CAPÍTULO 1

1857 Words
CAROLINA LELIS Eu devo ter jogado pedra na cruz. EU SOU AZARADA. Quero dizer, eu entro em frias com tanta facilidade Pisquei, entrei em uma fria. Anotem aí: Carolina entra mais em fria que o polo norte. Se a culpa é minha? Juro que não! Devia ter ficando em casa. Quando eu penso que estou evitado problema, arranjo um enorme. Ah, merda! Era meu primeiro dia nesse trabalho Não podia esperar chegar no terceiro ou alguns? Devia ser algum sinal do além. Só podia ser isso. Devia ser alguma aparição maluca ou doente que queria se comunicar comigo. Poderia pular a janela, mas seria suicida demais; poderia deixar a torneira brilhosa ligada até inundar todo o lugar, mas não dava! Não podia fazer mais coisas idiotas, já me bastava ter quebrado o trinco da porta. Não era qualquer porta, era a porta luxuosa de madeira. Deus que me livre de pagar prejuízo, nem peguei meu salário, pensei. Tudo que vi no hotel, em meu primeiro dia, incluía luxo.. Carrinho luxuoso. Bandeja luxuosa. Roupas e pessoas luxuosas. Até o vaso era luxuoso! O vaso para cagar. Só faltava o papel higiênico ser de folhas de ouro, embora tivessefolha dupla com um cheiro bom para caramba. Coisas simples no meu dia, mas lá não mostrava ser assim. Muita sofisticação e coisas modernas. Sim, onde tem uma banheira no banheiro, um box dividido, um vaso. Tudo bem feito e com a famosa estética dos ricos. Eu era incapaz de detalhar tudo. Sou imprestável em detalhes pequenos e blá, blá, blá. E o que Carolina Lelis fez dessa vez? Carolina ficou presa. Quanto tempo? Horas. Horas incalculáveis. Como ninguém percebeu meu sumiço? Eu era tão inútil assim? Cheguei a gritar, mas nada. O medo de passar a noite ali crescia a cada momento. Minha irmã sentiria minha falta, eu tinha certeza. Mas, quando? Meu estômago começou a fazer sons estrondosos de fome e logo a irritação predominava. O silêncio mortífero se juntou aos meus pensamentos. Bati mais uma vez com o pé na porta. Nada! Já podia concluir que seria demitida, e por quê? Minha culpa? Não, culpa daquela porta do cão. Da porta que decidiu me fazer de trouxa. Saí de casa feliz, limpei o primeiro quarto ao lado daquele, mas quando chegou nele... p***a! Sentei-me, sabendo que não sairia dali naquele dia. Me ferrei por completo. — Fim de história para você, Carolina! — murmurei para mim mesma. Ultimamente eu vinha tendo tantos impedimentos. Na faculdade, que por falta de dinheiro e pela mesma ter barrado meu retorno, assim, do nada. Sem dizer que eu sempre fui dedicada, sem dizer que envolvia desejo e vontade. Levantei-me novamente e comecei a abrir tudo que podia. Abri o armário e o vi bem arrumado, sinal que me fez notar que alguém estava no lugar. Não podia confirmar, foi tempo de entrar e ir para o banheiro tirar o lixo, só lembrava de estar tudo arrumado. Mas, olhando para aqueles produtos, a escova de dente... Sim, alguém reinava naquele quarto. Se bem que era algum lorde do luxo, para viver tão bem. Olhei para o creme de barbear e o abri, sentindo o cheiro gostoso e masculino. Peguei alguns potinhos com pílulas, calmantes e analgésico, deixando tudo no devido lugar em seguida, e abrindo as duas gavetas abaixo da pia. Nada. Abaixei-me e abri o armário. Ali tudo funcionava tão bem, por que a porta não podia funcionar? Peguei a caixa de primeiros socorros, a inspecionei e não vi nada que me animasse, mas enquanto a revirava, fiquei espantada com o pacote de camisinhas que achei. Peguei e vi o sabor destacado. Morango, ainda. Passei meus olhos pelo pacote e fiquei surpresa. Ah, Carolina, não faça essa cara. Achados surpreendentes da noite. Era, no mínimo, inusitado. Isso não faz parte de uma caixa de primeiros socorros, ou faz? Você está lá e de repente se machuca, ou simplesmente precisa de uma na hora H. Se no caso eu estiver no meio dessa hora H, e o cara disser “pegue a camisinha no kit de primeiros socorros”, acharia muito broxante. Eu ainda faria uma piada de humor obscuro com o cara. E, deduzindo pelo pacote, vi que o dono era bem nomeado. Já vi muito, em particular, mas pouca coisa me impressionava. Não pense em sexo, Carolina. Você está sozinha, presa na merda de um banheiro, caramba! Devolvi tudo ao devido lugar e fui até a porta, batendo forte novamente. Já devia ter me acostumado com o frio. Não que estivesse fazendo, mas eu precisava de algo quente para me cobrir, e algo me dizia que ali não teria nada que me servisse. O uniforme era um vestido de botões na frente, com um belo avental e o cabelo bem amarrado. Camila devia estar preocupada. Perguntei-me se ela já havia ligado para o meu celular. Com certeza, sim. Devia estar achando que eu tinha sido abduzida, ou morta por aquelas bandas. Ela prometeu se cuidar e ficar em casa. Sou meio mandona e autoritária, um pouco porque sempre me viu como exemplo. Camila Lelis é a única família que tenho. Minha menina inocente. Sei muito dela, sei que beijou dois carinhas até agora, que é virgem, que nunca deu uns amassos. Ela me dizia tudo e eu ria. Era ativa, mas não falava disso com ela ainda. Não queria deixá-la com a mente aberta. Ela sabia que eu gostava de sexo, que tinha meus “amigos”, mas não entrávamos em detalhes. A menos que ela visse, então ela contestava. Ela, aos dezenove anos, estava bem, mas por dentro se sentia excluída. Seu jeito calmo era sua marca. Ela mancava de uma perna e isso para mim nunca foi problema. Sempre encontramos saída para tudo. Prontos para ouvir a parte triste? Ela ficou com esse problema aos 12 anos, e junto com os movimentos da perna dela, se foi o meu pai, tudo em um acidente. Depois de sete anos minha mãe partiu, após ter se afundado com a morte do marido. É difícil entender como tudo se complicou, mas eu sei que segurei a mão de minha irmã e caminhei ao lado dela. Nem na frente e nem atrás. Ao lado dela. Cuidando da garota. Com unhas e dentes. Nunca deixei ninguém maltratar minha irmã, e olha que até uma tia nossa já foi maldosa, então, o que esperar dos outros? Não queríamos pena de ninguém. Quando Camila ficava para baixo eu a ajudava a melhorar, sendo a irmã mais velha. Eu fui por ela, eu sou por ela, e ela e por mim. Comecei a trabalhar no hotel para melhorar nossa vida, e daria certo, se não fosse a tal porta. Levantei e agredi a porta de novo e de novo. Dessa vez bati forte na porta, meu pé doía e eu dei um grito. Azarada! É isso que você é! Quem você acha que pode vir tirá-la daqui? O Superman? O Batman? — Quem está aí? — perguntaram e eu congelei. Ai, meu Deus! Voltei a agir e a voz retornou. — Eu estou presa, me tira daqui, por favor! — supliquei, me aproximando da porta e esperando por uma resposta. — Consegue abrir a porta? — questionou uma voz profunda de homem, com um leve sotaque. — Não. — Há quanto tempo está aí? — Muito tempo! Me tira daqui. Suspirei aliviada e ao mesmo tempo angustiada. Com o ouvido na porta, prendi a respiração pesada e passei a escutar duas vozes. “O que você vai fazer?” “Ela está presa. O que você acha?” Depois disso as vozes se afastaram e fiquei ali mais uns minutos, até que a mesma voz se pronunciou. — Vão abrir a porta. Gire a maçaneta quando... — NÃO TEM O TRINCO DA PORTA! — gritei em plenos pulmões. — Quebrou, moço! — Você quebrou a porta? — perguntou o homem que falou comigo antes, mas, dessa vez, firme. — Já vão abrir a porta. Ouvi a voz ficando mais alta, me afastei e só aguardei. Já estava até com vergonha de sair dali. Respirei fundo e quando finalmente vi a porta se abrir, soltei todo o ar que estava preso. Um homem com um macacão cinza entrou e me olhou. Senti um enorme alívio em ver o rosto dele. — A senhorita está bem? — indagou, e por um segundo busquei a outra voz, a firme e com um leve sotaque, mas não a escutei e desviei o foco para o que importava. Saí do banheiro. — Sim, muito obrigada. Estava abalada. Quando saí do quarto vi mais um homem de macacão e uma mulher. Essa “mulher” eu conhecia bem. Ela quem ministrou minhas aulas práticas antes de eu começar no trabalho. Vi seus olhos atentos em mim. — Então era aqui que você estava?! — Ela pegou o carrinho e começou a puxar. — Vamos descer. E assim eu fui. Não escutei a voz do homem, não vi quem era. Apenas segui com a mulher para a parte de baixo do hotel. Ela era alta e estava bem vestida, e só foi dizer algo quando deixou o carrinho e me olhou. — Você está bem? — Sim, eu... eu fiquei presa e não consegui sair. Gritei, mas ninguém me ouvia — disse, desabafando, já tentando aliviar a minha barra para não perder o trampo. — Me desculpe. — Você passou horas lá. De qualquer maneira, agora está tudo bem. Vamos até a cozinha e você toma alguma coisa. Peço para alguém te levar. Parecia tudo tão simples. A mulher me levou até a cozinha, comi um prato de comida e logo estava mais calma. Ninguém me fez perguntas, apenas me perguntaram se eu estava bem. Melhor assim. A única que ficou atenta foi a mulher, que disse que era responsável pelo setor e por quem trabalhava nele. No caso, eu. Ela me analisou, mas logo saiu para conversar com outra pessoa. Era nova ali, não sabia como funcionava, só sabia o que fazer. Eu era funcionária. — Acabou? — perguntou, balancei a cabeça e me levantei. — Peço desculpas a você pelo incidente, mas é muita gente para ministrar. — Não se desculpe, foi um acidente de trabalho. — Tirei o avental e suspirei. — Eu só peço que não me demitam, preciso do emprego. — Creio que não precise disso. Só pedimos que não espalhe por aí o que aconteceu. — Bingo! Agora eu entendi tudo. Eles não queriam que eu fizesse um escândalo. Claro que não faria, sabia ficar quieta. — Bem, tudo resolvido agora? — Com toda certeza! — Agora que resolvemos tudo, troque o uniforme. Tem como ir para casa? — Tenho sim. — A primeira mentira do dia foi essa. Arrumaria um táxi, o que sairia caro para mim, mas não liguei. — Vou me trocar e já estou indo. — Até amanhã. — Até amanhã. Eu não havia perdido o emprego, e isso significava que nem tudo estava perdido. Era só eu voltar no dia seguinte e pronto, continuaria o que eu parei. Simples. Muito simples.
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