Tenebroso
As coisas ainda estão um pouco confusas na minha cabeça e, ao invés de ir para um motel, vou para minha casa. Eu quis ir para o morro do Bagdá conhecer o meu filho. Confesso que isso estava me dando um pouco de frio na barriga. Eu sou pai e não passei por todo aquele processo, sabe, de ver a Giulia com o maior barrigão, nem de ver o bebê se mexendo, nem de ver ele nascer. Sei lá, é tão estranho, parece que eu perdi muita coisa da vida dele, mas ele ainda deve ser tão pequenininho e eu nem sei se ele lembraria de mim se tivesse convivido comigo.
Giulia: Está tudo bem? Parece que você está com a cabeça em outro lugar.
Tenebroso: É que ele é tão pequeno e eu sinto que já perdi tantas coisas da vida dele. Eu ainda nem conheço o meu filho e já estou me culpando pelo tempo que fiquei ausente.
Giulia: Isso foi culpa minha e não se preocupe, ele vai te amar do mesmo jeito. Ele nem vai se lembrar desse tempo que passou. Ele é um bebê que vai te amar muito, muito mesmo. Então pode ficar tranquilo, vamos.
Saímos do carro e parecia que cada passo até a casa dela iria me matar. Parecia que era uma eternidade, de tanto que eu estava nervoso, porque literalmente eu estou indo conhecer a pessoa mais importante da minha vida. Nós entramos na casa e a Penélope me encarou séria. No fundo, ela ainda acha que fui eu que atirei no BN e provavelmente me culpa pela separação dela e do Ferrugem, só que eu não tenho nada a ver com isso.
Penélope: Estou indo. O Benício está lá em cima dormindo. Eu fico feliz que vocês tenham se entendido.
Tenebroso: Calma, eu quero te dizer que não tenho nada a ver com aquele tiro. O que eu queria muito era que você estivesse com o Ferrugem, não porque eu gosto dele, eu odeio o quarteto do m*l, mas porque todo mundo estaria feliz. Eu estaria em paz, curtindo a minha família, e você estaria em paz com ele. E a paz no Rio de Janeiro ia rolar. Eu não sei se vocês ficaram sabendo do que aconteceu na Babilônia. O Sanguinário com certeza vai invadir outras favelas e eu nunca ia querer isso para a minha vida. Você sabe, de consolo, eu e a minha família nos afastamos da facção, estamos vivendo fora do morro e estamos tentando ser felizes longe de toda essa bagunça, só que eu acho que a gente não vai conseguir por muito tempo.
Penélope: Por quê?
Tenebroso: Porque o Sanguinário vai vir atrás de todo mundo. Todo mundo queria imaginar que pode ser o assassino do pai dele e até agora nós não achamos nenhuma pista de quem seja essa pessoa. Todos naquele dia aceitaram um acordo de paz, só que alguém especificamente atirou no BN e ninguém descobriu quem é até hoje. Eu não posso fazer muita coisa relacionada a isso, só que nós vamos ter que nos preparar para uma guerra, porque ele vai vir para cima de vocês também, porque o Ferrugem não está no Brasil.
Penélope: Ele fugiu porque está se sentindo culpado e eu também tenho culpa nessa história.
Tenebroso: Ninguém tem culpa de nada. O BN matou muitas pessoas e muita gente estava com raiva dele, mas eu tenho certeza que isso foi errado. Todas as pessoas ali estavam dispostas a assinar um pacto de paz. Ninguém ia querer causar uma guerra desse nível. Temos que ter certeza de que não foi alguém do lado deles.
Penélope: Os meninos não iriam fazer isso.
Tenebroso: Mas e se foi um vapor, um dos dois que estava com ele? E se alguém atirou no BN, na Maitê e no vapor? E se o cara não conseguiu fugir porque alguém atirou nele depois? Nós temos que entender se foi isso que aconteceu, se realmente foi um dos nossos. Essa história está muito m*l contada. Tem que ser alguém que queria essa guerra.
Penélope: Nós não vamos participar dessa guerra.
Tenebroso: Quem garante que eles não vão vir atrás de vocês?
Penélope: Ninguém garante, mas eu não quero lutar.
Giulia: Vamos falar disso depois, porque o Benício veio acordado conhecer o pai dele - ela falou. Eu me virei na direção dela e confesso que comecei a chorar. Ele é muito parecido comigo quando eu era bebê, até os olhos. Me aproximei dela e peguei ele no colo com cuidado. Encarei ele, que sorriu para mim. Agora, segurei ele devagar.
Tenebroso: Oi, filho. Eu sei que você não me conhece muito bem, mas eu te amo e quero muito fazer parte da sua vida. Me desculpa pela ausência. Eu nunca mais vou me afastar de você. Isso é uma promessa - eu falei, chorando.
Essa guerra trouxe muitas consequências e, se isso continuar, vai ser pior para todo mundo. Nós temos que achar quem matou o BN.
22
Se arrependimento matasse, agora eu com certeza seria um homem morto. Eu não deveria ter pegado aquela arma no chão; eu deveria ter deixado o assassino do BN ser preso, mas eu não pensei no dia porque ele tinha tirado tanto da gente. Por que a vida dele é mais importante do que as nossas? Não é só que a raiva tomou conta de mim naquele dia, e eu não quis entender que quebrar um acordo de paz era uma coisa muito séria. A verdade é que, quando eu coloquei os meus olhos no BN, eu só conseguia pensar na morte dos meus avós e das pessoas que eu amava. Muitas pessoas vão achar que eu fui egoísta, mas a dor que eu estava sentindo era muito maior do que esse acordo de paz. Eu não queria conviver com aquele desgraçado, nem se fosse pago, mas não atirei nele. Só que esconder aquela arma trouxe consequências gigantes, e é por isso que eu mandei fazer um exame para detectar de quem são as digitais. Depois da invasão da Babilônia, eu vi que é preciso descobrir; queima tudo para entregar essa pessoa ao sanguinário. As coisas no Rio de Janeiro precisam voltar ao normal. Eu sei que você está me cobrando por ter escondido essa arma durante tanto tempo, mas ainda assim é melhor do que ver outras pessoas sofrendo.
Ivna: Está tudo bem? Você anda estranho esses dias.
22: Essa guerra está se aproximando da gente; isso me deixa com medo. Já perdemos muitas pessoas.
Ivna: Eu não posso dizer que sinto muito, porque eu nunca gostei do BN. Ele realmente deveria ter sido cobrado, mas não nessa ocasião, não do jeito que ele foi.
22: A pessoa provavelmente estava muito magoada e chateada ou quis causar uma guerra, mas eu acho que nós vamos descobrir quem foi em breve.
Arcanjo: Por quê?
22: No dia em que o BN foi assassinado, eu encontrei uma arma, possivelmente a arma que foi usada para atirar nele. Eu não entreguei porque estava com muita raiva, só que agora eu mandei fazer um exame para verificar de quem é a digital.
Ivna: Você deixou essa guerra acontecer porque estava com raiva.
22: Aquele homem tirou muita coisa da gente; todo mundo aqui sofreu por causa dele. E aí ele toma um tiro nas costas e vira essa guerra toda. Ele não é uma pessoa especial. Eu sei que vocês vão ficar chateados comigo, mas eu queria ter dado aquele tiro nele também. Eu pensei várias vezes na morte do BN, porque ele acabou com a nossa família. Só que não fui eu, e agora eu vou ter que entregar a cabeça da pessoa que atirou, porque senão mais pessoas vão morrer.
Arcanjo: Eu te entendo, porque eu também pensei na morte dele muitas vezes. Só que, desde o momento em que a gente assina um acordo de paz, isso não deveria acontecer. Mas já aconteceu, então agora nós vamos consertar essa burrada.
22: Vamos sim.
Nós ficamos ali conversando durante alguns minutos, e foi quando os fogos começaram, anunciando a invasão.
Arcanjo: Ele está aqui.
22: Mãe, vai para o cofre.
Arcanjo: Não, nós vamos nos render.
22: Eu não vou abrir mão da Rocinha.
Arcanjo: Você vai, pelo menos até a gente descobrir quem atirou no BN. Se a gente lutar, moradores vão morrer, vapores vão morrer. Nós vamos para o PPG e vamos esperar esse exame sair. Assim que a gente tiver o resultado, nós vamos na direção do sanguinário. Tem certeza que quer brigar e arriscar perder as pessoas que você ama? O Cachorrão está em coma, a Gaby está desesperada. Eu não quero passar pela mesma coisa. Vamos nos render e vamos sair daqui sem feridos.
Quando o sanguinário deu aviso que deixaria a gente sair se tivesse rendição, o meu pai aceitou. Nós tiramos as nossas coisas e fomos para o PPG. Por mim, eu teria lutado até a morte, mas o meu pai não quis, porque ele ficou com medo de eu morrer. Eu acabei perdendo a minha casa por negligenciar uma prova do passado.
Sanguinário
Foi com força total para cima da Rocinha, mas a pedido do Terrível e do Canibal, eu disse que aceitaria a rendição deles, desde que eles saíssem do morro. O Canibal não queria brigar com a família da Barbie, e ele está certo. Eu disse que deixaria eles continuarem no morro porque eles não tinham nada a ver com um acordo de paz. Isso quer dizer que a mulher dele vai poder ficar finalmente perto dos pais dela, pelo menos por hora. Quando eu vi o Arcanjo se rendendo, eu tomei um susto; ele não é do tipo que abaixa a cabeça, e eu tenho certeza de que ele voltaria comigo até a morte. Por isso, eu estranhei a rendição dele. Será que ele está se preparando para me atacar depois, ou será que ele viu que não ganharia de qualquer forma? Isso é muito louco para mim. Ele, a mulher e o filho dele saíram levando as coisas junto com os vapores. Eles levaram todas as armas e drogas do morro, e eu não liguei. O 22 me olhou como se estivesse disposto a lutar uma guerra. Então, a decisão veio diretamente do Arcanjo, que não quis me enfrentar. Eu não sei o motivo.
Canibal: Tem alguma coisa errada; eles se renderam de maneira muito fácil. Aconteceu alguma coisa aqui dentro.
Sanguinário: Eu pensei a mesma coisa, mas como eu já tinha proposto a rendição, eu não podia voltar atrás. Eu não sou um sem palavra como eles. Eu não mato ninguém que se rende, só que agora nós vamos para a Penha, e vocês sabem que lá não vai ter rendição e que o p*u vai quebrar firme.
Terrível: O seu pai disse que nunca atacaria a Penha e o Jacaré, e com certeza não foram eles que mataram o seu pai. A Ray tinha uma relação muito boa com ele e com o meu pai. Nós somos da mesma família e não podemos ficar fazendo esse tipo de coisa, mas vamos nos queimar por causa da sua loucura. Eu não vou atacar a Penha.
Sanguinário: Nós precisamos dos maiores morros deles, e a Penha e o Jacaré estão entre eles. A gente não pode ter preferência quando atacar. Eu sei que parece que eu sou maluco, mas se nós pegarmos todos os morros da zona sul e os maiores da zona norte, eles vão ter que dar um jeito de recuperar. Eu só quero fazer pressão neles para que entreguem o assassino; é só isso.
Terrível: Os seus primos vão lutar até a morte; eles não vão recuar e não vão dar mole. Não vai ter uma rendição na Penha e não vai ter uma rendição no Jacaré. Eles vão lutar até o fim, e você vai ter que acabar metendo uma bala na cabeça da Rayssa ou da Madu, e você sabe muito bem que o meu pai gosta muito delas e que o seu pai também gostava. É isso que você quer? Acabar com a nossa família do mesmo jeito que eles acabaram? Eu estou cansado e não vou entrar no morro delas. Se você quiser fazer essa maluquice, não conte comigo.
Sanguinário: Não é um pedido; é uma ordem.
Terrível: Eu não vou seguir as suas ordens. O meu chefe é o Ferrugem, e como você pode ver, ele está de férias. E se você continuar com essa maluquice, eu vou entrar de férias também. Eu não vou atacar a nossa família; família é sagrado. E é por desrespeito à nossa família que nós estamos fazendo isso. Só que se você quiser ir para cima dos nossos, não conte comigo. Eu posso não ter contato com o Rei e com o Raro, não do jeito que eu queria, porque nós estamos em lados opostos, mas daí entra lá para atacar eles, não. Até porque eu nunca tive problema nenhum com a Barreira.
Sanguinário: Eu já disse que não vou matar ninguém. Eu vou pedir para eles se renderem e a gente vai entrar, simples assim. Eu também não quero confusão com a nossa família.
Terrível: Você acha que o pessoal da Penha e o pessoal do Jacaré vão se render? Eu acho que você está muito louco da cabeça. Eu vou para minha casa, e quando você botar sua cabeça no lugar, você me liga.
Sanguinário: Tudo bem, mas nós vamos invadir o Vidigal, a casa da sua namoradinha. Você está disposto?
Terrível: Se um fio de cabelo dela cair no chão, eu mesmo te mato. Até aqui eu concordei com você porque nós somos da mesma família, mas ela é intocável, e você sabe disso. Se quiser manter a boa relação comigo, eu acho muito bom você repensar os morros que você vai atacar.
Sanguinário: Precisamos do Vidigal.
Terrível: Não conte comigo. Se a Hello Kitty se machucar, eu te mato - ele falou, saindo.