O ar noturno era morno e perfumado, com uma brisa suave que fazia o tecido do vestido de Kiara ondular discretamente. A fachada iluminada do restaurante cinco estrelas realçava os traços da arquitetura e refletia nas vitrines dos carros estacionados à entrada.
Eles acabavam de sair. Nicolas agradecia formalmente aos anfitriões, enquanto Kiara mantinha o sorriso contido de quem domina os próprios limites e os ultrapassa com elegância.
— Pode ir. Disse, ajeitando a clutch sob o braço. — Vou caminhar um pouco. Preciso... respirar.
Nicolas, parado à frente do carro, fechou a porta que o motorista mantinha aberta. Os olhos estreitaram.
— Não. A recusa veio com a mesma naturalidade com que descartaria um contrato insatisfatório. — Você não vai sair andando sozinha, à noite, vestida desse jeito.
Ela girou lentamente, o queixo levemente erguido.
— “Desse jeito”? Repetiu, com um meio sorriso. — O que exatamente quer dizer com isso, senhor D’Alencar?
Ele inspirou fundo, como quem conta até três para não dizer algo mais duro. Já tinha pedido para ela não chamá-lo assim.
— Quero dizer que esse vestido chama atenção de qualquer homem. E que é perigoso. Não faz sentido você sair sozinha. Não quando...
— Não quando...?
— Quando vivemos no mundo real. Completou, seco. — Onde mulheres como você... viram alvos.
Kiara soltou um riso baixo, curto, irônico.
— Mulheres como eu? Cuidado, Nicolas... está começando a soar como alguém que se importa.
O olhar dele se aprofundou, puxado para um limite que tentava não atravessar.
Ela deu um passo à frente. O vestido balançou junto aos saltos finos.
— Me diga uma coisa. Sussurrou. — Esse vestido que, segundo você, chama a atenção de qualquer homem... chamou a sua?
Houve um segundo de silêncio. Aquela pausa que antecede o irreversível.
Nicolas sustentou o olhar dela, o maxilar tenso. A voz veio mais grave que o habitual, quase rouca:
— Você atrai minha atenção com ou sem vestido. Com top, com moletom... ou usando nada.
A respiração de Kiara vacilou, mas o rosto não cedeu. Ele deu um passo, diminuindo a distância.
— Não é sobre o que você usa, Kiara. Murmurou, o olhar descendo brevemente até a boca dela antes de voltar aos olhos. — É o que você é. Você... me faz perder a concentração.
Ela manteve a postura. Estavam no estacionamento de um restaurante de luxo, com um motorista esperando, talvez alguém observando.
— Isso não muda nada. Disse baixo. — Você ainda é o chefe, eu ainda sou a assistente... com um vestido bonito apenas.
O silêncio entre eles parecia ter peso próprio. Não havia promessas, nem toques. Apenas um flerte contido, encapsulado num olhar e num meio sorriso que durou um segundo a mais do que deveria.
Kiara desviou primeiro.
— Vamos. Um meio sorriso. — Antes que alguém ache que você está me paquerando.
Ele abriu a porta para ela.
— Seria um problema?
Ela entrou sem responder.
Kiara desceu do carro antes que o motorista abrisse a porta. Não esperou por Nicolas nem por palavras, nem por olhares. Os saltos ressoaram firmes no mármore do lobby. Havia algo quase desafiador no passo ereto, altivo, o vestido ondulando como extensão da vontade de não se render ao turbilhão interno.
Nicolas ficou alguns segundos observando. Poderia ter ido atrás. Poderia ter segurado seu braço, dito algo. Mas não o fez. Deixou. Porque permitir, naquele instante, era a forma mais elegante de provocar.
No elevador, ela olhou por cima do ombro, talvez esperando, ainda que inconscientemente, que ele viesse. Mas ele se demorou, ajustando os punhos da camisa com precisão calculada.
As portas se fecharam justo quando ele ergueu os olhos na direção dela.
Tarde demais.
Mas não o suficiente para conter o calor sob a pele.
No reflexo dourado, Kiara não viu apenas uma mulher com alta-costura e maquiagem impecável. Viu alguém perigosamente próxima de cruzar a linha. E tudo por um olhar e uma frase sussurrada: “Você me faz perder a concentração.”
Ela respirou fundo antes de bater à porta. Duas vezes, decidida. O zíper do vestido tinha emperrado. Tentara sozinha, sem sucesso. Bater naquela porta errada ou certa demais não foi decisão racional.
A porta se abriu. Nicolas estava ali, só de calça social, pés descalços, a camisa e a gravata em algum canto invisível. O peito nu exibia músculos definidos, o bronze ainda visível sob a luz suave. O cabelo, mais desalinhado do que ela já vira.
Ela apenas se virou, revelando a curva do pescoço e os ombros expostos.
— O zíper... Murmurou. — Emperrou. Você pode destravar para mim?
Ele ficou imóvel por um instante, depois avançou devagar. Ela sentiu a presença antes do toque. O calor, o silêncio carregado, a tensão elétrica.
Os dedos dele tocaram a mão dela primeiro, afastando-a com delicadeza. Subiram até o pescoço, explorando a pele com lentidão estudada, como quem memoriza cada centímetro.
Kiara fechou os olhos. O ar parecia rarefeito. Ele encontrou o zíper, mas não puxou.
— Está bem preso. Murmurou, a voz baixa, rouca.
— Você consegue? A pergunta saiu mais suave que o pretendido.
— Não sei se devo. Um traço de ironia, mas também algo mais.
Era a linha. E eles estavam no limite.
Quando o zíper cedeu, ela recuou um passo e encostou nele. O corpo dele, o calor da pele, e algo mais... pressionando seu quadril. A respiração dela travou.
A mão dele pousou firme em seu quadril.
— Preciso que fique quieta. Sussurrou ao ouvido.
— Nicolas... A voz falhou. — Por favor... se comporte.
Os dedos dele subiram pela lateral do corpo até o pescoço, como se reivindicassem território.
— Você começou. Disse, rouco, antes de puxar o zíper num só movimento.
O som metálico preencheu o quarto abafado. Kiara segurou o vestido contra o corpo, deu um passo incerto e se afastou.
— Obrigada. Murmurou, saindo sem esperar resposta.
Levava o vestido preso aos braços, o coração acelerado... e a certeza de que, dali em diante, tudo tinha mudado. Mesmo que nenhum dos dois ousasse admitir.