Como meu interior já me alertava, ao atravessar o batente da porta, Genaro veio furioso em minha direção.
Seu rosto está vermelho devido à raiva que sente.
_ Onde você esteve, seu moleque? Como se atreve a sair sem me avisar? - pergunta num fôlego só, berrando feito louco.
Meus olhos percorrem a sala e, no canto, bem afastada, está a senhora que mais cedo bateu na porta do quarto em que estou. A mulher está cabisbaixa e com as mãos juntas, mexendo sem parar os dedos. Indícios de uma pessoa nervosa.
_ Fui conhecer a minha fazenda, senhor Gutemberg veio me levar até lá. Pensei que seus funcionários o tivessem avisado. - falo me aproximando do corredor, não queria discutir, tampouco ficar ouvindo os gritos do meu pai.
_Avisaram sim, mas fique ciente de uma coisa: se aquele i*****l engravatado colocar os pés novamente em minhas terras, vai levar um soco no meio da cara! Você entendeu bem! Não quero aquele verme aqui! - diz, olhando para mim cheio de raiva. Sua mãe, aquela c****a, armou tudo direitinho para mim com a ajuda daquele merda do c*****o. Ela sabia do meu interesse nas terras do Amâncio Rufino e me passou uma rasteira, comprou tudo pelas minhas costas. E tudo isso para quê? - diz com escárnio - Para colocar nas mãos de um fedelho que nem saiu das fraldas!
Tento não me irritar com os comentários de baixo calão que ele faz em relação à minha mãe. Analice era linda, uma descendente direta de italianos que teve sua vida arruinada por seu pai ambicioso e seu marido.
_Me fala, Rafaello, quantas mulheres você conseguiu conquistar na Suíça? Uma, duas... - ri com desdém - com certeza nenhuma. Você continua sendo um virgem fracassado que se acha macho o suficiente para contribuir com os planos da sua mãe de querer f***r comigo. Mesmo depois de morta Analice continua me trazendo problemas. - bebe um gole do seu copo de whisky.
Genaro tentava me ferir de todas as formas e acabou conseguindo o que queria: me fazer retrucar suas ofensas.
_ Com quantas trepei não é de sua conta e ,escute bem o que estou falando, serei mais homem que você! Nunca mais abaixarei a cabeça para você outra vez, lhe enfrentarei de igual para igual, será olho por olho e dente por dente, doa a quem doer.- Nem bem pisquei os olhos e o copo que Genaro segurava estourou na parede atrás de mim.
Só escutei o grito da funcionária quando estava sendo erguido pela gola da camisa, fui arremessado de encontro a um aparador, fotos e vasos foram ao chão com a colisão do meu corpo e a madeira.
Cai cortando as palmas de minhas mãos nos cacos e meu braço esquerdo também. Segurei o grito de dor.
Levantei sentindo dor no quadril mas sem demonstrar medo.
_Você não vale nada, é um fraco igual a sua mãe, um merda que se acha inteligente. Quer saber, não dou nem dois anos para aquele advogadozinho porta de cadeia lhe roubar o que deveria ser meu por direito! Está ouvindo, meu! Eu suportei aquela intojada ,frígida por anos!- ele passa as mãos nos cabelos bagunçando os fios - O que aquela miserável pensou quando colocou aquela cláusula naquela porcaria de testamento, hein? Ela achou mesmo que vou deixar você lavorar em minha fazenda? Que facilitaria sua vida? Enganou-se!- diz apontando o dedo em riste em minha direção.
Meu sangue escorria pelos cortes, aquilo ardia demais. Não estava acreditando que meu próprio pai me via como um inimigo ou coisa do tipo.
_ Não entendo essa raiva que sente da minha mãe e de mim, qual a razão disso tudo? Me diz!- berreia a plenos pulmões.
Genaro me olhou por poucos segundos antes de pegar uma garrafa de bebida e tomar o líquido direto do gargalo.
_ Sua mãe foi a pior coisa que aconteceu na minha vida, fui obrigado a toma-lá como minha esposa. Os negócios de nossos pais dependiam muito dessa união, bem mais os do meu pai . O velho era viciado em jogatinas, acabou torrando mais de metade do nosso dinheiro com dívidas de jogos. E viu em mim sua tábua de salvação , me empurrando para casar com Analice.- ele se joga na poltrona - Mas eu não gostava dela, Carmem era por quem estava apaixonado. Tive de optar pelo dinheiro e assim o fiz.- seus olhos não transmitiam verdade. Tinham coisas escondidas, fatos que ele deseja que eu não saiba.
_ Você foi um fraco, não enfrentando seu pai na época em que tudo isso foi arranjado. No entanto covardemente descontou na minha mãe e agora em mim suas frustrações ,não temos culpa. - falo enrolando minha camisa no braço para estancar o sangramento.
Gerardo estava enchendo a cara. Não demonstrou arrependimento em me machucar, sequer fez menção de me ajudar. Olhei para a senhora que acompanhava tudo com os olhos arregalados de medo e espanto.
_ Você nunca mais diga uma p***a dessas para mim! Tá ouvindo, seu fedelho mau criado! Fiz o que fiz, porquê não aguentaria levar uma vida miserável, tendo que trabalhar de sol a sol para ganhar um salário que nem paga os pneus do meu carro! Quer saber- levantou da poltrona cambaleando- estou enjoado de olhar para essa sua cara de múmia, vou dormir.
O homem saiu trôpego, pelo corredor. Só ouvi a porta bater com força. No mesmo instante a senhora veio em meu auxílio.
_ Venha patrãozinho que vou fazer uns corativos nessas feridas. Seu pai a cada dia que passa está mais amargurado.
"Amargurado? Por qual razão? "- pergunto para mim em pensamento.
Segui a mulher até o sofá. Sentei enquanto ela saiu apressada para a cozinha e minutos depois voltou com uma caixa nas mãos.
_A senhora trabalha aqui há quanto tempo? - perguntei !
Ela pegou levemente minha mão e começou a passar um chumaço de algodão embebido em água oxigenada.
_ Faz uns cinco anos.- respondeu atenta ao que fazia.
_ Ele maltratou muito minha mãe? - perguntei fazendo uma careta de dor.
_Eles quase não discutiam, mas parecia que ela era invisível aos olhos dele.- disse aos sussurros de olho no corredor, medo de meu pai ouvir .
_ Conte-me mais, por favor!- pedi.
_ Trabalho na cozinha, quase não venho para essa parte da casa, hoje foi uma excessão, a funcionaria que cuida da limpesa faltou ,então fiquei encarregada de deixar tudo organizado.- ela me olhou nos olhos por alguns segundos- mas se posso dar um conselho para o patrãozinho, vai viver sua vida, esqueça o passado ele não pode ser mudado.
Eu não retruquei, apenas fiquei em silêncio, ouvindo-a. Depois dos curativos feitos fui tomar um banho, que foi demorado por não poder molhar as ataduras, tive que me ensaboar e enxaguar o corpo com cuidado. Lágrimas iam se misturando a água do banho, não entendia como um homem não pode ter afeto por um filho, seu filho.
Como pode chegar ao ponto de feri-lo?
Saí do banho me enxuguei e coloquei uma calça de moletom e uma camisa de algodão.
Sentei na cama me sentindo esgotado, como se minhas energias estivessem sido drenadas.
Então alguém bateu na porta.
_ Entre.
A maçaneta girou e logo que a porta abriu a mesma senhora estava lá de pé com uma bandeja em mãos, seus pequenos pés se movimentaram e ela adentrou no cômodo que foi perfumado por um cheiro delicioso de comida.
_Trouxe seu jantar, sei que o patrãozinho não almoçou e não pode ficar tanto tempo de barriga vazia.
Olhei para ela enquanto depositava a bandeja na cama, dei um leve sorriso em gratidão pela, aparente, preocupação que tinha para comigo.
_ Obrigado!- falei pegando o prato nas mãos.
_É comida simples, mas está bem temperadinha. Sei que o patrãozinho deve estar acostumado a comer essas comidas chiques e cheias de frufru mas....
Interrompi sua fala, a aparência do prato estava boa e eu não queria requinte ou elegância, queria mesmo é saciar meu estômago.
_ Não se preocupe, está delicioso, tenho certeza.
A mulher ficou ali parada, esperando eu levar o garfo à boca. Queria saber realmente se sua comida me agradaria.
Dei a primeira garfada e o sabor explodiu em minha papilas gustativas . Couve, polenta, carne de porco e arroz branco uma mistura de sabores maravilhosos.
Assim que observou meu semblante de contentamento, vi a mulher ficar menos tensa.
_Depois retorno para buscar a bandeja, com sua licença.
Fiquei degustando daquela comida simples mas cheia de sabor, quando terminei, bebi do suco de laranja que veio junto e fui escovar os dentes.
Queria apenas deitar e apagar, coisa que achava bem difícil por conta dos ferimentos.
_ Patrãozinho? Posso entrar?
_ Claro!- disse saindo do banheiro.
_Trouxe um remédio para dor. Vai te ajudar a dormir melhor.- falou me entregando o comprimido e um copo com água.
Sem demoras ,tomei a medicação. Agradeci e a senhora se retirou do quarto, me desejando uma boa noite de sono. Me enfiei por baixo das cobertas e fiquei pensando que embreve retornaria para a Suíça e só voltaria para cá quando fosse no final desse ano, o que não estava longe uma vez que estavamos no mês de outubro, dia treze do ano de dois mil e oito. Terminaria os meus estudos e completaria a maior idade, depois disso, Genaro não iria mais dizer o que devo ou não fazer.
Pensei na fazenda D'angelis e senti medo de não dar conta de gerenciar os negócios, pensei em minha mãe e nas palavras rudes do meu pai. Perguntar quantas bucetas eu já tinha comido.
Foi pensando e remoendo tantas coisas que apaguei, acordei no outro dia com meu pai em pé me olhando.
_ Levante-se ,você embarca hoje para a Suíça.
Levantei cheio de sono e sem entender nada, eu não iria só na proxima semana.
_Mas....mas...- tentei formalizar uma frase , fui cortado bruscamente .
_ Mas nada, enquanto for menor de idade, fará o que eu quero! E eu não quero você aqui! Por isso anda, se vista que meu motorista vai te levar até o aeroporto. Sua passagem foi reservada no dia em que mandei te buscar, está em cima do aparador na sala.
Suspirei derrotado, seria do modo dele até eu poder responder por mim. Teria de acatar suas ordens.
_ Que seja então, mas quanto às coisas da minha mãe? - perguntei.
_ Mandarei colocar no celeiro, são suas como já te disse. Por meu gosto, eu colocava fogo em tudo.- dizendo isso ele virou as costas e saíu.
Eu apenas neguei com a cabeça, peguei uma roupa e fui tomar um banho a viagem seria longa.
Não demorou para eu estar na estrada, uma coisa é certo, quando o meu retorno acontecer vai ser para sempre e, garanto, muitas coisas mudarão.