Pacto com um anjo

1384 Words
Adivinha só, ninguém estava contratando por causa do Natal, nem mesmo as lojas que precisavam de estoquistas, era como se o universo estivesse contra mim. Eu quase chorei nas escadas de uma loja. Quer dizer, aonde eu tinha chegado? Não existia um santo que pudesse me ajudar? — Hey! —Abel se projetou em minha frente e continuei olhando as ruas e os carros apressados correndo de um lado a outro. — Estou aqui especialmente para te ajudar! — Você não quer me ajudar... — reclamei começando a andar de volta para casa. A noite cairia logo mais. Eu tinha passado o dia na rua, procurando um emprego de meio período ou até como cuidadora de cães, babá, qualquer coisa que fosse. Mas não havia nada. Todos estavam entretidos demais com o feriado e em resolver seus problemas de adulto enquanto eu parecia uma criança chorosa com um anjo maluco a tiracolo. — Quero sim! — Abel insistiu andando ao meu lado. Será que ele não sentia mesmo frio nos pés? — Só aceite as minhas condições, é tudo que eu peço. Suspirei longamente. — O que você ganha em me ajudar? — questionei. — Tipo, eu sei que existem milhões de pessoas com problemas piores que os meus, então, por que está ajudando justamente a mim? — Porque eu quero! — respondeu com simplicidade. — Então, por favor, me ouça! — Estou deprimida, sem amigos, sem emprego, quase sem casa, sem um futuro próspero. Por que você quer que eu vá para casa dos meus pais agora? — choraminguei. — Dê-me um emprego primeiro, eu irei depois. Prometo! Abel espremeu os olhos e me ignorou. — Você está cruzando os dedos. E família em primeiro lugar! Vá ver sua família! Vamos amanhã, ok? — Não! — exclamei voltando para casa. Fazia dois anos que eu não voltava para casa. Todo esse tempo mentindo sobre minha vida para a minha família. Eu não poderia voltar justamente durante o auge do meu fracasso. Meus pais teriam um infarto e a Nívea tentaria consertar os meus defeitos. Quando cheguei no prédio, dei o azar de me esbarrar com a proprietária. Ela sorriu antes de perceber que era eu, então me olhou de cima a baixo e torceu o nariz. Gostava de deixar claro que não gostava de brasileiros, ainda mais se eles fossem ferrados como eu. — Nana, seu aluguel está atrasado! — reclamou me seguindo até o pequeno lance de escadas. — É Natal! Eu também preciso fazer a minha ceia e dar presentes aos meus netos. — Eu sei, Sra. Jackson. Me dê só mais alguns dias! — implorei. — Argh! — revirou os olhos em desprezo. — O que posso fazer? Você tem até a véspera para me pagar. E eu espero que pague já que não vai gastar dinheiro voltando para seu país. Assenti indo até meu apartamento e ignorando a vontade de chorar. Eu costumava ser a única moradora do prédio durante feriados e fins de semana. Geralmente estava com o Samuel, ele e Louise faziam com que eu não me sentisse tão fora de contexto. Eles me fizeram amar Nova York, mas também me fizeram odiá-la. Sra. Jackson se afastou e acabou tropeçando em alguma coisa e batendo a b***a no chão. Abel apareceu ao meu lado sorrindo. — Você fez aquilo? — perguntei fechando a porta. Ele deu de ombros vagando pela casa com as mãos nas costas. — Ela mereceu! Foi muito rude com você. — Pode fazer isso com todas as pessoas que foram rudes comigo só nessa semana? — perguntei já animada. — Tenho uma lista enorme! Abel pensou um pouco sentando no sofá e cruzando as pernas. — Que tal você usar meus poderes para resolver os seus problemas? — sugeriu. — Tipo, voltar para a casa dos seus pais? Bufei chateada. Não aguentava mais aquele assunto. — Esquece, anjo charlatão! — ralhei. O anjo me observou por um momento. Se estivesse lendo meus pensamentos saberia o quanto estava sendo inconveniente em insistir no assunto sobre voltar para o Brasil. Minha vida era toda uma mentira e eu estava temporariamente bem com isso, mas minha terra natal guardava todas as minhas verdades de 24 anos, além das expectativas dos meus pais. — Eu já sei do que você precisa! — ele falou se levantando de súbito. — Finalmente! — dei graças aos céus. — Aceito qualquer tipo de emprego que pague adiantado! Abel torceu o nariz e ignorou o que eu disse. — Você precisa de comida! Andamos o dia inteiro e você só me comprou um cachorro quente fajuta! Rolei os olhos para cima. — Você come muito! Eu não tenho quase dinheiro nenhum, não posso bancar regalias! — Eu farei algo para comermos enquanto você faz as malas! — disse indo à pequena cozinha do apartamento. — Seria bom, mas não há comida... — murmurei envergonhada. — Talvez só um pedaço de pizza de anteontem. — Não se preocupe com isso! — deu-me uma piscada de olhos. Fui para o quarto me sentindo exausta. Apesar daquela presença divina em minha casa, eu não sentia que as coisas poderiam melhorar. Meu celular começou a vibrar anunciando uma ligação do Samuel, meu não ainda tão mencionado ex-namorado. Cretino! Cretino! Cretino! E possivelmente esse adjetivo nem seja o suficiente para defini-lo, mas eu não queria gastar meus neurônios pensando em como caracterizar o desprezo que era a sua existência no mundo. Tentei não pensar tanto nele e fui regar as plantas da sacada. Nem percebi o quanto era ridículo quando peguei um ramo cheio de folhinhas e comecei a arrancar uma por uma para decidir se voltaria ou não para a casa dos meus pais. Não dava para negar que sentia saudades de casa. A única coisa que me impedia de voltar era que não conseguiria continuar mentindo ainda mais quando estava no fundo do poço. Esperava contar a verdade quando tivesse tomado um rumo melhor, decidido o que fazer de verdade. Entretanto, parecia ter chegado ao ponto final. — Eu vou... — tirei uma folha. — Não vou... Eu vou... Até a antepenúltima eu não iria. Faltavam apenas duas e de repente uma caiu sozinha, a que garantiria que eu ficaria em Nova York na p******o das minhas mentiras. — Você vai! — Abel falou arrancando a folha que sobrara. — Problema resolvido. Faça as malas, partiremos amanhã! — Não vale! — retruquei. — Você fez a outra folha cair. Isso é trapaça! — Eu não sou a mãe natureza para fazer isso. — negou na defensiva. — Vamos, Nana! Eu prometo que te darei um emprego logo depois. — Não dá! — admiti cansada, sentando-me na cama. — Não tenho dinheiro para pagar o aluguel, quem dirá para uma passagem de avião para o Brasil! — Isso não é problema! — disse. E num passe de mágica uma passagem se projetou em suas mãos. Meus olhos quase não conseguiram acompanhar o movimento. — Primeira classe, porque você merece um descanso dessa vida difícil! — ofereceu-me o papel. Fiquei boquiaberta ao analisar a passagem para ter certeza de que era real. Muito mais real do que o anjo que a criou. — Não acredito que me deu uma passagem de primeira classe sendo que poderia ter me dado o dinheiro para pagar meu aluguel! — reclamei estarrecida. Abel sorriu um sorriso de mostrar todos os seus dentes perfeitos emoldurados pelos lábios rosados. A pele reluzia sem sofrer com o ressecamento do frio. — Estou te dizendo... — começou. — Aceite as minhas condições e resolverei todos os seus problemas! Ponderei sua proposta. — Eu posso confiar na sua palavra? — Você pode confiar com a sua vida! — respondeu com tamanha seriedade que não pude discordar. — A comida está na mesa! Realmente ele era uma entidade divina com superpoderes, pois a mesa estava repleta de coisas gostosas, e não era como se ele tivesse descido e comprado em algum restaurante, porque era comida brasileira, arroz, feijão, ensopado... Lembravam a comida da minha mãe e só conseguir comer enquanto chorava, porque eu era uma péssima filha e sentia saudades da minha família. E foi assim que decidi voltar para casa. Fazer negócio com um anjo não parecia pior do que continuar vivendo a minha vida.  
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