ISABELA
O corredor estava silencioso demais quando parei em frente à sala dele.
Luzes apagadas, janelas deixando entrar aquele fim de tarde dourado… tudo parecia pedir para eu ir embora.
Mas eu bati mesmo assim.
Três batidas.
O som ecoou pelo corredor.
Meu coração também.
— Entre — a voz dele veio abafada de dentro.
Abri a porta devagar.
Arthur estava sentado atrás da mesa, mangas dobradas até o antebraço, óculos apoiados na ponta do nariz. Uma caneta entre os dedos. Uma pilha de provas ao lado.
Mas nada disso chamou mais minha atenção do que a forma como ele me olhou — rápida, contida, quase como se estivesse se proibindo de olhar por mais tempo.
— Senhorita Duarte — ele disse, ajeitando os papéis como se precisasse de algo para ocupar as mãos. — Sente-se. Vamos revisar a matéria.
— Aqui? — perguntei, apontando para a cadeira ao lado da dele.
Ele hesitou.
Foi menos de um segundo, mas eu vi.
— Aí mesmo.
Sentei.
Perto demais.
De propósito.
A mesa era larga, mas o espaço atrás dela não — nossas pernas ficaram próximas o suficiente para dividir calor.
Ele começou a explicar a estrutura da redação, a tese, o erro no meu raciocínio. A voz dele era estável, mas eu percebia pequenos sinais: a respiração mais profunda, o movimento tenso dos ombros, a forma como desviava o olhar da minha boca rápido demais.
Eu me inclinei um pouco mais.
Fingi estar analisando um comentário que ele tinha escrito no papel.
Meu ombro tocou o dele.
Ele congelou.
Por um segundo.
Depois continuou falando como se nada tivesse acontecido.
— …a análise deve ser objetiva, sem envolver experiências pessoais. Isso compromete a argumentação…
— Compromete? — murmurei, sem me afastar.
Ele virou o rosto para mim. Estávamos perto demais. Se eu respirasse mais fundo, tocaria nele.
— Isabela — disse meu nome devagar, como uma advertência. — Você veio aqui para estudar.
As palavras eram frias.
A voz, nem tanto.
— Estou estudando — respondi, inocente de propósito.
Foi aí que minha perna encostou na dele.
Eu não esperava sentir tanto.
O calor.
A tensão.
A maneira como o corpo dele reagiu — mínima, mas real.
Ele parou de falar por meio segundo.
Depois retomou, mas a voz… perdeu a neutralidade.
— Como eu estava dizendo… responsabilidade compartilhada ocorre quando…
A mão dele deslizou para fora da mesa.
Meu peito apertou.
Quando percebi, a ponta de seus dedos tocou minha perna.
Lá embaixo, onde ninguém veria.
Onde ninguém desconfiaria.
Ele tocou tão leve que eu poderia fingir que não era nada.
Mas meu corpo sabia exatamente o que era.
Respirei fundo.
Não me afastei.
Ele continuou explicando para o ar:
— …um conjunto de pequenas decisões cria um ambiente que tolera comportamentos antiéticos…
Os dedos avançaram um pouco mais, pressionando de leve minha coxa.
O toque era lento.
Cauteloso.
Quente demais para ser acidental.
— Professor… — sussurrei.
Ele não me olhou.
Não tinha coragem.
— Concentre-se — disse.
Quase ri.
Era ele quem não conseguia.
Minha respiração ficou curta. Minha pele inteira reagia ao toque discreto, escondido, proibido. A mão dele parecia estudar minha perna como se estivesse analisando um texto importante.
E então—
Três batidas na porta.
Arthur recuou tão rápido que a cadeira dele fez um som seco contra o chão.
— Entre — ele conseguiu dizer.
A porta abriu.
Lucas entrou.
Óbvio.
— Professor! Desculpa incomodar. Eu… ouvi dizer que o senhor ainda estava aqui e… também fiquei com dúvidas no estudo de caso. Posso participar da revisão?
Arthur respirou fundo.
Fechou a expressão como quem coloca armadura.
— Claro. Sente-se ali na frente.
Lucas sorriu, agradecido, e se sentou na cadeira em frente à mesa, exatamente como o professor deveria ter mandado eu me sentar.
Eu continuei ao lado dele.
No lugar errado.
No lugar proibido.
E Arthur não me pediu para mudar.
Ele retomou a explicação como se nada tivesse acontecido:
— Como eu dizia… responsabilidade ética não é apenas sobre ações, mas também sobre omissões…
Mas, enquanto falava, sua mão voltou.
Desceu lentamente pelo lado da mesa.
Até encontrar minha perna de novo.
Dessa vez, não houve choque.
Meu corpo reconheceu o toque como se estivesse esperando por ele.
Lucas abriu o caderno e começou a anotar, completamente alheio ao que acontecia do outro lado da mesa.
Arthur falava com ele.
Mas tocava em mim.
Os dedos pressionaram de leve minha coxa, subindo quase imperceptivelmente. Meu coração batia tão rápido que eu quase podia ouvir.
Eu engoli seco, tentando manter o rosto neutro.
— Isabela — ele chamou, sem me encarar. — Explique ao seu colega o que entendeu até aqui.
Brincadeira.
Crueldade.
Desejo.
— Eu… — comecei, tentando manter a voz estável.
Os dedos dele subiram mais um pouco.
Meu corpo inteiro tremeu.
Continuei:
— …quando muita gente participa de um erro, mesmo um pequeno, todos carregam a responsabilidade.
Lucas assentiu, achando minha explicação ótima.
Se ele soubesse.
Arthur fez um barulho baixo de aprovação, quase imperceptível, enquanto mantinha a mão firme na minha perna.
Fiquei ali, dividida entre o texto, o toque, o risco.
No fim, Lucas fechou o caderno todo feliz:
— Isso salvou minha noite. Obrigado aos dois!
— Disponha — Arthur disse, recolhendo a mão com calma ensaiada.
Lucas saiu.
A porta fechou.
O silêncio que sobrou era pesado.
Quente.
Pior do que antes.
Eu virei o rosto para ele.
— Você é… perigoso — murmurei.
Ele me olhou por um longo segundo.
E disse algo que não ajudava em nada:
— Você não faz ideia.