O convite para o jantar chega em uma bandeja de prata, carregado por minha mãe como se fosse uma joia rara. A caligrafia é rebuscada, o brasão em relevo.
— Seu pai quer você pronta às oito.
Ela não diz mais nada, mas o tom é claro: hoje não posso inventar desculpas. Hoje, sou a filha perfeita do Don.
O tempo corre entre vestidos espalhados pela cama, bijuterias espalhadas e perfumes importados misturados no ar. Escolho um vestido de seda vinho, justo, longo, com f***a na lateral e um decote sutil, o suficiente para parecer elegante, mas perigosa. Os cabelos soltos, maquiagem leve, apenas um batom escuro realçando o contraste com a pele clara. Não quero chamar atenção, mas não consigo evitar.
Quando desço, meu pai já está à porta, terno impecável, expressão dura, o olhar fiscalizando cada detalhe da minha aparência.
— Não exagere no vinho, Bianca. Não estamos entre amigos hoje — diz, oferecendo o braço.
No carro, o silêncio só é quebrado pelo som grave do motor. Meu pai olha pela janela, distraído, mas seu corpo está tenso.
— Quem vai estar lá? — arrisco perguntar, quase sussurrando.
— Empresários. Parceiros. Gente importante para o futuro da família — responde, mas não me olha. Sei que ele odeia explicar seus negócios, especialmente para mim.
A mansão onde será o jantar é ainda maior que a nossa. Portões de ferro, jardins geométricos, carros de luxo estacionados como troféus. Seguranças em ternos pretos e auriculares estão em todos os cantos. O salão principal parece saído de um filme antigo, com lustres de cristal, tapetes persas e móveis clássicos. O ar cheira a poder e desconfiança.
Ao nosso redor, outros convidados circulam, casais bem vestidos, homens de postura arrogante, mulheres com olhos atentos e sorrisos treinados.
Meu pai me guia pelo salão, cumprimentando aliados, negociando favores disfarçados de gentileza. Me apresenta a duas ou três esposas, todas com nomes e vidas cuidadosamente planejados.
— Sorria, Bianca. E preste atenção em tudo — ele sussurra, antes de me deixar sozinha por alguns minutos.
Fico observando. Meus olhos capturam cada detalhe: o brilho dourado dos talheres, as risadas contidas, os olhares trocados entre homens que nunca relaxam. É fácil distinguir os que nasceram para comandar dos que apenas fingem pertencer a esse universo.
É quando sinto um arrepio na espinha. Uma porta lateral se abre e três homens entram juntos, os passos seguros, quase arrogantes. Todos olham para eles. Sei, de imediato, que não são convidados comuns.
O do meio é alto, cabelos pretos perfeitamente penteados, terno escuro que parece ter sido feito sob medida, o olhar cinzento varrendo o salão com calma predatória. Meu corpo reage antes da razão: um calor inesperado sobe pelo pescoço, os sentidos ficam alertas.
Ele caminha na direção da mesa principal, mas antes de sentar, olha direto para mim. O contato dos nossos olhares dura segundos, mas é o suficiente para o tempo parecer parar. Eu deveria desviar, agir como fui ensinada. Mas não consigo.
Desvio o olhar só quando minha mãe reaparece, puxando minha atenção para um grupo de convidados. O som de conversas em francês e italiano se mistura ao tilintar das taças de cristal. Aceito uma taça de champanhe de um garçom, tentando disfarçar o nervosismo.
Meu pai se aproxima dos recém-chegados, cumprimenta-os com formalidade e uma reverência quase forçada. Os homens trocam frases educadas, mas os sorrisos não chegam aos olhos. Um deles, elegante, parece medir cada palavra antes de responder.
O homem de olhos cinzentos observa tudo com paciência felina. Quando meu pai sinaliza para que eu me aproxime, sinto o estômago apertar.
— Esta é minha filha, Bianca — diz, a voz carregada de orgulho e advertência ao mesmo tempo. O estranho sorri, um sorriso pequeno, apenas com os lábios. Ele estende a mão.
— Salvatore — diz apenas, a voz baixa, grave, um italiano impecável.
— Muito prazer — respondo, tentando esconder a surpresa na voz.
Seus dedos tocam minha mão. O calor é imediato, quase elétrico. Os olhos dele me analisam, como se pudessem enxergar cada segredo escondido sob a pele. Por um instante, o salão inteiro desaparece.
— Você gosta desse tipo de evento, Bianca? — ele pergunta, mantendo o sorriso neutro.
— Gosto de observar — respondo, com um meio sorriso. — Aqui, as pessoas dizem muito mais com os olhos do que com as palavras.
A sobrancelha dele se ergue, como se tivesse entendido mais do que deveria.
— Uma observadora entre lobos — murmura, quase divertido. — Cuidado para não virar ovelha.
Sinto um arrepio na espinha, sem saber se é ameaça ou brincadeira.
Os outros homens, que descubro serem seus irmãos, Lorenzo e Dante conversam entre si, trocando olhares com meu pai, os temas girando em torno de negócios, investimentos, clubes, cassinos. Falam de dinheiro, poder, alianças. Mas há subtextos em cada frase. Um código, uma guerra fria.
Durante o jantar, Salvatore se senta à minha frente. A cada prato servido, a tensão entre nós cresce. Ele faz perguntas triviais, sobre livros, viagens, música, mas o tom é sempre cheio de duplo sentido.
— Gosta de liberdade, Bianca? — pergunta de repente, no meio do prato principal. Paro o garfo no ar, surpresa pela ousadia.
— Acho que todo mundo gosta — respondo, tentando soar indiferente.
— Alguns mais que outros. Alguns a desejam tanto que acabam se tornando prisioneiros dela — ele diz, olhando fundo nos meus olhos.
O tempo parece desacelerar. Por um instante, quase esqueço de onde vim, quase esqueço quem ele é.
Mas logo meu pai intervém, mudando o rumo da conversa para negócios. A atmosfera ao redor da mesa é densa, cada palavra um campo minado.
No fim do jantar, enquanto todos se levantam para uma rodada de uísque, sinto Salvatore se aproximar por trás, tão silencioso quanto uma sombra. Ele para ao meu lado, perto o bastante para sentir o perfume amadeirado dele.
— Não confie em ninguém aqui, Bianca. Nem em mim — sussurra, antes de desaparecer entre as colunas douradas do salão.
Fico ali, imóvel, o coração batendo forte, a mente cheia de perguntas.
Observo meu pai cumprimentando os irmãos Valentini com respeito forçado. Percebo, pela primeira vez, como tudo aqui é uma dança perigosa, onde um passo em falso pode custar vidas.
Meus olhos buscam Salvatore entre a multidão, mas ele já desapareceu. Fico com a sensação de que algo foi arrancado de mim naquela troca de olhares, algo que talvez eu nunca recupere.
Na saída, minha mãe segura meu braço com força, o sorriso falso no rosto.
— Seja sempre educada com os convidados, Bianca — diz, baixinho.
Eu sorrio, mas por dentro só consigo pensar nos olhos cinzentos, no calor daquela mão, e no aviso sussurrado que ecoa em minha cabeça.