7. Bianca

994 Words
O relógio marca quase oito da manhã quando finalmente deixo o quarto. Não dormi, apenas cochilei por alguns minutos, assombrada por pesadelos e pela lembrança constante dos gritos do meu pai. As vozes exaltadas ainda ecoam em meus ouvidos, e um pressentimento sombrio toma conta de mim. Quando piso no corredor, a casa está estranhamente silenciosa. O silêncio é tão profundo que me assusta mais do que o caos da noite anterior. Minha mãe não está em seu quarto, o que é incomum tão cedo pela manhã. Engulo em seco e continuo descendo, meus passos lentos, cuidadosos, como se cada degrau fosse armadilha. Na sala de estar, encontro apenas dois homens armados perto da porta principal. Eles se endireitam ao me ver, cumprimentam com acenos de cabeça, tensos, atentos. Nada parece fora do lugar, exceto pela atmosfera pesada que se instalou na mansão. Caminho lentamente até a cozinha, onde encontro minha mãe sentada à mesa, sozinha. Seu rosto está abatido, olhos vermelhos, e ela segura uma xícara de chá entre as mãos trêmulas. — Onde está meu pai? — pergunto com cautela. Ela levanta o rosto devagar, me olhando como se só agora percebesse minha presença. — Ele saiu cedo, Bianca. Tinha uma reunião urgente, assuntos importantes. Não espere por ele hoje. Sua voz soa tão distante e frágil que m*l a reconheço. — É sobre os Valentini, não é? — arrisco perguntar, sentando-me em frente a ela. Minha mãe hesita, olhos fixos no chá já frio. Quando finalmente fala, a voz é quase um sussurro. — Seu pai cometeu um erro, Bianca. Um erro grave. Ele subestimou o poder dos Valentini. Agora todos nós vamos pagar o preço. Sinto o coração bater mais forte. Minha mãe nunca havia falado comigo dessa forma tão direta antes. Normalmente, ela me protege da realidade, mantendo-me longe da brutalidade dos negócios do meu pai. — O que vai acontecer, mãe? — pergunto, sentindo uma ansiedade fria escorrer pela espinha. Ela me encara longamente, como se estivesse avaliando o quanto deveria dizer. — Não sei, minha filha. Mas os Valentini não perdoam, não têm piedade. Você precisa ficar alerta. Precisa obedecer seu pai agora mais do que nunca. — Eu sempre obedeço — respondo baixo, mesmo sabendo que é mentira. Ela parece perceber isso e apenas assente com um suspiro resignado. Levanto-me da mesa, sem apetite. Decido caminhar um pouco pelos jardins, tentando afastar o peso esmagador que caiu sobre mim desde o jantar. O dia está nublado, frio demais para a época do ano. O céu escuro parece refletir exatamente como me sinto por dentro. Perto das rosas vermelhas, encontro Marcello, tenso, o olhar atento na rua vazia além dos portões altos. — A segurança foi reforçada — ele diz antes mesmo que eu pergunte. — Seu pai não quer correr riscos. — Ele tem medo deles, não é? — digo em voz baixa, quase inaudível. Marcello me encara seriamente, avaliando se deve responder com honestidade. Por fim, apenas diz: — Qualquer homem sensato teria medo dos Valentini, Bianca. Eles não avisam duas vezes. As palavras dele ecoam na minha cabeça enquanto caminho pelo gramado úmido. Meu pai fez algo imperdoável contra uma das famílias mais perigosas que conhecemos, e agora estamos todos presos nas consequências. Meu celular vibra no bolso, assustando-me. Uma mensagem curta e fria aparece na tela: Renato: "Precisamos conversar." Sinto o estômago apertar. Sei o que isso significa, ele já deve saber o que aconteceu, provavelmente ouviu falar da ameaça dos Valentini. Não respondo. Desta vez, Renato não pode ajudar. Ninguém pode. Volto para dentro de casa, frustrada. Meu pai retorna no fim da tarde, mas não diz uma única palavra, passando direto para o escritório e trancando a porta atrás dele. Observo tudo em silêncio, sentindo-me cada vez mais sufocada. À noite, sozinha em meu quarto, observo as luzes da cidade, inquieta. Pela primeira vez na vida, sinto medo verdadeiro. Não o medo do escuro ou das ameaças vagas do meu pai. Medo real, sufocante, do tipo que paralisa e consome. O telefone toca novamente. Renato insiste. Decido atender, mesmo sabendo que não deveria. — Bianca? — Sua voz é aflita, quase desesperada. — Você está bem? — Estou. Por enquanto — respondo baixinho, sentindo o nó se apertar na garganta. — O que seu pai fez foi loucura. Os Valentini não vão perdoar isso, Bianca. Você precisa sair daí agora. — Não posso, Renato. Eles reforçaram tudo aqui. Estou presa. Ouço sua respiração pesada do outro lado da linha, o silêncio angustiado que se segue. — Você acha que vão machucar você? Engulo em seco, hesitante em responder. — Não sei. Talvez não diretamente. Mas os Valentini vão querer mandar um recado ao meu pai. Tenho medo do que pode ser. — Eu posso tentar te buscar... — Não. Não se envolva nisso — digo com firmeza. — Já é perigoso demais para nós dois. Me deixe resolver. Desligo antes que ele insista. Lágrimas quentes escorrem pelo rosto, mas as enxugo rapidamente. Não posso me permitir fraquezas agora. Fico acordada até tarde, observando os seguranças caminharem pelos jardins iluminados por holofotes. O peso da minha família cai sobre mim como nunca antes. Pela primeira vez, penso realmente em fugir. Sair pela porta dos fundos, desaparecer no escuro, tentar escapar deste mundo. Mas a realidade é brutal demais. Não há fuga possível quando você é uma Romano. Quando finalmente consigo dormir, o rosto de Salvatore Valentini surge em minha mente, claro, vivo, cruelmente fascinante. Seus olhos cinzentos me analisam com uma calma perturbadora. Acordo ofegante, percebendo que ele já entrou na minha cabeça, mesmo sem querer. Não sei o que o futuro reserva, mas sei que a presença dele naquele jantar foi mais do que um aviso. Foi uma sentença. Agora é apenas uma questão de tempo até que ele venha cobrar a dívida de meu pai. E eu tenho a estranha sensação de que sou exatamente o que ele pretende levar.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD