resolver. Carregamentos que não chegavam no prazo. Cobrança de dívidas e tantas outras coisas. Problemas na boca, uns desentendimentos com o pessoal do morro vizinho.
Eu estava de saco cheio, pensando em como resolver tudo na porrada, como de costume. Mas eu sabia que não podia perder a cabeça. Embora eu quisesse mesmo encher alguém de porrad@. Jhow e Binho estavam mantendo a distância. Eles sabiam quando ficar na deles. Decidi dar uma volta sozinho para clarear a mente, o que era raro para mim.
Dei ordem pros “crias” e avisei que queria tudo resolvido quando voltasse. Não queria ninguém no meu pé agora. Precisa de um pouco de paz.
Desci pelas vielas, a principio sem rumo. Mas talvez minha cabeça estivesse me pregando uma peça.
Passei perto da casa da Maitê, e me arrependi no mesmo instante. Ela estava sentada na pequena varanda, rindo alto. E não estava sozinha. Um moleque novo, que eu nunca tinha visto por ali, estava conversando com ela, ajeitando uma planta no vaso. Ele era magrinho, com um sorriso fácil e um jeito meio desengonçado. E o pior: ela parecia se divertir com ele. O sorriso dela era genuíno, o riso solto. Não aquele sorriso contido que ela me dava quando me desafiava.
Além de ver ela e Cabeça toda hora junto, agora essa?
Uma pontada estranha me atingiu no peito. Não era raiva, não era fúria. Era algo mais primitivo. Um aperto.
Ciúme.
O que era aquilo? Eu nunca tinha sentido aquilo por mulher nenhuma. As minas que me rondavam eram minhas por direito, eu não precisava competir. E agora, aquele moleque i****a estava fazendo a Maitê sorrir desse jeito?
Parei na esquina da viela, observando de longe. O moleque se curvou para arrumar a planta, e o braço dele roçou no dela. Um roçar inocente, eu sabia. Mas a forma como meu estômago revirou me assustou. Eu queria ir lá, puxar aquele moleque pelo colarinho e perguntar o que ele queria ali.
— O que o chefe tá fazendo parado aí, olhando pra casa da novata? — ouvi a voz do Binho, que me alcançou sem que eu percebesse. Ele estava com o Jhow, provavelmente me procurando.
Lancei um olhar mortal para ele.
— Não é da sua conta. Só estou observando o movimento.
— Ah, o movimento, claro — Binho zombou, mas baixinho, sabendo que eu estava de mau humor. — É que o 'movimento' ali tá meio... florido, né? A moça do interior já arrumou um jardineiro particular?
Meu sangue ferveu.
— Cala a boca, Binho! Eu já disse para deixarem a garota em paz!
— Desculpa, chefe! E que além de cabeça, é novidade para nós ver ela se aproximando de alguém. — Binho comenta.
— Qual é Rael, precisa admitir que a garota não é de fazer muitas amizades — Jhow diz.
— Qual o problema? — como se eu já não tivesse com dor de cabeça o suficiente, Cabeça acabou de chegar.
Sai da porr@ da minha sala para ter um pouco de paz e agora esses três vão me infernizar até.
—Nada! — rosno.
— Pelo visto a novata encontrou um amigo — Binho diz contendo a risada.
— Maitê? — Cabeça questiona, se virando em direção a casa dela. Vejo meu irmão mudar um pouco a expressão.
Não da mesma forma como eu, mas perceber ele se incomodar. Nesse momento minha raiva se tornar maior.
O que será que cabeça sente por ela?
Não, eu nunca perguntei, mas nas vezes em que a forasteira é assunto, ele sempre faz questão de dizer que os dois são amigos agora.
— Quem é esse? — Cabeça Questiona.
— É o que a “gente” quer saber — Jhow fala o “gente” de forma arrastada.
— Vou até lá — Cabeça avisa.
— Você não tem trabalho? — pergunto, mas no fundo, quero que ele vá lá e descubra quem é o cara.
— Tenho, mas primeiro vou lá ver um negócio. Meu trabalho está sobre controle.
Olhei enquanto meu irmão se afastava e seguia em direção a casa da forasteira. Não podia ficar ali dando mais bandeira.
Me virei e comecei a andar, rápido, deixando-os para trás. O aperto no peito não diminuiu. Era um sentimento novo, desconfortável, e me deixava puto. Puto por sentir, puto por não entender.
Maitê estava se infiltrando na minha cabeça de um jeito que ninguém nunca tinha feito. E a ideia de outro homem perto dela, fazendo-a rir, me deixava cego de uma raiva que eu não conseguia controlar. Aquela garota era um problema. E agora, ela era um problema que envolvia meus sentimentos. E isso, no meu mundo, era a maior fraqueza de todas.