Eu tinha uma vaga suspeita de quem aquele homem poderia ser, mas não podia me dar ao luxo de agir por impulso. Cautela era minha palavra de ordem, mesmo estando desesperada o suficiente para me enfiar em um beco estreito, com cheiro de mofo e perigo impregnado nas paredes. Por mais que minha cabeça estivesse um caos e meu coração disparado, não era motivo suficiente para seguir um completo estranho que dizia me conhecer para dentro de um lugar fechado e sinistro. Precaução acima de tudo. Limites existem por uma razão, certo?
— Antes de qualquer coisa, pode me dizer como sabe o meu nome? — questionei, mantendo a voz firme, embora por dentro eu estivesse um tremor ambulante. — Não é por desconfiar, mas... já desconfiando. Não me sinto confortável acompanhando um homem que aparentemente sabe quem sou, enquanto eu não faço a menor ideia de onde você acha que me conhece.
Nem sei de onde tirei coragem para falar daquele jeito. Talvez da adrenalina. Por dentro, eu estava aos pedaços, um nó no estômago e os dedos formigando de ansiedade. Mesmo assim, mantive meu rosto o mais neutro possível — ou ao menos tentei. Ele não precisava saber que eu estava aterrorizada, com todos os meus instintos gritando para correr. Então, finjamos costume.
O homem sorriu. Mas não era um sorriso qualquer — era aquele tipo que vem com um aviso embutido, um charme perigoso, de quem te atrai para perto só para te deixar em pedaços no dia seguinte.
— Achei que tivesse vindo aqui justamente por saber quem eu sou... e o que faço. Mas parece que me enganei. Não me reconhece? — Ele inclinou a cabeça, fingindo surpresa. — Tudo bem... faz muito tempo, mas ainda assim, você esquecer quem eu sou machuca um pouco.
— Nós já tivemos alguma coisa e você sumiu? Porque acho difícil. Evito sair com homens que têm esse seu sorriso de encrenca. — Cruzei os braços, tentando manter a superioridade. — Depois de umas quedas feias, a gente aprende a se proteger. Então, de onde seria? Porque sinceramente, você não me parece o tipo de pessoa que passa despercebida.
Talvez ele fosse o tipo de cara que vira pauta nas sessões de terapia das minhas amigas. Elas têm uma queda por homens que exalam perigo. E, bem, força física não faltava a ele.
— Errou feio. Eu jamais tocaria em você. Gosto de viver. — Ele soltou uma risada curta, sem humor. — Você realmente não se lembra... Devo ter mudado muito. Naquela época, eu era magro, meio apagado... quieto. Estudamos na mesma escola por um tempo.
Enquanto falava, abriu uma porta de madeira gasta e indicou o interior com um gesto casual.
— Podemos conversar lá dentro. Tenho a leve suspeita de que você veio aqui porque precisa de algo... e desesperadamente. Ariela sempre foi certinha. Imagino que não mudou tanto assim.
— Ah... então você deve ser o Franklin? — Fingi lembrar, embora o nome só tivesse vindo à tona porque uma das minhas amigas havia me falado dele. — Uma amiga me deu seu endereço. Disse que você tinha uma empresa que fazia empréstimos... sem fiador, sem crédito. Isso é verdade?
Talvez, só talvez, minha sorte estivesse mudando. Mesmo sem lembrar dele, ele parecia saber quem eu era — e sendo o dono do negócio, talvez fosse mais fácil conseguir o empréstimo que eu tanto precisava.
— Deixa eu adivinhar... Dara te mandou? — Franklin me lançou um olhar demorado, pensativo. — Me pergunto o que ela tinha em mente ao te enviar aqui...Talvez me quisesse morto, ela tem um jeito bastante peculiar de me torturar.
Ele mexeu no celular, teclando algo rápido, antes de me encarar outra vez, mas havia um sorriso em seus lábios ao olhar para tela do telefone, como se tivesse recebido uma resposta divertida
— De qualquer forma, entre. Vamos conversar no meu escritório. Veremos o que posso fazer por você. Parece que Dara quer muito que eu te ajude.
Assenti com um gesto hesitante e o segui para dentro. O lugar era escuro, abafado, e o cheiro de cigarro e café velho pairava no ar. Eu tentava me convencer que não era tão perigoso assim. Dará tinha me indicado... Nós fomos boas amigas, apesar do tempo distante. Ela não me jogaria numa cilada, certo? Certo?
— Pode se sentar. Vou preparar um café. Enquanto isso, me diga... o que te trouxe até aqui? — Franklin ajeitou a máquina de cápsulas com destreza, como se aquele ritual fosse seu conforto. — Poucas mulheres teriam coragem de entrar nesse lugar e ainda me enfrentar. Sempre achei que você fosse do tipo... sensível? Delicada? Frágil? De toda forma, não é o tipo de lugar que pensei que te encontraria depois de tantos anos.
— A vida muda a gente. — Respirei fundo. — Como você disse, sua aparência e personalidade mudaram, a ponto de não te reconhecer. Comigo não foi diferente. A vida se encarrega disso. Alguns chamam de amadurecimento. Eu prefiro chamar de... adaptação. Sobrevivência. Você me entende, não é? Ou mudamos ou a vida nos engole.
O nascimento inesperado de Cecília, sua doença. Meu pai desaparecido. Tudo isso me havia transformado. Eu não era mais a doce Ariela do ensino médio. Eu era outra pessoa, forjada à base de perda e urgência.
— Sim... você tem razão. A vida nos molda muito mais do que podemos imaginar — Ele me entregou uma xícara quente, o aroma do café quase me traz paz. — Embora algumas transformações sejam bastante surpreendentes.
Mas a calma durou pouco.
— Vamos ao ponto. Você parece bem apressada para sair desse lugar — A voz dele agora era mais fria. — Como sabe, nossa empresa faz empréstimos não exatamente... legais. Se é que me entende.
— Você é um agiota? — Arregalei os olhos, a ficha caindo como um tijolo na minha cabeça. O local, os homens armados, o clima... Como eu não percebi antes? Estava tão agarrada naquela esperança, que não analisei corretamente? Não que tivesse uma escolha mais segura. Não havia outra opção.
— Não gosto do termo. Tem um peso negativo. Mas sim. — Franklin deu de ombros, com orgulho. — Temos nossas regras. Talvez a sociedade não aprove, mas ajudamos quem precisa. Agora, vamos ao que interessa. Quanto você precisa... e para quê?
— Trinta mil. — Minha voz saiu baixa, tensa. — E acho que a razão não importa. Agiotas não se importam com o motivo, apenas com o pagamento, certo?
— Certíssima. Posso te emprestar, mas as regras são minhas. Defino a forma e o prazo do pagamento.
Ele não tinha mais o tom leve de antes. Meu coração disparou. Decidi não mencionar Cecília. Não sabia até onde Franklin podia ir.
— Entendo. Então... qual é sua proposta?
Ele sorriu. Um sorriso que me gelou até os ossos.
— Um pequeno trabalho. Simples.
Arfei, já imaginando o pior.
— Eu não sou prostituta. Nem pretendo ser.
Me levantei, indignada, pronta para sair.
— Calma, calma... não era isso que eu ia propor. — Ele riu. — Mas se quiser, tenho contatos. Você se sairia bem. Só que... alguém me mataria se eu fizesse isso. Melhor deixar pra lá.
Seu tom mudou. Mais sombrio. Eu precisava sair dali. Rápido.
— Qual é sua proposta de verdade? — retruquei, em pé, olhando disfarçadamente para a porta. Se fosse preciso, eu correria.
— Preciso de uma noiva de aluguel para um conhecido. Topa? Se aceitar, sai daqui com o dinheiro em mãos. Sem burocracia. Sem juros. É completamente seguro.
Ele me encarava com intensidade, como se meu destino estivesse em suas mãos — e, de certo modo, estava. Eu só não sabia se estava disposta a pagar o preço tão alto ou talvez, tivesse receio do que eu seria capaz de fazer, afinal, seria capaz de tudo para salvar a minha filha.