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1483 Words
Os dias seguintes ao encontro com VM foram envoltos em um silêncio inquietante. A rotina de Bruna parecia retomar um curso comum, pelo menos aos olhos de quem a observava. Mas por dentro, cada pensamento era atravessado por dúvidas, inseguranças e um medo crescente que a sufocava em ondas. Bruna acordava cedo, ajudava Fernanda com as tarefas de casa, tomava café ao lado dos irmãos como se nada tivesse acontecido. Alex falava sobre a reforma no campo de futebol, Gabriel contava que passaria mais tempo estudando. Mas ela apenas ouvia, rindo de vez em quando, escondendo a verdade nos detalhes. Foi numa manhã cinzenta de quinta-feira que Bruna decidiu que não queria mais viver assim. A sensação de estar sendo vigiada não a deixava. Cada passo, cada olhar pelas janelas, cada movimento de moto ao longe fazia seu coração saltar. Sentia como se o mundo observasse seus gestos, e julgasse. Então ela decidiu respirar. Pegou o celular e mandou mensagens para Sophie, Sophia, Juliana e Sabrina, propondo uma tarde tranquila no terraço da casa de Sophie, onde costumavam relaxar e rir de qualquer coisa. Sabrina já estava mais recuperada emocionalmente desde a morte de Reinaldo, o que havia aliviado todos. RR nunca falou diretamente sobre o ocorrido, mas o recado estava dado: ninguém mais tocaria em Sabrina. Quando chegou na casa, Bruna foi recebida com abraços apertados e piadas bobas. Juliana logo apareceu com refrigerante, enquanto Sophia trouxe brigadeiros de panela. Era reconfortante, mesmo que por pouco tempo. — Tá com essa cara aí por quê? — perguntou Sophie, estreitando os olhos. — É o Lorenzo? Bruna riu, desviando. — Não, é só... paranoia mesmo. — Você ainda tá com medo daquele cara? O tal do JH? — Sabrina perguntou, sentando-se ao lado dela. Bruna hesitou. Queria contar tudo. Queria dizer que as ameaças não haviam parado, que ela sonhava todas as noites com o beco, com as mãos do irmão gêmeo de JH, com o sangue nas próprias roupas. Mas não podia. — Eu só queria sentir que tá tudo bem de novo. Mas não sinto. — A gente tá aqui — disse Juliana, segurando a mão dela. — E você é forte pra caramba. Elas ficaram ali por algumas horas. Riram, falaram de moda, de ex-namorados, de tudo o que normalmente ignoravam por causa da tensão. Bruna conseguiu, por alguns instantes, esquecer as mensagens de VM. Mas ao chegar em casa, o celular vibrou: "Você pensou na minha proposta? Posso te dar proteção real. Só preciso do local exato dos documentos do RR." Bruna jogou o celular na cama. Não respondeu. VM era convincente demais, parecia entender as fragilidades dela como ninguém. Mas ao mesmo tempo, algo em sua calma fria a assustava. Era como estar sendo devorada lentamente sem perceber. Naquela noite, Gabriel entrou no quarto. — Vai ter baile no morro, lembra? Todo mundo vai. Até a Sophie falou que vai dançar até o chão. Bora com a gente. Bruna hesitou. — Sei lá, tô sem clima... — Você precisa sair. Não é só a gente que percebe que você anda fugindo do mundo, não. Alex entrou logo atrás. — Vai sim. Vai fazer bem pra cabeça. Duas horas depois, Bruna estava na frente do espelho. Maquiagem impecável, olhos marcados, vestido colado e sandália de salto. No fundo, só queria anestesiar a mente. Lorenzo a buscou de moto e a elogiou discretamente, algo que a fez corar, mesmo com o coração pesado. O morro estava lotado. O baile, animado. A música fazia o chão tremer, os corpos dançavam em ritmo frenético, o ar cheirava a álcool e maconha. Luzes coloridas cruzavam a noite, e todos pareciam esquecer os perigos por algumas horas. Bruna tomou uma dose, depois outra. Logo já estava dançando com Sophie, rindo com Juliana, vendo Sabrina se aproximar de Alex com uma coragem tímida. Ela olhou para Lorenzo, que a observava de longe. Ele sorria, um sorriso calmo, que a lembrava do que poderia ser normal. O som do baile ecoava pelas vielas do morro como um coração pulsando fora do peito. O clima estava tenso, mas ninguém parecia notar, ou talvez todos fingissem não notar. A batida grave do funk fazia o chão vibrar e o ar cheirar a adrenalina. Bruna, cercada de amigos, tentava se distrair. Usava um vestido preto justo, cabelo preso em um coque bagunçado e uma maquiagem leve que não escondia o cansaço dos olhos. Gabriel dançava próximo, rindo com Juliana. Sabrina estava com Alex, mais soltos, como se o peso das últimas semanas tivesse, por um breve momento, diminuído. Até Lorenzo estava lá, sempre atento, o olhar passeando mais sobre Bruna do que sobre a festa. Mas nada parecia acalmar o nó no estômago dela. Desde a última mensagem de VM, que ela não respondeu, Bruna sentia os passos do destino se aproximando. Foi quando tudo mudou. No meio da multidão, uma figura atravessou a neblina do som e da fumaça. JH. Imponente. Os olhos frios varrendo o salão. Usava uma jaqueta bege aberta, Bruna congelou. Ele parecia intacto. Boné preto, corrente prateada, olhar fixo. Andava com confiança, como se já conhecesse cada centímetro daquele território. E estava indo direto para a área onde RR e o braço direito dele, Fabinho, estavam. — Meu Deus... — Bruna sussurrou, o copo escorregando da mão. Lorenzo a viu empalidecer. — O que foi? Ela apontou. — Ali... ele tá aqui. JH. Lorenzo virou-se, procurando, os olhos arregalando ao encontrá-lo. — A gente tem que sair daqui agora. — Não. Se ele for até meu pai, alguma coisa tá errada. Isso não é só ameaça. Isso é invasão. Bruna avançou pela multidão, tentando seguir JH com os olhos. Ele havia desaparecido entre os corredores que levavam para a área restrita. Seu coração batia descompassado. Gabriel se aproximou, confuso. — O que tá acontecendo? — JH tá aqui — Lorenzo disse rapidamente. — Indo falar com o RR. Gabriel arregalou os olhos. Pegou o celular, já ligando para alguém da segurança. Alex percebeu o movimento e os alcançou. — Que merda tá acontecendo? Bruna apontou com a cabeça. Quando Alex viu, empalideceu. — Isso é impossível... RR disse que ele tava sendo caçado, que sumiu. — RR tava errado — disse Lorenzo com a mandíbula tensa. — Ou então sabia e não contou. Bruna quis correr, mas os olhos dela estavam presos em JH. Não de medo, de fúria. Ele caminhava com calma entre os corpos que dançavam, como se estivesse no quintal de casa. Quando chegou à área dos homens de RR, Cezar imediatamente levou a mão à arma. — Vai dar merda — murmurou Alex, que se juntou a eles. Bruna tentou correr na direção do pai, mas Lorenzo a segurou com força. — Não, Bruna. Você não vai. — Eu preciso impedir ele! — Impedir o quê? RR não precisa de você no meio! — Lorenzo estava tenso. Os olhos não deixavam a cena. JH ergueu as mãos. Um gesto de paz? Ou apenas distração? Dois homens armados surgiram logo atrás dele, abrindo espaço no meio da multidão. Um deles sacou uma pistola, e foi aí que tudo desmoronou. — ABAIXA! — gritou alguém. Os primeiros tiros estouraram o som da festa como granadas. Pessoas gritavam, correndo em pânico. Bruna sentiu Lorenzo a empurrar para o chão e se jogou atrás de uma pilastra. — Fica aqui! — ele gritou, correndo para puxar Gabriel. Os primeiros tiros estouraram o som da festa como granadas. Pessoas gritavam, correndo em pânico. Bruna sentiu Lorenzo a empurrar para o chão e se jogou atrás de uma pilastra. Bruna viu RR reagir rápido. O velho bandido era frio, sacou a arma e atingiu um dos homens de JH com precisão. Cezar abateu o outro. Mas JH sumiu no caos. Bruna, trêmula, tentou levantar. Viu Sabrina caída, com o braço ensanguentado. Alex estava ao lado dela, tentando estancar o ferimento. — Me ajuda aqui! — ele gritou. Bruna correu até os dois. — Não é grave — disse Alex ofegante. — De raspão. Lorenzo voltou, suado, olhos em fogo. — Tiram ela daqui. RR tá caçando o desgraçado. JH fugiu. Mas não vai muito longe. Bruna queria correr atrás. Acabar com aquilo. Mas o olhar de Sabrina, assustada e vulnerável, a prendeu. Mais tarde, de volta à casa, RR chegou coberto de sangue, não dele. Jogou a arma sobre a mesa e olhou para os filhos. — Foi um recado — disse, sombrio. — Mas ele não vai tentar de novo. Da próxima vez, quem morre sou eu... ou ele. Bruna fechou os olhos. Sabia que a guerra havia recomeçado. E que, mesmo sem querer, estava no centro dela. Naquela madrugada, ao abrir o celular, uma nova mensagem de VM: "Ele agiu antes da hora. Mas agora você viu com seus próprios olhos. Está pronta pra ouvir minha proposta?" Bruna digitou, respirando fundo: “Diz.”
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