5. Salvatore

973 Words
A luz fraca do escritório cria sombras pesadas nas paredes revestidas de madeira escura. Sobre a mesa, mapas, fotografias e relatórios se espalham num caos organizado. Meu irmão Lorenzo está em pé, rígido, as mãos apertadas em punhos. Dante, sentado ao canto, fuma lentamente enquanto observa tudo com olhos semicerrados. Luca, o mais jovem, está recostado na parede, despreocupado demais para o meu gosto. Eu, no entanto, estou sentado em silêncio absoluto. Meu olhar fixo nas fotos jogadas à minha frente, imagens borradas, tiradas de longe, homens com rostos encobertos carregando armas, caixas abertas no porto de Nápoles, nossa mercadoria espalhada pelo chão como lixo. — Foram os Romano — anuncia Lorenzo, rompendo o silêncio. Sua voz é fria, cortante como lâmina. — Os malditos cruzaram a linha. Sabotaram quase um milhão em armas. O nome Romano ecoa no escritório como uma sentença. Meu maxilar se contrai, mas permaneço calado. Não gosto dessa guerra, nunca gostei. Mas agora, sangue terá que ser derramado. — Temos certeza? — pergunto, finalmente levantando os olhos. — Não podemos cometer erros nisso. Dante lança um sorriso torto, tragando fundo o cigarro. A fumaça escapa lentamente por seus lábios enquanto ele balança uma foto, mostrando um rosto conhecido. — Marcello estava lá. Aquele filho da p**a nunca sai do lado do Romano. Não preciso de mais provas que isso, irmão. Lorenzo assente, a expressão sombria. — Chega de hesitação, Salvatore. Eles declararam guerra, agora precisam sentir o peso das consequências. Respiro fundo. Meu olhar retorna às fotos, dessa vez focando numa mulher ao fundo, distante. Cabelos castanhos, vestido escuro, figura elegante, quase escondida atrás dos homens armados. Bianca Romano. Não tenho dúvidas. Meu peito se aperta ao lembrar do jantar da noite passada. O rosto dela, a pele clara contrastando com o vermelho profundo do vestido, os olhos verdes me observando com uma inocência que quase me enganou. Quase. — Ela sabia? — pergunto baixo, quase num murmúrio. Dante sorri novamente, divertido. — Bianca Romano? Duvido muito. A princesinha deles nunca está envolvida diretamente. Mas isso importa? — Importa sim. Saber o quanto ela sabe pode mudar o rumo dessa guerra. Não podemos agir por impulso. — Olho para ele com seriedade. — Ela é bonita. Uma pena ser Romano. — Luca finalmente fala, preguiçoso, cruzando os braços. — Cale a boca, Luca — Lorenzo retruca, irritado. — Não estamos aqui para discutir beleza. Estamos aqui para decidir como agir. O silêncio pesa novamente. Lorenzo olha diretamente para mim, expressão séria. — Você precisa tomar uma decisão, Salvatore. Não dá mais para ficar neutro. Suspiro, levantando da cadeira, sentindo o peso do sobrenome que carrego desde o nascimento. A família depende de mim, por mais que eu odeie o sangue que mancha nossas mãos. Caminho lentamente até a janela, observando a vista noturna da cidade, as luzes brilhando distantes, indiferentes ao caos que habita nossas vidas. — Vamos ao jantar hoje — digo por fim, virando para eles. — Não vamos atacar ainda. Quero olhar nos olhos dos Romano antes de qualquer decisão. Eles precisam saber que estamos cientes. Precisam sentir medo primeiro. Lorenzo assente, concordando silenciosamente. Dante sorri mais uma vez, sempre faminto por caos. — Então vamos ao jantar — repete, tragando fundo. — Mostrar que somos homens pacientes antes de sermos cruéis. Luca apenas dá de ombros, entediado, como sempre. […] O jantar foi exatamente como planejado. Cada movimento cuidadosamente calculado. O aperto de mão com Don Romano, a forma como ele desviou o olhar quando o encarei com firmeza, a leve tensão em sua voz. Mas foi Bianca quem me intrigou profundamente. Havia algo nela: fragilidade, rebeldia silenciosa, desejo reprimido por liberdade. Eu podia ler cada detalhe nela como um livro aberto. Naquela noite, ao voltar para casa, senti que algo havia mudado dentro de mim. O rosto dela me perseguiu, misturado com as sombras do passado e os perigos do presente. Horas depois, o telefone tocou. Lorenzo estava do outro lado da linha, voz tensa. — Acabamos de interrogar um homem do porto. Ele confirmou tudo. Foi ordem direta do Don Romano. Estavam tentando enfraquecer nosso poder antes de atacar. Temos a gravação, Salvatore. Meu coração bate forte. — Acha que Bianca está envolvida? — pergunto novamente, minha voz mais dura do que eu pretendia. — Não diretamente. Mas ela pode ser usada a nosso favor. Romano precisa entender o que acontece quando se mexe com um Valentini. Fico em silêncio por alguns instantes, as palavras ecoando na minha mente. Penso na garota com olhos desafiadores, presa numa gaiola dourada, sem ideia do que está por vir. — Sequestro — falo com calma, decidindo de uma vez por todas. — Pegaremos a filha dele. Não a machucaremos, mas Romano precisa saber que podemos chegar em qualquer lugar. Ele vai entender o recado. Sinto o peso da decisão. Não gosto disso. Não gosto da ideia de usá-la como moeda, de cruzar essa linha. Mas não há outro caminho agora. Lorenzo responde com voz firme, satisfeita: — Será feito. Desligo o telefone e sento novamente, exausto, cansado da vida que nunca escolhi. A imagem dela volta à minha mente, tão vívida quanto a realidade. "Não confie em ninguém aqui. Nem em mim", eu disse a ela. Agora, sinto como se estivesse falando comigo mesmo. Encho um copo de uísque, bebendo devagar enquanto olho pela janela, encarando meu reflexo. Sinto-me como um homem dividido: preso entre o monstro que preciso ser e o homem que gostaria de ter sido. Essa guerra vai custar caro e Bianca Romano é o preço que pagaremos para garantir que nossa família sobreviva. — Perdão — murmuro baixinho, para ninguém, mas especialmente para ela. Pois sei que, ao sequestrá-la, estou roubando mais que sua liberdade. Estou roubando sua vida. E talvez, no fundo, eu saiba que também estou condenando a minha.
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