CAPÍTULO 2

1653 Words
“Suas palavras eram como um analgésico, me acalmavam, mas não curavam a ferida profunda.” Helena Os gritos desesperados da mãe me tiram do sono, saio da cama com tanta pressa que caio no chão porque meus pés ficaram presos nos cobertores; após me recuperar do golpe, subo correndo as escadas até o quarto dos meus pais, onde acontece uma cena de cortar o coração. — Meu bebê, cadê meu bebê! - O choro da mãe é tão cheio de dor que me atravessa a alma, trazendo lágrimas aos meus olhos - Fernando, nosso bebê. — Eu sei, Maia, eu sei. - Papai a pega nos braços na tentativa de acalmar seus soluços. Enquanto isso, encosto-me na parede oposta à porta e abaixo-me até ficar sentada no chão, quero chegar mais perto, colocar o outro ombro na mãe e ser seu apoio e conforto. No entanto, não posso, não quando sou a culpada pela sua dor. — Se eu tivesse escutado, nada disso teria acontecido... — Traga meu filho para casa, tire-a daqui, ela é má, não merece estar aqui. Tire-a daqui, Fernando, por favor. - Ela continua implorando ao meu pai. — Nossa filha é boa, Maia. Você não sabe o que está dizendo. Coloco a mão na boca para silenciar o soluço que quer escapar de mim. Ela quer me trocar pelo filho que perdeu, ela me odeia o suficiente para pedir minha morte. Em que momento tudo isso aconteceu? Eu sei a resposta para isso, foi há cinco anos; ainda assim, eu esperava que houvesse um lampejo de amor por mim. Acho que eu estava errado. Com o coração batendo incontrolavelmente, eu me levanto do chão e caminho até o quintal, mas esbarro no meu irmão antes de chegar à porta. — Helena... - Ele chama, sua voz cheia de pena. — Não, não diga nada. — Ela não quis dizer isso, tenta justificar. — Carlos, ela quis dizer isso cada palavra, irmão e não importo o que você, papai ou o psicólogo digam, ela nunca vai me perdoar, como ela poderia depois do que eu fiz? Nem eu me perdoei. — Helena... Ignoro seu chamado enquanto passo por ele a caminho do pátio. Uma vez lá fora, deixo o ar frio da noite acariciar minha pele, as lágrimas fluem mais livremente agora que estou sozinha. Com o rosto erguido para o céu, choro pelo dano que causei a esta família, choro pelo irmão que perdi, pela minha mãe que vive na escuridão, pelo meu pai que luta para nos sustentar e pelo meu irmão que finge que nada aconteceu. Costumávamos ter cinco anos, até que uma tragédia nos levou. Apesar de todo esse tempo, a memória continua lenta. — Venham aqui, vermes. Sou Kevin, meu irmão de dez anos na época. — Você vai ter que me pegar, Lena! - Ele grita enquanto corre sem roupas pelo quarto. Cruzo os braços fingindo estar falando sério, mas é o suficiente para ele correr por aí para me fazer rir. Eu o persigo com as roupas nas mãos, mas ele foge feito um louco, se recusando a se vestir. — A mamãe vai ficar brava se te encontrar nu, Kevin. - Eu tento chantageá-lo. — Vista-se antes que ela chegue. Deixe estar, por favor - você tem que fazer tudo o que eu quero, Lena! — Isso não funciona comigo, garoto. - Ponho a língua para fora -Se você se vestir, eu te levo para tomar um sorvete grande. Se você não pode lutar contra seus inimigos, junte-se a eles. — É um acordo, Lena. Ele pega as roupas da minha mão e corre para o quarto para se vestir. Pego minha bolsa, verifico se minha carteira tem dinheiro e espero meu irmão mais novo voltar. Sua chegada foi uma surpresa para mamãe e papai, mas isso não faz com que o amemos menos. Kevin é a luz do nosso dia. — Pronto? - pergunto quando o vejo voltando. — Sim, eu quero um sorvete gigante, Helena. — O que o bebê quiser. — Não me chame de bebê, eu sou um homem! - Ele responde em um tom indignado. — Homens usam roupas, Kevin! — Bem, talvez não. Brincamos o resto do caminho até chegarmos ao parque, nos aproximamos da barraca de sorvete e pedimos um de chocolate e um de baunilha para ele. Sentamos em um banco e não demora muito para que ele esteja com o rosto sujo da substância açucarada. — O que você quer ser quando crescer, irmã mais velha? - Ele pergunta após alguns minutos de silêncio. — Eu quero cozinhar, preparar sobremesas de derreter corações. - Respondo de brincadeira - E você? — Isso seria ótimo. Eu compraria todos para você, é por isso que quero ser milionária, para ter dinheiro para suas sobremesas. — Você certamente vai conseguir. Terminamos de comer o sorvete, limpamos o rosto com os lenços que carrego na minha super bolsa e seguimos para casa. Kevin está pulando alguns passos na minha frente, mas eu o chamo quando nos aproximamos da faixa de pedestres. — Eu vou tomar cuidado, Lena diz em um tom cansado. — Se você cair, a mamãe vai ficar chateada. — Eu não vou cair... A frase fica no ar porque cai bem na beirada da calçada. Corro para pegá-lo, mas quando chego, ele já está se levantando e limpando suas roupas. — Eu disse para você não correr, Kevin! - ele grita, tomado pelo medo do que poderia ter acontecido. — Estou bem, não aconteceu nada. - Ele dá de ombros como se nada fosse, minimizando que quase caiu na estrada. — Você é insensível, e eu estou preocupado com você. Não vou te convidar para tomar sorvete de novo, Kevin. Ele abre a boca para responder, mas tudo acontece rápido demais. Um ciclista perde o controle da bicicleta, me empurrando para a estrada. Estendo a mão com a intenção de agarrar algo, mas não há nada. Para minha surpresa, Kevin puxa meu corpo, mas vira o dele e acaba sendo quem cai na estrada. Grito de terror quando um carro levanta seu corpo, gira no ar algumas vezes antes de cair no chão, o som é tão chocante que estremeço, tenho certeza de que nunca vou esquecer. — Não, não, não. - n**o repetidamente enquanto corro em sua direção - Kevin. Reclamo seu nome sem obter resposta. - Alguém chame uma ambulância!- grito para as pessoas que começam a nos cercar. — Senhorita, não se mova. - diz alguém se aproximando de nós. — Sou médico, vou examiná-la para obter assistência. — Por favor, ele é meu irmãozinho, por favor - imploro, ele sabe o que quero dizer. Ele não dorme. Afasto-me para dar espaço a ele, mas fico perto para verificar se ele não o machucou mais. O estranho começa a verificar seu corpo com movimentos suaves, mas firmes. Quando ele passa as mãos sobre o tronco do meu irmão, ele tosse sangue; o olhar do homem colide com o meu e não há esperança em seus olhos. — Não! Eu grito, como se ele fosse o culpado. Ele vai ficar bem, ele tem que ficar bem. Eu me aproximo novamente e gentilmente seguro o rosto do meu irmãozinho, sorrio quando seus olhos abrem um pouco e se concentram em mim. — Lena, eu sussurro, eu te amo, irmã mais velha. — Eu te amo mais, você está tomada - Tudo vai ficar bem, nós iremos para o hospital e você vai se recuperar - eu prometo. — E você vai me dar sorvete, ele diz. — Vou te dar todo o sorvete do mundo, juro. Os paramédicos chegam, estabilizam você da melhor forma possível e te colocam na maca. Eles me deixam ir com eles e, durante todo o trajeto, continuo implorando ao universo para salvá-lo, para não deixar que nada aconteça com ele em vista das nossas vidas. Assim que chegamos, eles o levam para o pronto-socorro e o conectam às máquinas. Eles me negam a admissão, mas consigo escapar quando eles se confundem. Eles tiram a camisa dele e limpam o peito, que está cheio de caroços que logo vão ganhar um tom roxo. Eles examinam uma das pernas dele, que a essa altura percebo que está em uma posição estranha e quebrada. Coloco a mão na boca para não fazer barulho quando os vejo cortá-la na lateral, na altura das costelas, e inserir um tubo que drena o sangue. Os minutos parecem horas enquanto trabalham nele; se estão participando é porque ele vai se recuperar, certo? E como se fosse uma piada r**m do destino, as máquinas começam a fazer sons que alarmam a equipe médica. Elas correm de um lado para o outro, cercando meu irmão a ponto de eu só conseguir ver uma de suas pernas. Em um momento, um dos médicos sobe em cima dele e começa a reanimá-lo. — Não, por favor, não. — Kevin - como se minha voz fosse trazê-lo de volta, mas não traz. — Hora da morte... — Não! - entro na sala antes de terminar aquelas palavras - “Continue tentando, ele não pode morrer. Não deixe meu irmão morrer.” — Lena - diz alguém atrás de mim. — Ele está vivo! - Fico ao lado da maca e gentilmente seguro sua mão, com medo de machucá-lo. - Abra os olhos, ocupada. Prometo que haverá bastante sorvete para você.- os segundos passam e ele continua ali, inerte na maca - Kevin, por favor. Não me deixe, abra seus lindos olhos para mim. Nada, nem um único movimento. — Senhorita? — Ele é meu irmãozinho! Ele me salvou! - Você tem que deixá-lo ir? Eles não podem me pedir isso, eu não posso perder... — Hora da morte, 4:30 da tarde. — Kevin, por favor - estou me afogando em lágrimas enquanto continuo dizendo o nome dele repetidamente.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD