Fiz exatamente aquilo que minha mãe sempre me disse pra não fazer: Entrei no carro de um desconhecido, motorista do Sanders, e com o menino dele no colo. A segunda parte me fazia sentir mais confortável, afinal, um cara rico como ele não mandaria o próprio filho pra alguma situação de perigo, certo?
Acomodei Oliver na sua cadeirinha e comecei a conversar com o menino loirinho de olhos azuis. Apesar de ter três anos e meio, ele era um pouco mais alto, talvez pelo pai parecer ter o tamanho de um poste de luz.
– Então, Oliver, o que você gosta de fazer? – Perguntei, tentando ser simpática. Oliver sorriu e olhou pra cima, como se estivesse pensando.
– Gosto de pintar com dedo. De brincar com o gato. O kikito. – A voz dele era muito doce e gostosa de ouvir. Oliver sorriu, segurando minha mão no carro enquanto o motorista acelerou com um pouco de pressa. Eu fiquei um pouco assustada, mas o garoto parecia bem confortável com a situação.
– Eu tinha um gato quando era da sua idade. Também gosto de gatos. – Olhei para os pequenos dedos da mão de Oliver e depois olhei para seu rostinho. Meu deus, que saudade que eu estava de cuidar de crianças! Esse é realmente meu dom. Sinto como se tivesse nascido para isso.
Toda vez que tenho uma criança sob meus cuidados, me lembro que não posso engravidar e isso me traz muita tristeza. Eu nasci com muita vontade de ser mãe. Mas... Eu simplesmente não posso. Acho que por isso escolhi a profissão de professora, assim, cuido de outros bebês que não são meus...
– O Kikito é muito legal. – Falou, erguendo o próprio polegar como se quisesse reforçar a frase. – Eu sei contar até dez, olha. Um, dois, três, "cato", cinco, seis, sete, oito, nove, dez!
– Caramba! Na sua idade eu não sabia contar até dez. – Menti. Eu sabia contar até vinte.
Chegamos em uma casa de condomínio fechado bastante luxuosa, e eu não esperava menos. A casa era bastante decorada, dava pra perceber que alguém se esforçou para fazer aquilo parecer um lar. Mas as coisas em perfeita ordem provam que nada era realmente usado por ali. Famílias automatizadas que apenas dormem em suas casas e não realmente vivem em suas casas, entende? Tudo muito limpo, tudo muito no lugar, tudo muito frio. Eu sempre senti pena de crianças de lares assim.
– Certo, vou até a cozinha preparar um lanche pra você. O que quer comer? – Perguntei. Oliver automaticamente tirou o celular da pequena mochila que carregava em suas costas e me entregou.
– Sanduíche de queijo. – Bastante simples. Típico para um garotinho.
Caminhei até a geladeira enorme que havia na cozinha e fiquei surpresa ao abrir. Não havia absolutamente nada. Abri os armários, e apenas alguns doces, chocolates e cereal estavam bem m*l dispostos ali. Como se a casa fosse uma casa decorada, aquelas que visitamos quando queremos comprar uma igual.
– Acho que seu pai esqueceu de fazer compras. – Falei. – Vou pegar seu celular e pedir algumas coisas, tudo bem? – Imediatamente ele desanimou.
– Ah, tá bom. – Oliver saiu andando cabisbaixo até a sala, pegou o controle da TV e se jogou no sofá, colocando em um canal infantil.
Ao invés de comprar o sanduíche de queijo pronto, abri o celular e fiz uma grande compra no mercado. Aquela casa precisava de vida, por Deus. Frutas, legumes, pães frescos, iogurte, leite, macarrão para cozinhar, molho de tomate, ervas frescas, alguns temperos e pronto. Finalizei a compra.
Não demorou nem vinte minutos para tudo chegar embalado em sacolas de papel. Coloquei em cima do grande balcão de granito preto da cozinha, e senti o cheiro do orégano fresco que comprei. Delicioso. Comida de verdade é muito melhor!
– Oliver! Vem me ajudar! – Eu não sabia se ele iria querer, mas não custa tentar. Vi o pequeno entrar na cozinha com os pés descalços, e com o cabelo loiro um pouco bagunçado por estar deitado no sofá.
– Comida de verdade? – Assenti com a cabeça. O sorriso do menino iluminou seu rosto. – Macarrão de verdade igual da mamãe?
– Podemos fazer. E uma salada de alface, tomate e pepinos. – Oliver aplaudiu e correu até a pia, tirando um banquinho de apoio de baixo do armário e subindo nele para lavar suas mãos. Eu lavei as mãos também, enquanto o ajudava.
Acabou que foi um momento agradável entre eu e o menininho, que era bastante educado e solícito. Sentamos no balcão da cozinha e comemos nosso macarrão com molho de tomates e carne moída, temperado com orégano e manjericão frescos, que pedi que fossem trazidos em vasos. Não faria m*l colocar algumas plantinhas naquela casa sem vida.
Acho que o cheiro da carne despertou o tal do gato, que pulou no balcão para ver nós dois comendo. Peguei um pouco do molho de carne e coloquei em um pires, do nosso lado mesmo, e Oliver parecia estar tendo o melhor dia da vida dele.
– A mamãe dava "cane" pro kikito. – Não era difícil de perceber que Oliver tinha um atraso na fala. Talvez por sempre trocar de babá e assistir muita televisão... Ou talvez por algum outro motivo. Ok, fiz uma nota mental para marcar fonoaudiólogo para o Oliver. Isso é um trabalho de babá? Marcar médicos e essas coisas? Eu não faço ideia porque nunca fui babá, mas vou fazer isso.
– Sua mãe foi pro céu faz tempo? – Ele balançou a cabeça de forma positiva enquanto sugava um fio imenso de macarrão que sujou toda a boca de molho.
– Muito bom. – Ele ergueu o pequeno polegar novamente, em sinal de aprovação. Acho que era costume fazer isso. Duas vezes em talvez duas horas, é, temos um padrão. Um garotinho com manias fofas... E ele não é terrível como pareceu.
Depois do almoço divertido, limpei o menino que ficou completamente sujo de macarrão e depois ele me ajudou secando a louça enquanto eu lavava. Conversamos sobre desenhos e coisas aleatórias, ele me contou que gostava muito do homem aranha e que seu aniversário de 4 anos teria esse tema pois Sanders prometeu. Depois, fui conhecer a casa e Oliver me levou até o quarto dele, segurando minha mão. Sentamos no chão, brincamos com alguns bonecos dele e quando ele já estava enjoado, montamos uma pista de carrinho. Eu estava com um pouco de dificuldade de montar, e Oliver estava pulando ansiosamente ao meu lado com dois carrinhos na mão. Quando finalmente ficou pronto, ligamos a coisa e algumas luzes começaram a piscar. Oliver vibrava. Juntos, colocamos alguns carrinhos para correr e eu torci para o azul, enquanto ele torcia para o vermelho. O azul acabou ganhando, mas Oliver nem ligou, ficou feliz de qualquer forma.
– Olá, filho. Senhorita Hills. – Caramba, que susto! Meu coração quase saiu pela boca ao ouvir a voz grossa de Dimitri Sanders. Eu não sabia muito bem os horários do homem, então não sabia o que esperar.
– Oi, senhor Sanders. – Eu sorri, tentando acalmar meu coração. Não era pela presença dele, e sim pelo susto... Não é? Ah, meu Deus...
Oliver se levantou e foi correndo até os braços do pai. Ele se abaixou e pegou o menino, o abraçando e se levantando com ele no colo. Deu um beijo no rosto do garotinho e olhou para o quarto bagunçado.
– Parece que você se divertiu bastante hoje, pela bagunça do seu quarto. – Achei que Sanders estava bravo, mas no fim, vi o homem sorrindo.
– Sim, e comi macarrão que a Wendy preparou. – Eu vi o rosto de Sanders se iluminar.
– Então, pelo visto, você gostou da nova babá? – Eu estava sentada no chão com um carrinho azul na mão. Olhei para Oliver esperando a resposta, que veio logo em seguida.
Vi os dois polegares dele se levantaram e um sorriso imenso surgir em seus lábios. Certo, passei no teste. Eu também gostei muito de cuidar desse garoto.
Na hora do jantar, acabei indo para a cozinha novamente. Fiz uma salada de bem diversificada, um arroz de forno com o que sobrou do molho do almoço e alguns bifes de peito de frango. Oliver me olhava como se eu estivesse fazendo mágica e eu me sentia observada por Sanders, apesar de conseguir ver com minha visão periférica que ele estava lendo um jornal.
– Vai comer conosco, senhor Sanders? – Nunca pensei que fosse admirar alguém lendo jornal. O cara parecia uma pintura. Mas que merda, eu não quero desenvolver nenhum tipo de admiração fora do normal pelo meu chefe... Isso é errado, bem errado.
– O cheiro está muito bom. Se não for incomodá-la, gostaria de provar. Tem cheiro de comida de verdade. – É porque é, mas não posso responder isso.
– Eu não gosto muito de pedir comida. Se não for incomodar, gostaria de cozinhar para o Oliver sempre. Ele parece gostar mais do que comer coisas compradas. – Ele balançou a cabeça em concordância.
– Como quiser, senhorita Hills. – Ele disse. – Eu vou te mostrar o quarto onde você pode deixar todas as suas coisas. A chave ficará sempre com você, então não se preocupe. A faxineira vem de terças, quintas e sábados. O Oliver tem aula de francês duas vezes por semana, a professora vem até aqui em casa... E, outra coisa, você teria uma escola para indicar? Ele vai entrar no jardim de infância ano que vem e eu já queria deixar acertado. – A quantidade de informações fez meu cérebro entrar em colapso. Voltei para o fogão e desliguei os filés de frango.
– Eu vou precisar montar uma planilha com essas coisas. Só funciono assim. E outra coisa, morar aqui? Morar mesmo? – Ele acabou sorrindo e eu vi seus dentes bonitos.
– Eu acho que é o correto. Você recebe um salário bom, não espero menos do que a senhorita sempre a disposição caso eu me atrase para voltar. E bom... Sem problemas, senhorita Hills. Você ira se acostumar. Ah, suas folgas são aos domingos. E se minha mãe vier aqui... Recomendo que não dê assunto para ela. – Ele voltou o olhar para a matéria do jornal e eu acabei não respondendo. Provavelmente a mãe do senhor Sanders é uma megera, ok, anotado. Eu só estava desconfortável com esse lance de morar aqui.
– Eu não tenho escolha quanto a morar aqui? – Questionei. Sanders abaixou o jornal, como se estivesse um pouco incomodado.
– Por um acaso a senhorita mora em uma casa melhor que a minha para recusar a oferta? – Arregalei os olhos.
– Não é isso, é que eu acho esse lance de morar no emprego meio exploratório.
– Se eu tiver que fazer alguma coisa fora do seu horário, te pago as horas em dobro, não se preocupe. Qual é, senhorita Hills, vai querer o emprego ou não? – Ele me olhou com firmeza. Eu não respondi, e permaneci olhando para ele. Ele ergueu as sobrancelhas e depois sorriu. – Ótimo, acho que isso é um sim. – Ele disse.
Servi o prato de Oliver e cortei o frango em pequenos pedaços. Sanders pegou um pouco da comida e enquanto comia, fez um sinal de jóia para o filho. O filho respondeu levantando os dois polegares, e com a boca bem cheia.
Depois de banhar Oliver e brincar um pouco mais, deu a hora de colocá-lo pra dormir e o fiz sem maiores problemas. Fechei a porta do quarto atrás de mim e fui até a sala, onde Sanders estava sentado.
– Preciso buscar minhas coisas, senhor Sanders. Se não se importar, gostaria de ir até minha casa. Já que eu não estou em horário de serviço. – Falei. Ele balançou a cabeça dizendo que sim e eu peguei minha bolsa, e quando estava quase chegando na porta, ouvi a voz dele.
– Sabe dirigir? – Virei meu corpo em direção a sala onde ele estava.
– Sim, por quê? – Sanders levantou um dos lados do quadril e retirou uma chave do bolso, arremessando em minha direção. Eu a peguei no ar, e quando olhei melhor, vi que era uma chave de BMW.
– Vai lá. É a BMW branca. – Ele voltou os olhos para a televisão e agiu como se estivesse me emprestando uma borracha.
Aquilo me deixou extremamente chocada. Ou Sanders era louco, ou as referências que ele puxou de mim o deixaram com confiança o suficiente para deixar tanto o carro, quanto o filho dele nas minhas mãos sem medo. Se bem que, o que é um carro perto de um filho?
Sentar nos bancos de couro cor de creme daquela BMW me fez sentir poderosa. Acelerei o carro levemente e parti rumo ao apartamento que morava, e logo o porta-malas do carro do Sanders estava com duas malas cheias de roupas e uma pilha de livros. Usei uma bolsa grande para colocar o restante das coisas, e deixei no banco da frente. Senhor Marco estava observando tudo da sacada do primeiro andar.
– Boa noite, Wendy! Que carro bonito! – Ele exclamou. Era óbvio que ele queria saber de quem era o carro.
– É do meu chefe, senhor Marco. Vim buscar minhas coisas. Agora eu sou babá. – Ele sorriu e acenou com a mão.
Eu nem acredito que em 24 horas minha vida mudou mais do que durante ela toda. Parece que vivi sempre estagnada, e agora estou maluquinha com toda essa mudança.
Cheguei na casa de Sanders e o encontrei bebendo uísque na sala, com um short branco e sem camisa. O tanquinho dele era perfeito, seus ombros eram largos e suas mãos grandes eram evidenciadas pelo tamanho que o copo padrão ficava entre elas. Confesso que perdi um pouco a noção por uma fração de segundos ao olhar pra ele, e mentalmente me xinguei. Primeiro, ele é meu chefe. Segundo, ele é o solteiro mais cobiçado de toda New York.
– Wendy, quer um pouco de uísque? – Eu já estava com duas malas em uma mão e a restante na outra.
– Dificilmente bebo. Obrigada. – Menti. Meus únicos planos para minhas folgas seriam encher a cara. Mas, por dez mil dólares a semana, a gente n**a uísque de graça e até outras coisas.
– Vou te mostrar seu quarto. – Ele se levantou e caminhou comigo até um quarto que era perto do quarto de Oliver. Entrei e percebi que era uma suíte muito bonita, neutra, e com cortinas blackout como por toda casa.
– Por que você coloca blackout na casa toda? Sua casa é muito escura, senhor Sanders. Você tem uma criança aqui, essa casa precisa de vida. – Sanders estava encostado no umbral da porta do meu novo quarto e me olhava de cima a baixo.
– Já vi que você gosta de plantas. – Pensei por alguns instantes e lembrei dos vasinhos de ervas que encomendei do mercado.
– Sim, principalmente das que eu posso comer. – Sanders riu. Eu não sei porque diabos disse essa frase.
– Quer ajuda com suas coisas? – Ele questionou. Eu não quero que ele veja minhas roupas de quatro anos atrás que ainda uso, muito menos a quantidade de livros de romance que leio.
– Não precisa. Dou conta. – Ele concordou com a cabeça.
– Se não se importa, então, eu vou me retirar. – Ele disse. Eu ainda admirava a minha nova suite, muito melhor do que o meu antigo quarto.
– Boa noite, senhor Sanders.
– Boa noite, senhorita Hills. – Ele se retirou, e eu continuei arrumando minhas coisas.