O silêncio daquela casa era traiçoeiro.
A qualquer passo, sentia meu próprio coração pulsando nos ouvidos, como se minha pele soubesse que ele estava por perto. A mansão, apesar de fria e impecável, parecia respirar junto com a tensão que crescia entre nós dois — invisível, densa, quase sufocante.
Depois da conversa da noite passada, eu passei horas rolando na cama, sentindo o eco das palavras de Dom Carlo como um veneno doce.
“Você precisa aprender o que significa poder.”
Mas o que ele ainda não entendia é que eu também tinha meu próprio poder. Talvez não como o dele, cheio de dinheiro, influência ou crueldade… Mas algo mais instintivo, que ele começava a notar e a temer.
Na manhã seguinte, ele apareceu no meu quarto sem bater.
— Vista-se. Vamos sair. — sua voz cortou o ar, seca como sempre.
— Aonde vamos?
— Comprar seu vestido de noiva.
Engoli seco.
Minha mão apertou o lençol, tentando manter a dignidade presa nos dedos. Tudo estava acontecendo rápido demais. Casamento. Vestido. Domínio. Eu estava sendo moldada às pressas para um papel que não escolhi.
— E se eu não quiser usar branco? — soltei, me levantando da cama com o que restava da minha coragem.
Ele arqueou uma sobrancelha, se aproximando.
Parou a menos de um palmo do meu rosto.
— Vai usar o que eu mandar, Eleonora. E vai sorrir.
O modo como ele dizia meu nome…
Era um comando. Um desejo. Uma ameaça.
E, contra toda lógica, meu corpo reagia a isso.
Com calor.
Com raiva.
Com desejo.
Eleonora não respondeu, apenas vestiu-se rapidamente, a mente um turbilhão de pensamentos contraditórios. No caminho para o carro, sentia o olhar implacável de Dom Carlo queimando em suas costas, como se ele pudesse enxergar cada medo escondido, cada resistência.
No trajeto, o silêncio voltou a pesar. Dom Carlo acelerava pelas ruas da cidade com a precisão de quem controla cada segundo — e cada destino. Eleonora tentou pensar em outra coisa, algo para fugir daquele momento sufocante, mas sua mente se perdeu na imagem dele: o rosto sério, o olhar que não cedia, a presença que dominava até o ar.
— Não me olha assim — ela murmurou, quase sem querer.
Ele virou o rosto, um sorriso quase imperceptível tocando seus lábios.
— Assim como? Como se eu já tivesse vencido?
— Exatamente.
Ele deu um leve riso, curto, satisfeito.
— Talvez eu tenha mesmo. Mas, Eleonora, você ainda vai me surpreender.
Aquelas palavras foram como um convite e uma advertência.
Quando chegaram à boutique, o mundo ao redor pareceu perder a cor. Eleonora sentiu-se um pedaço do jogo, uma peça moldada para ser admirada, exibida, possuída. Dom Carlo escolhia os vestidos com a mesma autoridade com que tomava decisões em seu império.
Ela se viu presa entre o desejo de se rebelar e o medo de ceder.
E, naquele instante, uma sombra do passado apareceu — uma mulher que parecia conhecer demais aquele homem, com um olhar que prometia reviravoltas.
O vestido que Dom Carlo escolheu era tão luxuoso quanto ele: imponente, cortado para realçar cada curva, feito para prender olhares — e controlar.
Depois que Dom Carlo escolheu o vestido e Eleonora o vestiu no provador da boutique, ele a levou para um quarto reservado ali mesmo, um espaço luxuoso, silencioso, longe dos olhares curiosos.
O silêncio entre eles naquele quarto era carregado de uma tensão quase palpável. Ele fechou a porta atrás de si e se aproximou, observando cada detalhe dela como se estudasse uma obra-prima.
— Está linda — disse, com a voz baixa, quase um sussurro.
Eleonora sentiu o calor subir, misturando medo e desejo.
Foi quando a campainha do quarto soou, um toque abrupto que quebrou o momento.
— Vai atender? — ele perguntou, a voz seca.
Ela abriu a porta e a surpresa congelou seu corpo…
— Vai atender? — ele perguntou, a voz seca novamente.
Ela assentiu, tremendo.
Ao abrir a porta, a surpresa foi maior do que podia esperar.
Quando Eleonora abriu a porta, a surpresa congelou seu corpo.
Era uma jovem serva, com os olhos arregalados e a respiração ofegante, trazendo uma carta nas mãos trêmulas.
— Senhora, isso chegou para a senhora — disse, estendendo o envelope.
Dom Carlo apareceu atrás dela, os olhos estreitando em curiosidade.
Eleonora pegou o envelope com dedos que tremiam e, sem esperar, rasgou a aba. O papel branco tinha apenas algumas linhas, mas o impacto foi imediato.
“Algo perigoso está se aproximando. Cuidado com o que deseja.”
Ela sentiu o ar faltar, o mundo girar.
Dom Carlo percebeu a mudança em seu rosto e tomou a carta.
— Quem mandou isso? — perguntou, o tom duro.
— Não sei, senhor — respondeu a jovem, já se afastando rapidamente.
Eleonora fechou a porta, seu corpo ainda quente, mas a mente inundada por um medo novo.
— Poder? — murmurou ele, lendo a mensagem.
— Poder tem preço, Dom Carlo.
E naquele momento, o desejo não parecia mais tão simples.
Após a interrupção na boutique, Dom Carlo fechou o envelope com um olhar pesado. Eleonora sentia o peso da mensagem como uma sombra nova entre eles. Sem muitas palavras, ele indicou que era hora de partir.
No caminho para a mansão, o silêncio entre os dois era carregado de pensamentos não ditos. Eleonora olhava pela janela, tentando entender o turbilhão dentro de si — o desejo, o medo, a incerteza.
Ao chegarem, a imensidão da mansão parecia acolher e aprisionar ao mesmo tempo.
Dom Carlo a conduziu até seu quarto, o lugar onde tantas batalhas silenciosas já haviam acontecido entre eles.
— Hoje não — disse ele, trancando a porta atrás de si, — mas logo, Eleonora. Logo.
Ela sentiu o corpo pulsar, um misto de ansiedade e uma vontade quase incontrolável.
Ele se aproximou, a voz baixa e firme:
— Você está começando a me entender. Isso é só o começo do que posso te mostrar.
Quando seus lábios quase se tocaram, o som seco do telefone interrompeu o instante — mais um aviso do mundo lá fora, onde o perigo rondava.
Eleonora afastou-se ligeiramente, respirando fundo.
— Promete que não vai desistir de mim? — perguntou, a voz quase um sussurro.
Dom Carlo segurou seu rosto, olhando-a nos olhos.
— Nunca. Você é minha.
Mas, naquela noite, o que ficou marcado foi a promessa — e o quase que ficou.