Não quero isso para minha vida.

2007 Words
    Por um minuto, eu não soube dizer se tê-lo conhecido antes era uma coisa boa ou r**m, mas depois da reunião, presumi que sim. Depois daquele sorriso, 50% do meu nervosismo passou, arrumei as coisas para a minha apresentação e simplesmente falei.     Fui jogando informações, explicando gráficos e ocasionalmente olhava para Joseph, que tomava notas de tudo que eu dizia, quando dei por mim, já havia acabado de falar e me sentei ao lado dele - o único vago, o que achei engraçado pois seria o lugar da Nat, e aguardei até que todos os diretores fizessem a parte deles.     Durante a apresentação das finanças, descobri que na verdade o nome do diretor é Paulo.      Por fim, Joseph agradeceu a presença de todos e fui a primeira a deixar a sala, peguei o elevador de serviços e parei no 13° andar, onde ficava o setor jurídico, e fui direto para minha sala. É pequena e conta apenas com uma mesa e uma cadeira - eu não recebo ninguém, mas sendo braço direito da Nat, eu ajudo a cuidar do setor inteiro.     Eu não deixo praticamente nada em cima da mesa, apenas o meu planer e um porta canetas, sempre tive toque com organização. Tiro o notebook da bolsa e começo a trabalhar.      O restante do dia foi um borrão, não vi mais o vice-presidente e não pensei muito nisso também, eu terei um dia cheio pela frente. Nat me mandou mensagem avisando que trabalharia de casa hoje e confirmou nosso jantar no lugar de sempre. Quando da meu horário, vou para o elevador, e como o destino ama rir da minha cara, Joseph estava lá, porém estava lendo algo em seu celular e não olha para mim, decido fingir não que não vi ele.     Não sei porque, mas subitamente me sinto envergonhada na presença dele.     Saio rapidamente do elevador, dou menos de três passos antes de Joseph chamar meu nome – Catarina – dessa vez.  Olho por cima do ombro com um sorrisinho despretensioso. - Sim? – e levantei as sobrancelhas. - Quer jantar comigo hoje? Ando muito sozinho nessa cidade – ele coloca as mãos no bolso da calça. - Hmm, terei de recusar, eu vou jantar com a Natália, ela me deve uma – sigo para a saída, ele vem atrás de mim. - Natália Borges? A Diretora do jurídico? - A própria. - A sua chefe te deve uma? - Deve ter notado que ela não apareceu para a apresentação de hoje – digo em tom de sarcasmo. - Sim, e não pude deixar de notar sua performance, você leva jeito para falar em público.     Eu quase disse a ele que não, eu não levo jeito para falar em público, e que a presença dele que me tranquilizou, afinal, eu já o havia conhecido, e estava completamente despreparada para falar tudo sozinha. Porém... - Obrigada, bom, vou in... Ele me interrompe: - Boa noite Catarina, tenha um ótimo jantar.     E sai andando sem olhar para trás, fico em choque com sua reação e fico observando por um tempo – eu não esperava que ele me deixasse falando sozinha.     Ele pegando o celular para ligar para alguém. Sigo meu caminho para casa.     O fato dele não ter insistido me fez querer que ele tivesse feito exatamente isso. Okay, eu recusei e okay, talvez tenha me chamado por ser uma pessoa conhecida, e é obvio que ele pode encontrar uma boa companhia em qualquer lugar por aqui, mas mesmo assim...     Chegando em casa, não pude deixar de reparar em como a minha quitinete é perfeita para mim, mesmo sendo pequena, eu amo a minha casa. O prédio em que moro não tem elevador, e por muita sorte, eu consegui um apartamento no primeiro andar, n° 113.     Entro em casa e me jogo no sofá - a sala de estar conta com um sofá de dois lugares cinza e um raque, que comporta uma tv pequena, o cômodo é pequeno, assim como todos os outros, e é separado da cozinha por um balcão. Não tem mesa exatamente por não ter muito espaço, no balcão há um vaso com uma orquídea roxa, que deve ser coisa da minha mãe, aliás... -Mãe? – gritei, só para provocá-la, ela odeia gritos. -Não grita menina! Os vizinhos – dou risada da sua reação, e a voz dela vem do quarto. Me encosto no batente e a observo enquanto arruma sua mala. - Oi mamis - Oi filhota, como foi o trabalho? - Hoje eu praticamente trabalhei no lugar da Natália, ela ficou presa no congestionamento e depois resolveu trabalhar de casa. - Mas deu tudo certo no final? - Sim – sento na beirada da cama. - Esqueci completamente que você ia embora hoje, eu vou jantar com a Natália, mas posso desmarcar... - Nada disso, você sempre tenta arrumar desculpas para não sair de casa, você vai sim - ela para o que está fazendo e olha pra mim - se arruma bem linda. A que horas é seu compromisso? Vou pro aeroporto as 20h, pode pegar carona no meu uber se quiser. Não consigo me segurar e pergunto: - Por que o papai afrouxou as rédeas e decidiu que você pode vir e voltar de avião?     Ele acha mais econômic minha mãe vir de ônibus. - Não seja tão difícil com seu pai, esse é o jeito dele filha, tente entender por que as pessoas são como são – reviro os olhos, sempre apaziguadora - ele já te liberou do compromisso, por que ainda está guardando mágoa? Dou de ombros. Eu simplesmente acho um absurdo que eu seja obrigada a mandar 25% do meu salário para a casa dos meus pais, e ele só me liberou do compromisso essa semana! - Seu pai guardou o dinheiro esse tempo todo em uma poupança para você. Você fica focada em coisas que não fazem o menor sentido e desfoca das coisas mais importantes. Você não sabia cuidar do seu dinheiro, todo mês você recebe, paga suas contas e gasta o restante com roupas e... Livros? – ela olha para mim com ar de dúvida quando diz “livros” como se não soubesse se era r**m ou bom o fato de eu investir em muitos deles.          O real problema para mim é o jeito controlador do meu pai de fazer as coisas, nunca nada está bom! E por que eu não posso comprar roupas? Eu comprei roupas para trabalhar, e não sei se isso é tão errado como meus pais fazem parecer, já que eu comprei com o meu dinheiro. - Nunca passou pela sua cabeça guardar um pouco para possíveis emergências?  - Ela continua, e quero responder “sim mãe, eu penso, mas não me sobrava dinheiro para guardar”, mas prefiro me abster e só escutar. - E tenho certeza de que se eu não tivesse providenciado os móveis, você não os teria, mas veja Catarina, você tem uma casa boa e aconchegante que é só sua, que já é muito mais do que tive na sua idade. Além disso, tem uma reserva de dinheiro, uma garantia para o seu futuro, e mesmo que isso te fizesse achar seu pai chato e controlador, como você já pontuou várias vezes, ele estava fazendo o que acha certo – ela para e respira por um momento – eu sei que ele não é bom com palavras e as vezes é grosseiro, mas esse é o jeito dele, tente entender.     Eu apenas murmuro um “tudo bem mãe” e vou pro chuveiro. Ela não me entende e não importa o que eu diga, a verdade é que ela não sabe se eu teria móveis, nem eu, porque eles sempre tomam a frente de tudo. E é exatamente por isso que não posso voltar para perto deles.     Se em outro estado eles ainda tem esse controle todo sobre minha vida, imagina se eu morasse na mesma cidade.     Esse é o problema da família tradicional brasileira, paternalista e machista. Meu pai só vai achar que sou boa o suficiente quando eu tiver um homem do meu lado, tenho certeza disso.     Entendo que é o jeito que foi criado, mesmo. Mas não quero isso para minha vida. E entendo porque minha mãe não contraria ele, eles se amam muito e se completam.      Meu pai quando se trata de dinheiro, é um mão de vaca da pior espécie. Eu estudava numa faculdade particular, a melhor de direito da minha cidade e em nenhum dia meu pai deixou que eu esquecesse que é ele quem pagava para mim, 5 anos jogando o fato na minha cara, em minha defesa, eles não quiseram esperar que eu passasse na pública. Eu nunca tive controle da minha vida.     Um dia surgiu a oportunidade de estagiar para a Doutora Natália Borges, o estágio era voluntário, que com muita discussão por fim, consegui ir, sob o argumento de que eu precisaria de alguma experiência para ingressar no mercado de trabalho.     Meu pai falava sem parar para eu pedir uma bolsa “pois ninguém trabalha de graça” e eram todos os dias a mesma coisa, mas estagiei por um ano de graça. E esse estágio abriu portas que eu nunca imaginaria, a Dra. foi chamada para trabalhar no setor jurídico da Murphy e me levou junto com ela, primeiro como secretária, seis meses depois fui promovida.     Antes de eu me mudar à São Paulo continuei na minha cidade - e dessa vez remunerada, mas, a distância, para que eu pudesse terminar o quinto ano e ajudar a Nat, revisando papéis do escritório e protocolando petições, já que a mesma teve de sair às pressas do escritório, então trabalhamos através de videoconferência por um ano.     Em dezembro do mesmo ano me mudei para São Paulo e iniciei minha nova vida, eu havia guardado metade da bolsa que eu recebia da Nat para alugar uma quitinete e comprar coisas básicas. Já estou em São Paulo a dois anos, agora como braço direito da Diretora Executiva da Murphy LTDA.     Não lavei o cabelo novamente, e assim que saí do banheiro, minha mãe já havia retirado as coisas dela do quarto e estava na cozinha. Olhei o relógio, sete horas, eu teria uma hora para me arrumar.      Coloquei o baby liss na tomada e fui me maquiar, na pele, passei base, contorno, iluminador, para os olhos fiz um delineado de gatinho para destacar meus olhos.     Tenho olhos verdes escuros, a única coisa que herdei do meu pai.      Resolvi passar um batom vermelho, num tom fechado. Ondulei meu cabelo e coloquei um vestido preto de alcinha midi, ele é tubinho e tem uma f***a atrás, dando um ar mais sensual para aquela roupa simples, coloquei um tênis da Adidas branco.      Passei perfume e creme nas pernas e braços.     Peguei minha bolsa e fui dar uma conferida no visual.     Como sempre, estava faltando alguma coisa: os acessórios.     Coloquei brincos de argolas grandes e grossos, uma choker com vários desenhos do sol e finalizei com uma pulseira de ouro, com desenhos de sol e lua, uma herança de família.      Tudo dourado, sempre uso dourado, mesmo biju, prata não combina com meu tom de ruivo. - Mãe, estou pronta.     Ela me avalia por um momento e abre um sorriso: - Está linda filha, já chamei o Uber.     Ajudo minha mãe a descer as coisas e vamos em silêncio até o restaurante. De mãos dadas.      Odeio brigar com ela, minha mãe é um amor de pessoa, e detesto a ideia de tê-la magoada comigo.     Chegando lá, minha mãe desce para que nos despedíssemos. - Desculpa qualquer coisa mãe, eu amo todos vocês. - E nós amamos você, pra sempre.     Eu sei que ela não entende qual é o problema para mim e está tudo bem, as pessoas são diferentes. Minha avó costuma dizer para mim: "se fossemos todos iguais ainda estaríamos na idade da pedra", e concordo com isso. Estou trilhando um caminho que é só meu, e estou doida para descobrir onde isso vai me levar.
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