Desejo Interrompido

1071 Words
O silêncio daquela casa era traiçoeiro. A qualquer passo, sentia meu próprio coração pulsando nos ouvidos, como se minha pele soubesse que ele estava por perto. A mansão, apesar de fria e impecável, parecia respirar junto com a tensão que crescia entre nós dois — invisível, densa, quase sufocante. Depois da conversa da noite passada, eu passei horas rolando na cama, sentindo o eco das palavras de Dom Carlo como um veneno doce. “Você precisa aprender o que significa poder.” Mas o que ele ainda não entendia é que eu também tinha meu próprio poder. Talvez não como o dele, cheio de dinheiro, influência ou crueldade… Mas algo mais instintivo, que ele começava a notar e a temer. Na manhã seguinte, ele apareceu no meu quarto sem bater. — Vista-se. Vamos sair. — sua voz cortou o ar, seca como sempre. — Aonde vamos? — Comprar seu vestido de noiva. Engoli seco. Minha mão apertou o lençol, tentando manter a dignidade presa nos dedos. Tudo estava acontecendo rápido demais. Casamento. Vestido. Domínio. Eu estava sendo moldada às pressas para um papel que não escolhi. — E se eu não quiser usar branco? — soltei, me levantando da cama com o que restava da minha coragem. Ele arqueou uma sobrancelha, se aproximando. Parou a menos de um palmo do meu rosto. — Vai usar o que eu mandar, Eleonora. E vai sorrir. O modo como ele dizia meu nome… Era um comando. Um desejo. Uma ameaça. E, contra toda lógica, meu corpo reagia a isso. Com calor. Com raiva. Com desejo. Eleonora não respondeu, apenas vestiu-se rapidamente, a mente um turbilhão de pensamentos contraditórios. No caminho para o carro, sentia o olhar implacável de Dom Carlo queimando em suas costas, como se ele pudesse enxergar cada medo escondido, cada resistência. No trajeto, o silêncio voltou a pesar. Dom Carlo acelerava pelas ruas da cidade com a precisão de quem controla cada segundo — e cada destino. Eleonora tentou pensar em outra coisa, algo para fugir daquele momento sufocante, mas sua mente se perdeu na imagem dele: o rosto sério, o olhar que não cedia, a presença que dominava até o ar. — Não me olha assim — ela murmurou, quase sem querer. Ele virou o rosto, um sorriso quase imperceptível tocando seus lábios. — Assim como? Como se eu já tivesse vencido? — Exatamente. Ele deu um leve riso, curto, satisfeito. — Talvez eu tenha mesmo. Mas, Eleonora, você ainda vai me surpreender. Aquelas palavras foram como um convite e uma advertência. Quando chegaram à boutique, o mundo ao redor pareceu perder a cor. Eleonora sentiu-se um pedaço do jogo, uma peça moldada para ser admirada, exibida, possuída. Dom Carlo escolhia os vestidos com a mesma autoridade com que tomava decisões em seu império. Ela se viu presa entre o desejo de se rebelar e o medo de ceder. E, naquele instante, uma sombra do passado apareceu — uma mulher que parecia conhecer demais aquele homem, com um olhar que prometia reviravoltas. O vestido que Dom Carlo escolheu era tão luxuoso quanto ele: imponente, cortado para realçar cada curva, feito para prender olhares — e controlar. Depois que Dom Carlo escolheu o vestido e Eleonora o vestiu no provador da boutique, ele a levou para um quarto reservado ali mesmo, um espaço luxuoso, silencioso, longe dos olhares curiosos. O silêncio entre eles naquele quarto era carregado de uma tensão quase palpável. Ele fechou a porta atrás de si e se aproximou, observando cada detalhe dela como se estudasse uma obra-prima. — Está linda — disse, com a voz baixa, quase um sussurro. Eleonora sentiu o calor subir, misturando medo e desejo. Foi quando a campainha do quarto soou, um toque abrupto que quebrou o momento. — Vai atender? — ele perguntou, a voz seca. Ela abriu a porta e a surpresa congelou seu corpo… — Vai atender? — ele perguntou, a voz seca novamente. Ela assentiu, tremendo. Ao abrir a porta, a surpresa foi maior do que podia esperar. Quando Eleonora abriu a porta, a surpresa congelou seu corpo. Era uma jovem serva, com os olhos arregalados e a respiração ofegante, trazendo uma carta nas mãos trêmulas. — Senhora, isso chegou para a senhora — disse, estendendo o envelope. Dom Carlo apareceu atrás dela, os olhos estreitando em curiosidade. Eleonora pegou o envelope com dedos que tremiam e, sem esperar, rasgou a aba. O papel branco tinha apenas algumas linhas, mas o impacto foi imediato. “Algo perigoso está se aproximando. Cuidado com o que deseja.” Ela sentiu o ar faltar, o mundo girar. Dom Carlo percebeu a mudança em seu rosto e tomou a carta. — Quem mandou isso? — perguntou, o tom duro. — Não sei, senhor — respondeu a jovem, já se afastando rapidamente. Eleonora fechou a porta, seu corpo ainda quente, mas a mente inundada por um medo novo. — Poder? — murmurou ele, lendo a mensagem. — Poder tem preço, Dom Carlo. E naquele momento, o desejo não parecia mais tão simples. Após a interrupção na boutique, Dom Carlo fechou o envelope com um olhar pesado. Eleonora sentia o peso da mensagem como uma sombra nova entre eles. Sem muitas palavras, ele indicou que era hora de partir. No caminho para a mansão, o silêncio entre os dois era carregado de pensamentos não ditos. Eleonora olhava pela janela, tentando entender o turbilhão dentro de si — o desejo, o medo, a incerteza. Ao chegarem, a imensidão da mansão parecia acolher e aprisionar ao mesmo tempo. Dom Carlo a conduziu até seu quarto, o lugar onde tantas batalhas silenciosas já haviam acontecido entre eles. — Hoje não — disse ele, trancando a porta atrás de si, — mas logo, Eleonora. Logo. Ela sentiu o corpo pulsar, um misto de ansiedade e uma vontade quase incontrolável. Ele se aproximou, a voz baixa e firme: — Você está começando a me entender. Isso é só o começo do que posso te mostrar. Quando seus lábios quase se tocaram, o som seco do telefone interrompeu o instante — mais um aviso do mundo lá fora, onde o perigo rondava. Eleonora afastou-se ligeiramente, respirando fundo. — Promete que não vai desistir de mim? — perguntou, a voz quase um sussurro. Dom Carlo segurou seu rosto, olhando-a nos olhos. — Nunca. Você é minha. Mas, naquela noite, o que ficou marcado foi a promessa — e o quase que ficou.
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