Capítulo 1 - O Sonho
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Parte I
A Hospedeira
Prólogo
Certa vez, eu sonhei que era uma menina perdida no meio de uma imensa floresta. Nela eu encontrava seres estranhos. Existia um reino cheio deles e eu fazia parte dele. Fadas, duendes, ninfas, sereias, lobisomens e vampiros. Bruxas, anjos, demônios e gigantes. Era uma fortaleza magnífica. Meu melhor amigo era a árvore da sabedoria. Sim, algumas árvores se moviam e falavam também. Eu sentia a brisa no meu rosto e eu ria como uma criança brincalhona. Meus dedos se moviam no ar, formando rastros de luz. Era como música. Eu corria por um caminho de pedras e parava na beira do rio, onde eu sempre ia naquele horário. Grinste parou ao meu lado e tocou minha mão, que estava na água. Eu o olhei e sorri.
- Então resolveu admitir que você estava errado? - ele balançou a cabeça em negativa. Dei risada. - Então por que veio?
Grinste retirou minha mão da água e a segurou com suas duas mãos. Ele se levantou fazendo com que eu fizesse o mesmo.
- Eu vim me despedir, Kaissa. - meus olhos se encheram de lágrimas e então abaixei a cabeça. Grin a levantou com dois dedos. - Ei, olhe para mim. Eu preciso ir. Não poderemos mais. Você e eu somos diferentes, jamais ficaríamos juntos. Você sabe disso.
- Você ao menos me amou? – perguntei, já perturbada. Ele sorriu, mas parecia triste.
- Amei mais do que devia. Agora... precisamos seguir caminhos diferentes.
Eu não conseguia entender ou aceitar.
- É a sua mãe? Ela está fazendo você se afastar de mim?
Ele me olhava com tristeza e balançava a cabeça em negação. Ele sabia que o que diria partiria meu coração.
- Eu encontrei o amor em outro alguém.
- O que...? O que está dizendo?
- Alguém como eu. - ele sussurrou, ainda sem conseguir me olhar nos olhos. Em meu estômago se formou um grande buraco de amargor que deixava um gosto h******l em minha boca.
Eu o afastei com força e enxuguei as lágrimas que ferviam em minha face. Meus longos cachos vermelhos começaram a esquentar até brilharem como um fogo ardente. A mágoa se tornou um ódio profundo e a tristeza secou em meus olhos. Olhei para o céu e vi as nuvens se escurecerem e raios começarem a cair ao meu redor. Grinste deu alguns passos para trás e parecia apavorado. Ele tropeçou e caiu, me olhando fixamente com seus olhos cheios de medo.
- Kaissa? - tentou falar. - O que está fazendo?! - gritou. - Você não entende?! Tem algo mais que eu quero te dizer!
Uma tempestade estava chegando rápido e o vento me chicoteava a face violentamente. Voltei o meu olhar para Grinste e ele parecia aterrorizado com todo o meu poder. Ele parecia pensar sobre o que faria a seguir, mas me ver tão ferida e tão irada, decidiu que fugir seria o mais prudente a fazer Ele voltou à sua forma de fada e vi seu pequeno brilho ir para longe, talvez rápido o bastante, mas não rápido o suficiente para me deter. Meus olhos eram puro ódio e eu simplesmente não conseguia pensar bem. Um raio o atingiu e eu o vi cair. Me aproximei de seu brilho fraco que se apagava aos poucos e meus cabelos se apagaram quando uma forte chuva caiu sobre minha cabeça.
- Se eu não posso tê-lo, ninguém mais pode.
Uma densa chuva percorreu todo o nosso mundo por vários dias e eu fui caçada por durante anos. Meu refúgio era na floresta, onde as árvores me acomodavam. De tempos em tempos eu precisava correr, pois mais criaturas sentiam meu cheiro e vinham atrás com sede de vingança. Eu havia matado o príncipe, o filho da Rainha das Fadas. Eu sofria por ter feito aquilo, mas era um m*l que me dominava por dentro. Uma fúria incontrolável. Eu sentia medo de mim mesma, até que um dia ele me encontrou. Hanaã. Um mago que sabia muito sobre a magia, ele me ensinou tudo o que hoje conheço. Em uma das minhas fugas ele me ajudou a me esconder e a confundir meu odor. Ninguém nunca mais me encontrou e ele virou meu único e melhor amigo.
Hanaã era um viajante e ele me contou histórias. Disse que há muito tempo existia um mundo maior, com outros seres. Os espíritos e os humanos andavam entre nós, mas houve uma guerra em que tudo foi devidamente separado. Havia caos, humanos querendo ter poderes mágicos e espíritos tentando voltar à vida. Seres mágicos atacando humanos... uma catástrofe. E então, nosso mundo foi divido em três. O Espiritual, o Humano e o Mágico. Hanaã queria abrir uma f***a, onde nós pudéssemos escapar e fugir da morte certa. Mas... quando a f***a foi aberta todos os três mundos se misturaram e um pouco de cada um ficou em cada um dos três mundos. E então... A f***a foi fechada. Era uma viagem sem volta, uma missão suicida. Quando chegamos do outro lado, já não éramos nós mesmos. Tínhamos aparências diferentes. E esta é a verdade. Muitos de nós, seres mágicos, estamos presos dentro de corpos humanos, tentando ensiná-los como usar os nossos poderes e nos ajudar a reabrir a f***a que há muitos anos foi fechada. Só que existe um pequeno problema. Alguns seres gostam da luxúria, da ira, da gula que os seres humanos possuem e não querem partir. Isto está se transformando numa grande guerra, muitos de nós irão morrer, mas não há saída. É a guerra ou viver eternamente aqui, passando de corpo em corpo tentando ensinar algo que é impossível de ser ensinado. Eu sou uma feiticeira e não uma professora. Não sou nenhum monge nem um Asima. Meu nome é Kaissa de Grangstill, da floresta de Pokaini. Não vou morrer como um ser humano fraco, eu vou lutar até o fim.
Agora você sabe de tudo. E não existe a opção "eu quero só viver".
Acorde.
Acorde!
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Já era de manhã e eu sabia que minha olheiras fundas contrastavam com meu cabelo preso de qualquer jeito no alto da cabeça. Paul me olhava tentando parecer sério enquanto se acabava de rir por dentro. Eu sabia que ele não me levava verdadeiramente à sério.
- Mais uma vez eu acordei de madrugada por causa dos malditos sonhos. – bebi um bole de café. – Estão ficando piores, Paul.
- Calma, me conta de novo. – ele apertou minha mão, tentando me acalmar enquanto tentanva não desviar seus olhos dos meus.
- Era uma menina de cabelos vermelhos. Era parecida comigo, mas não era eu. Ela estava numa floresta com um cara alto e eles eram amigos. – eu me interrompi e joguei a cabeça na mesa com as mãos sobre ela. – É como se ela estivesse me contando algo que preciso saber, como uma história. Eu tenho tido esse mesmo sonho há semanas, mas a cada dia que passa... mais intenso fica. – eu fechei a cara. – Será que estou ficando doida? Sonhando com fadas...
Paul finalmente não conseguiu mais se conter e acabou caindo em gargalhadas que pareciam nunca acabar, eu fiquei pensando nas coisas. Eu não estava ficando exatamente doida. Eu tinha uma amiga que entendia de certas coisas e talvez fosse bom ligar para ela. Me levantei com a conta na mão e puxei Paul comigo. Ele parou de rir e fez um bico.
- Já vamos?
- Claro. Eu tenho coisas para fazer e já é tarde. – Paul travou meu braço, me fazendo parar de andar.
- Lilian! São sete horas da manhã! Como que isso é tarde?!
- Eu tenho coisas para fazer. Me encontre 17h no Subway. – ele revirou os olhos.
- Tudo bem.
Eu entrei em um ônibus lotado e saltei no ponto que me deixava exatamente na porta de casa. Quando entrei, notei que meu pai ainda dormia e meu irmão estava se arrumando para ir para o colégio.
- Atrasado de novo? – ele deu um pulo ao ouvir minha voz e eu ri. – Tem que começar a dormir cedo, Danny. As férias já terminaram. – ele bufou e me deu as costas, saindo pela porta sem se despedir. Eu entrei no meu quarto e liguei o computador. Peguei meu telefone e liguei para Sara.
Ela demorou um tempo para atender, mas percebi que a tinha acordado.
- Lilian?! Sabe que horas são? – eu ri.
- Ah, vamos! Pelo menos eu não ligo mais no meio da noite.
- Mas é quase a mesma coisa! Fala logo, o que você quer? – eu respirei fundo.
- Precisamos conversar sobre uns pesadelos de que eu venho tendo. Eu não ia te contar nada, mas... eles estão piorando, ficando cada vez mais reais.
- Tudo bem. Eu vou encontrar uns amigos hoje. E eles entendem mais do que eu as coisas que estão acontecendo contigo. Me encontra 22h na minha casa, daí nós vamos juntas.
- Obrigada, Sara. – ela deu risada e desligou.
Sentei-me na beirada da cama e fiquei encarando a imagem do celular. Pensei várias vezes em ligar para ele. Nós éramos felizes, bom, eu pelo menos era. Há seis meses eu conheci o j**k. Ele parecia ser o cara. Me conquistou com um sorriso bobo e seus cabelos cacheados caindo no rosto. Ele nunca me deixou triste até o dia que foi embora. Disse que éramos diferentes e que jamais seria capaz de me amar como eu o amava. E partiu. Eu ainda tinha as nossas fotos pregadas no meu mural e gravadas no celular. Duas semanas e eu ainda não superava.
De certa forma... o início do meu sonho me parecia familiar, me fazia lembrar dele. Seria algo projetado para me fazer sentir pior? Por que estava acontecendo aquilo novamente?
Quando fechei meus olhos tentando afastar as lágrimas, uma forte dor atingiu minha cabeça e me fez cair no chão, me contorcendo. Era uma dor que jamais havia sentido antes, era assustadoramente dolorosa. Comecei a ver imagens, e então, percebi que não estava mais acordada. Eu estava tendo outro daqueles sonhos.
Eu abri meus olhos e vi uma imensa floresta verde ao meu redor. Olhei para mim mesma e notei os cabelos vermelhos presos com uma fita. Eu usava um longo vestido branco com um r***o do lado que ia da minha perna até os pés. Eu possuía um bracelete lindo no pulso esquerdo e minhas unhas eram curtas e sujas. Olhei em volta tentando buscar alguém, e ele novamente apareceu.
- Kaissa. – ele me abraçou tão forte que eu m*l pude respirar. – Achei que tivesse te perdido.
O homem alto que me abraçava parecia chorar. Eu o afastei e o olhei nos olhos.
- O que aconteceu? Eu não lembro de nada. – Hanaã pegou meu rosto com as mãos. Ele tinha um olhar sério e me encarava de forma a me analisar para ver se eu estava bem, ele por fim suspirou e desviou o olhar ao falar.
- Umas fadas apareceram e lhe jogaram um feitiço. Eu não pude fazer nada para impedir, estava voltando de uma caça quando ouvi os seus gritos. Você ficou semanas desacordada até eu conseguir uma forma de te acordar. – dei risada por um momento e o abracei.
- Você é um feiticeiro e tanto, fico feliz por ter dado um jeito. – por um momento eu congelei e meu sorriso desapareceu ao lembrar. – Onde está Celene?
- Ela ao notar a presença de outras criaturas fez o que nós a ensinamos e se escondeu dentro de uma árvore perto daqui, ela está bem. E... Kaissa?
- O que foi?
- Eu acho que consegui um jeito de abrir a f***a. Vamos poder fugir. Mas... você tem certeza de que os mundanos não vão querer nos ferir?
- Eu não sei. - eu meditei um pouco sobre aquilo e realmente nada parecia me dar uma resposta. - Eles não têm poderes, nem dons especiais. Eu espero que possamos nos integrar na sociedade deles e fugir sem deixar rastros para os seres da nossa.
Hanaã abriu um imenso sorriso e me deu um beijo na testa, se afastando.
- Então será feito esta noite.
Mas algo aconteceu logo depois, um clarão cegou meus olhos e...
Me levantei de um susto quando abri meus olhos novamente em meu quarto. Balancei a cabeça algumas vezes para um zumbido chato sair dos meus ouvidos e então, me lembrei da hora. Olhei o relógio e xinguei. Já passavam das 16h.
- Meu Deus! Como eu dormi. Estou atrasada!
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