SINOPSE — Coração Indomável
Maria Alexandra Mendonça é feita de planos, planilhas e promessas. Publicitária de trinta e três anos, vive entre prazos e silêncios, escondendo de si mesma a saudade de um amor que nunca chegou. Dona de uma elegância discreta e um humor sarcástico, ela aprendeu a ser forte, mas não deixou de sonhar — mesmo que em segredo.
Octávio Pedro Narvais vive no contrafluxo do mundo. Aos trinta e oito, abandonou uma carreira de sucesso como advogado para abrir uma livraria-café num canto quase esquecido da cidade. Ele escreve cartas que nunca envia, fala pouco e observa muito. Seus olhos carregam uma tristeza antiga, e seu coração, embora calejado, ainda pulsa por algo que ele não sabe nomear.
Quando os caminhos de Maria e Octávio se cruzam num tropeço literal, nenhum dos dois imagina que aquilo que começa como um acaso desajeitado se transformará em algo que desafiará suas certezas mais profundas.
Entre cafés, chuvas inesperadas, cartas deixadas em livros e silêncios que dizem mais do que palavras, Coração Indomável conta a história de dois desconhecidos que se tornam abrigo um no outro. Um romance sobre recomeços, dores não ditas, e o poder de se permitir sentir — mesmo quando o coração jura que já não sabe mais como.
Capítulo 1 — Os Encontros Improváveis Começam Assim
Maria Alexandra Mendonça não acreditava em sinais — até o dia em que perdeu o ônibus e ganhou um destino.
Na manhã em que o caos parecia ter se instalado de vez em sua rotina, Maria corria pela calçada apertando contra o peito uma pasta azul-marinho cheia de documentos. O salto do sapato esquerdo já começava a ceder, o café derramado na manga da camisa branca deixava um rastro acastanhado e a nuvem que se formava sobre a cidade prometia chuva antes do meio-dia. E claro: o ônibus, seu ônibus, partiu bem diante de seus olhos.
— Ótimo — murmurou, com a raiva que só os dias ruins sabem provocar.
Foi aí que ele apareceu.
Octávio Pedro Narvais tinha a pontualidade de um relógio suíço e a teimosia de um velho marinheiro — insistia em tomar o mesmo café toda terça-feira, no mesmo banco da praça, com o mesmo jornal dobrado em quatro. O mundo podia ruir, mas às 8h17 ele estaria lá, com o copo de vidro meio lascado, lendo as notícias e ignorando o tempo.
Exceto naquele dia.
Porque naquele dia, Maria, tentando atravessar a rua correndo, tropeçou — não no salto quebrado, mas no destino — e caiu bem aos pés de Octávio, esparramando papéis, dignidade e um grito abafado.
Ele não riu. Nem estendeu a mão de imediato. Apenas disse:
— Você está bem? Ou só com pressa?
Ela olhou para cima. E sorriu. Porque às vezes, o começo de uma história de amor não parece nada com um conto de fadas. Parece com um tropeço e um desconhecido com um jornal nas mãos.
Capítulo 2 — A mulher que não se deixa cair (exceto quando tropeça no destino)
Maria Alexandra Mendonça acordava todos os dias às 6h12. Nunca às seis, nem às seis e quinze. Seu despertador analógico, herdado da avó materna, tocava com uma suavidade quase absurda — como se tivesse medo de incomodá-la. E, talvez, tivesse mesmo. Maria era o tipo de mulher que impunha respeito até dormindo.
Morava sozinha em um apartamento pequeno no bairro da Lapa, paredes cobertas por livros, mapas antigos e quadros que ela mesma pintava nas madrugadas insones. Os móveis misturavam peças herdadas e outras resgatadas de feiras de antiguidades — como a poltrona amarela, desbotada, que parecia ter vivido mais vidas que muita gente. Nada ali era aleatório, como nada nela também era.
Publicitária de carreira sólida, Maria tinha trinta e três anos e uma reputação de mulher certeira. Era eficiente, criativa e sempre sabia exatamente o que dizer — até que parava de dizer. Porque Maria tinha esse traço peculiar: falava com paixão sobre o mundo, mas calava sobre si mesma.
Carregava uma beleza discreta, que se revelava devagar: no olhar que segurava firme quando desafiada, na maneira como prendia o cabelo com lápis de escrever, ou na risada rouca que escapava quando baixava a guarda. Não gostava de chamar atenção, mas era impossível não notá-la.
Ela aprendeu cedo que o amor podia ser ausente. Seu pai havia partido quando ela tinha oito anos — não em tragédia, mas em covardia. “Um homem que se encolheu diante da própria vida”, sua mãe dizia. Maria, no entanto, nunca reclamou. Apenas cresceu. Cuidou da mãe quando adoeceu, passou noites em claro na faculdade, e jurou para si mesma que nunca dependeria de ninguém.
Amou duas vezes. A primeira, aos vinte e dois, com um jornalista idealista que trocou promessas por reportagens em outros continentes. A segunda, aos vinte e oito, com um arquiteto casado que prometeu se separar — e nunca o fez. Desde então, Maria se vestia de independência, como quem veste uma armadura. Era feliz? Sim. Mas às vezes, no silêncio entre um compromisso e outro, sentia o peito apertar de um jeito que ela não sabia descrever. Como se algo — ou alguém — estivesse por vir.
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Naquela terça-feira específica, Maria saiu de casa com a sensação de que o dia a observava de longe, meio de lado, como quem segura um segredo. Não deu importância. Estava atrasada. E em sua pressa, ignorou o zíper aberto da bolsa, o salto do sapato que começava a soltar e o fato de que havia esquecido de carregar o celular.
A vida, porém, é impiedosa com quem tenta ter controle absoluto. E foi justamente no cruzamento entre a pressa e a calçada molhada que Maria tropeçou — não no salto, não nos papéis, mas na própria certeza de que tinha tudo sob controle.
Caiu. Não de um tombo dramático, mas daqueles que desmontam a pose e expõem a humanidade. E foi ali, de joelhos no chão e cabelos desgrenhados, que ouviu a voz dele.
— Você está bem? Ou só com pressa?
Maria levantou os olhos, esperando impaciência ou sarcasmo. Mas encontrou um rosto tranquilo, com olhos que pareciam guardar oceanos. Um homem com barba por fazer, camisa amassada e um sorriso quase tímido. Não era bonito nos padrões convencionais — era interessante. E isso, para Maria, valia mais.
— As duas coisas, eu acho — respondeu, ainda sentada.
Ele ofereceu a mão. Ela hesitou por um segundo, depois aceitou.
— Octávio — ele disse, simplesmente.
— Maria Alexandra. — Não gostava que encurtassem seu nome. Para ela, nomes tinham peso, história, identidade. E aquele era o dela, por inteiro.
Ela recolheu os papéis, agradeceu, e seguiu apressada — sem olhar para trás. Mas, durante todo o dia, sentiu que alguém havia deixado uma porta aberta dentro dela. Como uma janela que range à noite, sutil, mas impossível de ignorar.
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Naquela noite, sentada na poltrona amarela com uma taça de vinho barato, Maria relia uma carta antiga guardada entre páginas de um livro. Era dela para ninguém. Ou talvez para alguém que ainda não tinha chegado. Escrevia cartas assim desde adolescente. Coisas que não dizia em voz alta. E naquela noite, escreveu:
> “Querido desconhecido,
Hoje tropecei. Não só na rua, mas em algo que parecia destino. Ele tinha nome, voz calma e um olhar que não me apressou. E, pela primeira vez em muito tempo, eu quis parar.”
Dobrou o papel com cuidado e o guardou dentro de um livro de Clarice Lispector. Tinha esse hábito: esconder cartas entre histórias, como quem semeia esperança.
Mal sabia que, semanas depois, aquele mesmo livro seria comprado por um homem que lia as entrelinhas do mundo. E que abriria a carta sem saber que era para ele.
Mas isso ainda era futuro. E Maria, apesar de gostar de controle, estava prestes a descobrir que o amor — o verdadeiro — não respeita cronogramas.