O silêncio pesado da madrugada me envolve enquanto observo o céu pela janela do meu escritório. As luzes da cidade começam a desaparecer lentamente, e com elas a possibilidade de voltar atrás. Lorenzo já colocou o plano em andamento. Dante está empolgado demais com a ideia de provocar caos, e Luca... bem, Luca parece sempre à margem de tudo, preocupado demais com festas e mulheres para entender a gravidade do que fazemos.
E eu? Eu estou aqui, em silêncio, com uma sensação sufocante que não consigo afastar.
Nunca quis ser parte da violência. Desde garoto, sempre preferi a parte limpa dos negócios, mas nunca tive a chance de fugir do sangue. Não há como fugir disso quando seu sobrenome é Valentini.
Meu telefone vibra na mesa, rompendo o silêncio. Lorenzo. Atendo sem entusiasmo.
— Está tudo pronto, Salvatore — diz ele, frio como sempre. — Temos homens vigiando a mansão Romano. Eles aguardam apenas seu comando final.
O peso das palavras me atinge como um soco. Meu maxilar fica rígido, os dedos apertam a borda da mesa. Meu irmão espera em silêncio, paciente, mas percebo a impaciência escondida sob a calma.
— Não toque nela até segunda ordem — respondo com firmeza. — Quero todos os detalhes repassados comigo antes que qualquer um aja. Está claro?
Ele demora para responder, provavelmente surpreso pela hesitação.
— Claro. Vou avisar os outros — ele concorda, desligando logo em seguida.
Suspiro profundamente, apoiando a cabeça nas mãos. Não deveria hesitar. Ela é uma Romano. Não deveria sentir culpa, ou sequer preocupação. Bianca Romano não passa de um peão nesse tabuleiro sangrento em que nossas famílias sempre jogaram.
E, ainda assim, é nela que meus pensamentos insistem em retornar.
A forma como ela olhou para mim durante aquele jantar, olhos verdes brilhando com curiosidade e algo mais, talvez um desafio silencioso, faz com que eu não consiga esquecê-la tão facilmente quanto deveria. Não era só a beleza, era a coragem dela que me intrigava. Uma coragem rara em nosso mundo.
— Droga — murmuro baixinho para o escritório vazio.
Levanto, cruzando o escritório até o bar em busca de mais uma dose de uísque. A bebida desce queimando minha garganta, mas não afasta o desconforto que sinto no peito. No fundo, eu já sei o que está acontecendo comigo. E odeio admitir.
Sinto pena dela. Não quero machucá-la, muito menos prendê-la na guerra doentia entre nossas famílias. Mas não há outra alternativa. Se os Romano não pagarem agora, outros inimigos surgirão mais ousados, achando que os Valentini se tornaram fracos.
A porta se abre silenciosamente atrás de mim. Não preciso me virar para saber que é Dante, sempre silencioso, sempre observador.
— Tem certeza disso, irmão? — pergunta calmamente, se aproximando do bar para servir-se também.
— Alguma vez tivemos alternativa, Dante? — respondo, virando-me lentamente para ele.
Ele sorri, levando o copo aos lábios com calma, saboreando a bebida antes de responder:
— Alternativas sempre existem, Salvatore. Você só não gosta das opções.
Permaneço em silêncio por um momento, avaliando-o. Dante é perigoso porque sabe ler as pessoas. Muitas vezes, ele me conhece melhor do que eu gostaria.
— O que quer dizer com isso? — pergunto, seco.
Ele dá de ombros, tranquilo, quase provocador.
— Quero dizer que você está incomodado com essa garota, Bianca Romano. Não precisa ser gênio para perceber.
— E você não está? Ela não tem culpa do que o pai fez. Não deveríamos usar inocentes como moeda de troca.
Ele ri baixo, balançando a cabeça como se estivesse diante de algo engraçado.
— Nenhum de nós é inocente, Salvatore. Você menos ainda. Não finja ser algo que não é. — Dante se aproxima, sério agora, voz mais baixa. — Ela nasceu Romano, assim como nós nascemos Valentini. Não importa se ela puxou ou não o gatilho: Bianca também carrega sangue nas mãos.
Ele me encara firme, então vira as costas e sai sem esperar resposta. Dante sempre teve facilidade em aceitar a violência como um meio válido. Nunca questionou nosso legado.
Volto à janela, o céu já clareando lentamente. Vejo a cidade despertar, alheia ao conflito que vive entre suas ruas e prédios luxuosos. Pessoas comuns vivendo vidas comuns, enquanto eu preparo uma guerra silenciosa, mas devastadora.
Meu telefone vibra novamente, agora com uma mensagem direta:
“Marcello acabou de sair da mansão. A segurança diminuiu. Momento perfeito para agir. Aguardamos ordens.”
Meu coração bate forte contra o peito, cada batida um aviso. Uma parte de mim quer recuar, outra sabe que não posso.
Mas, antes que eu possa decidir, Lorenzo entra no escritório sem bater.
— A hora é agora, Salvatore. Está na hora de dar um recado definitivo. Não hesite mais.
A tensão em sua voz é palpável. Eu me viro lentamente, encarando meu irmão mais novo. Os olhos dele não carregam dúvidas nem hesitação.
— Nenhum Romano pode pensar que somos fracos, irmão — reforça ele, incisivo.
Respiro fundo, aceitando o inevitável.
— Está certo, Lorenzo. Dê a ordem para agirem agora. Bianca deve ser tratada com respeito, mas deixem claro aos Romano que não existe mais negociação. Nós vamos jogar com as nossas próprias regras.
Lorenzo sorri, satisfeito. Não há prazer no sorriso dele, apenas a certeza da vitória iminente.
— Será feito.
Quando ele sai, volto a me sentar. Minha mão treme de leve quando seguro o copo novamente, vazio agora. O peso das minhas escolhas cai sobre mim, esmagador.
A partir desse momento, sei que Bianca Romano será minha responsabilidade pessoal. Não porque escolhi, mas porque a joguei neste inferno, e agora devo protegê-la das consequências mais brutais dessa guerra.
Algo dentro de mim diz que essa garota não será apenas mais um peão nesse jogo. Ela será minha redenção ou minha ruína, mas definitivamente não será esquecida.
Fecho os olhos brevemente, um último pensamento surgindo contra minha vontade:
Perdão, Bianca. Mas eu não podia te salvar do que está por vir.
E, enquanto o amanhecer invade lentamente o escritório, compreendo que, desta vez, eu sou tão prisioneiro quanto ela está prestes a ser.