Nada acontece, ele não abre os olhos. Meu irmãozinho se foi.
Acho que estou dormindo porque não percebo quando me levam de volta para a sala de espera. Só saio do meu transe quando ouço a voz da mamãe.
— O que aconteceu? Onde está o Kevin?
— Ele... Não consigo terminar a frase porque começo a chorar de novo."
— Helena? — Sua voz cheia de dor.
— Não... — Mamãe dá um passo para trás como se o ar tivesse sido arrancado dela — O que você fez, Helena?
— Foi um acidente, aconteceu tão rápido.
Mamãe vem até mim e me dá um tapa na cara, o que, embora doa, não se compara ao que meu coração e minha alma sofrem.
— Só havia uma coisa que eu tinha que fazer, cuidar do seu irmão. Como você pôde ser tão descuidada? Como você pôde deixar isso acontecer?
— Maia...
— É sua culpa! Ela o matou, levou meu filho! Mamãe fica gritando e me culpando, papai tenta acalmá-la, mas não consegue.
E eu fico ali, olhando, vendo minha família se desintegrar. Naquele dia, meu irmão não foi o único que morreu, e eu fui a culpada.
O casaco caindo sobre meus ombros me afasta da lembrança dolorosa, olho para cima e vejo papai. Seus olhos não brilham desde que meu irmão morreu e minha mãe caiu em depressão.
— Ela não estava falando sério, filha. Ele quebra o silêncio da noite. É a dor que fala por ela.
— Não minta, pai. É tudo culpa minha, ela diz na minha cara o que você e meu irmão dizem, mas pense.
— Ninguém te culpa, Helena.
— Mas é — eu solto um suspiro de resignação. Talvez seja hora de sair daqui, você não precisa de mim.
— Filha…
— Mamãe poderia se recuperar se eu fosse, papai, você não gostaria disso?”
O silêncio dele é minha resposta. Papai ama a mamãe loucamente e é claro que ele a quer de volta, mesmo que isso signifique que eu tenha que sair de casa. Com um sorriso triste no rosto e um aperto no braço, entro em casa e vou direto para o meu quarto.
— Logo deixará de ser, eu me lembro.
Aqui estão todas as minhas memórias de quando eu era criança, tenho memórias de quando eu cuidava do meu irmão, de quando ele vinha dormir comigo porque tinha um pesadelo. Aqui eu tenho tudo e agora tenho que deixar ir.
— Seu amor era como amoxicilina, prometendo tratar as infecções da alma, mas os sintomas ainda permaneciam.
— Helena!
— Você parece cansada, Helena. A voz de Mirella me faz levantar os olhos do balcão. Você estava dormindo?" Ela pergunta preocupada.
— Como posso, eu mudei, e foi uma loucura. Eu explico.
— Eu deveria ter pedido ajuda. Ela cruza os braços para mostrar seu aborrecimento.
— Eu te ajudei, não se preocupe. Eu me abaixo até o final da vitrine e pego algo para ela. Eu tenho algo para você.
— Uma dessas suas sobremesas?
Eu posso jurar que seus olhos brilham com a ideia de comer algo doce. Ela não estava mentindo sobre seu vício.
— Sim, uma versão mais saudável de um bolo de chocolate. Você vai adorar.
— Claro que sim, você fez.
Sorrio com o elogio e entrego o pacote com a sobremesa. Mirella não demora para abrir e começar a provar; ela fica chocada com a primeira mordida, espero pacientemente para ouvir sua opinião, mas ela permanece em silêncio.
— E daí? pergunto quando vejo que ela não vai falar.
— Não consigo falar, morri e fui para o céu. Gemido, mulher, acho que isso tem um gosto melhor do que a receita original. Como você faz?
— Uh, não sei bem o quê. Mouse deveria responder.
— Não se preocupe, vou deixar para lá. Dê outra mordida. Você pode fazer essas coisas para mim?”
— Com prazer.
— Vou te sequestrar e te levar para minha casa para ser minha cozinheira. Como pude viver tanto tempo sem você.
— Agora que te conheci, não te deixo ir, Helena. Ah, estou morrendo… Mirella, por mais louca que eu esteja te conhecendo, ela vai embora enquanto fala.
Só consigo suspirar, dar de ombros e continuar com meu trabalho.
— A hora do café da manhã acabou, mas ainda tenho coisas para fazer: deixar o café pronto, preparações doces e salgadas, caso alguém queira, e continuar fazendo receitas para não aborrecer meus clientes com as mesmas.
— Meu celular toca anunciando uma mensagem de texto, pego e desbloqueio para ver que é uma mensagem do meu irmão, a terceira naquele dia, mas uma dos milhares que ele enviou desde que fui embora. Suspiro e abro, apenas para sentir meu coração encolher dentro do peito.
Carlos: Volta para casa, Helena, por favor.
Pai e eu te amamos, precisamos de você. Fecho o chat e coloco o celular de cabeça para baixo no balcão. Uma única lágrima escorre pelo meu olho esquerdo, uma pequena amostra da dor interna que sinto.
— Quem devo bater, Helena? Uma voz masculina me faz abrir os olhos, é ele. Um ex-namorado?
O quê? Pergunto como uma i****a. “Devo bater no seu ex-namorado por te fazer chorar?
Não consigo imaginar que tipo de homem faria uma mulher tão doce e linda quanto você sofrer.” Eu coro, minhas bochechas competindo com o vermelho do meu cabelo. Desde que nos vimos no primeiro dia, ele desceu algumas vezes para tomar café, mas sempre na companhia de outras pessoas. Olho em volta, ele está sozinho, estamos sozinhos.
— E daí? Ele pergunta novamente, diante do meu silêncio.
— Ele não é um ex-namorado, ele é meu irmão. Coisas de família. Eu respondo, dando de ombros para minimizar o assunto.
— Eu também bato nos meus irmãos, você acabou de dar a ordem e eu serei seus punhos. Levante os braços e bata no ar algumas vezes.
E pela primeira vez em dias, rio. É uma risada limpa, dessas que vêm do fundo da alma e te iluminam completamente. Leonardo sorri como se tivesse ganhado na loteria.
— Você não pode bater no meu irmão. Digo a ele quando me acalmo.
— Eu posso tentar. Ele se aproxima para segurar minha mão que estava no balcão. Você está com cara de abafado há dias, tem alguma coisa errada.
Eu sei que não nos conhecemos, mas sou boa em ouvir, ou assim dizem meus amigos. A mão dele na minha é ótima, melhor do que eu imaginava. Esse homem, que é o CEO dessa empresa e tem mil coisas para fazer, veio falar comigo e descobrir o que me deixa triste. Por quê? Tem alguma coisa especial? Não importa, está bom.
-É complexo, e você é um homem ocupado. -Respondo.
-Não, nada disso, ele protesta.
-Quanto à outra, tenho uma reunião para ir, mas termina às quatro. Tudo bem se tomarmos um drink, o que você diz?”
— Sim, tudo bem, eu só não bebo. — Aceito.
— Mas vamos tomar um suco até a hora de ir embora, Helena.
— Até mais.
Leandro aperta minha mão pela última vez antes de ir em direção aos elevadores. O sorriso bobo no meu rosto some quando meu celular toca, dessa vez é uma mensagem do pai dele. Não abro, mesmo que o momento seja forte, porque se eu abrir, as chances são de que eu chore aqui e isso seria inapropriado.
Volto para minhas tarefas, e aproveitando um momento de inspiração, invento uma nova receita de bolo de cenoura para o Leandro. Vou comprar os ingredientes antes de ir para casa para experimentar, se você me convencer, posso fazer aqui para ele. Embora fosse um segredo, algo que só ele e eu compartilhamos.