Maria
Seguimos para dentro da casa, eu faminta e com frio devido às minhas roupas úmidas.
_ A chuva deixou suas vestes molhadas.- a senhora fala e eu apenas balanço a cabeça em confirmação.
_ Tem outras na mochila, posso trocar.- não gastei do que vi nos olhos da dona: pena.
_ Tudo bem, Esperança. Primeiro você se alimenta depois troca as suas roupas, enquanto isso vou conversar com o patrão, dizer que achei uma ajudante.- fala e retira um talo de capim seco do meu cabelo - Você é uma moça bonita, seu cabelo também.
Achei graça de suas palavras.
_ Num minta, dona. Eu não sou bunita, ninguém gosta de gente preta e de cabelo igual o meu. Somos oiádo comu coisa ruim.- a mulher parou de andar e me olhou dentro dos olhos.
_ Jamais repita isso!Você é linda, seu cabelo é maravilhoso e você é uma pessoa especial, menina.- ralha brava.
_ Ô dona se eu sou especiar, pruque sofro tanto. - os olhos da dona branca encheu de lágrimas.
_ Oh, meu bem, porque tem pessoas ruins no mundo. Eles querem apagar toda a luz que tem nesse planeta e atingem brutalmente seres de luz como você.
Vejo que uma lágrima escapa de seu olho, toco na pequena gota que desliza por suas bochecha cor de rosa.
_ Num chora. Eu me acustumei com a dor. - a mulher joga seus braços sobre mim, fico paralisada com os olhos enormes, apenas minha mãe me abraçou em toda minha vida.
_ Acabou isso de aceitar a dor, está me entendendo? - seus braços me apertam com força.
Logo a senhora dona de bochechas fofas me solta e voltamos a caminhar. Eu capengando com a minha perna machucada.
Depois de tanto andar, chegamos na casa enorme, uma bitela de casa.
_ Vamos entrar pela porta da cozinha, poderá ficar à vontade, naquele cômodo ninguém entrar sem minha autorização. A cozinha é meu santuário. - diz com um sorriso no rosto.
_ A muié do seu patrão não vai impricar comigo dentro da casa dela?
_ Senhor Florian não é casado, tem uma noiva metida a b***a, mas não mora por aqui, aparece uma vez ou outra.- fala gesticulando e por sua expressão sei que não gosta muito da noiva do patrão.
_ Num vô te que lidar com homi nenhum, né? Odeio os homi, são uns mardito! - meu ódio desce pelo canto da boca.
A mulher me olha com estranheza.
_ Não, menina. Por quê?
_ Num gosto dessa raça, dona. - falo com raiva.
A mulher solta uma gargalhada alta. Me assusto e por muito pouco não caio de b***a no chão.
_ Fala isso porque nunca deve ter se apaixonado. Me diga já beijou alguém?
Fico pensando nas vezes que aquele mostrou tentou enfiar sua língua na minha boca, com o bafo de cachaça e o cheiro de suor.
_ Num gosto de beijo, tenho nojo.- falo a verdade.
_ Oras, Esperança, beijos são demonstração de afeto. Quando amamos uma pessoa o beijo acontece é natural.- seus olhos brilham.
_ Essa expricação eu num aceito, dona, perdoa eu, tá, mas não gosto de beijo.
A senhora de bochechas cor-de- rosa me olhou brevemente.
_ Gosta de leite com café, suco, queijo com doce de leite? Temos pão de queijo com recheio de goiabada e bolo de coco gelado!- esse assunto sim me trazia alegria: comida.
_ Um cafézim, tá de bom tamanho.
_ Iiiihhh, vai comer direito mocinha ou não vai aguentar o serviço. - reclamou abrindo a porta azul da cozinha, porta grande que dá para passar umas cinco pessoas de uma vez.
_ É grandi, quantas pessoas mora aqui?- minha curiosidade ficou uma bitela.
_ Somente o senhor Florian. - arregalo meus olhos com a resposta.
_ Sózim?! Uai, sô, é espaço que num caba mais! - a dona branca riu e balançou a cabeça em negação.
_ Tem pessoas que gostam de casas grandes. Vamos deixar de proza; gosta de açúcar no café? - pergunta me dando uma atenção que Somente tive por parte da minha mãe.
De repente penso em algo.
_ Ô, dona e...
_ Violante, meu nome é Violante. Me chame assim ,tudo bem?
Fico sem-graça, abaixo meus olhos.
_ Sim, sinhora. - respondo.
_ Você iria me perguntar alguma coisa, não?
_ Sim! E se o sinhô não me quise aqui?
Escuto barulhos de louças e os passos pesados da senhora Violante.
_ Vai querer sim. Faz tempo que venho conversando com o senhor Florian, preciso de uma ajudante, estou ficando velha e as minhas juntas estão me dando problemas. Ele disse para que eu fosse à procura de alguém. No entanto, não tive sorte, porém , alguém lado céu me enviou você. - um prato cheio de comida gostosa para bem na minha frente, o cheiro faz meu estômago roncar, fico com vergonha.
Dona Violante ri, pega um avental e veste.
_ Come que suas tripas estão em protestos. - fala, indo em direção a pia que tem bacias com muitas hortaliças dentro.
Eu devorei tudo com as mãos, é tanta coisa boa, que não sei o que comer primeiro, por isso dou uma bocada num pedaço de queijo com doce de leite e mordo um pão de queijo com recheio de goiabada, depois, mordo um naco do bolo de coco e retiro um pedaço do pão com presunto.
_ Come devagar para não se engasgar, Esperança. - olho para a dona que está de costas.
Engulo o bolo em minha boca ,bebo do café com leite.
_ A sinhora tem "fí"? - pergunto reparando na cozinha enorme com fogão a lenha e outro que é enfiado dentro de um móvel e não tem as bocas e nem os cachimbos. Como se cuzinha nesse trem?
_ Não, Esperança, sou sozinha igual à você. Faz uns quatro anos que o meu marido faleceu. - ela suspira e para de picar um maço de couve- Que saudade do meu Aurélio. - retorna a prestar atenção no que faz e eu continuo com minhas butucas abertas olhando tudo.
_ E o patrão, tem algum guri?
_ Não, Esperança. Senhor Florian é um homem muito ocupado, tem negócios fora do país; quem sabe um dia ele tenha ,não?
Apenas ergo minha sobrancelhas.
Dona Violante larga a faca e a couve, limpa as mãos no avental e se vira em minha direção.
_ Termina de comer, vou falar com o senhor Florian sobre você, não demoro.- A senhora sai da cozinha e eu aproveito para observar melhor os luxos daqui.
Em dias da minha vida nunca me deparei com uma cozinha assim, desde que me entendo por gente, a casa onde vivi sempre foi muito humilde, tendo apenas coisas simples para podermos sobreviver.
Eu não me importo com nada de luxo, apenas queria algo que eu não tinha: paz.
Me ergo, mancando, caminho até a janela fico observando o lado de fora, a propriedade é bonita, tem muito verde e muitas flores; eu gosto de flores.
Vejo homens passando com cavalos e outros com ferramentas nas mãos. Distraída sigo observando a vida passando lá fora.
_ Esperança?
Levo um susto, tenho um sobressalto e acabo esbarrando numa fruteira de ferro que cai no chão. Laranjas, limão, manga, maracujá e duas frutas-pão saem rolando pelo piso da cozinha.
_ Perdoa eu, tive um susto. Quase desmalhei, dona Violanti. - me abaixo para começar a recolher as frutas do chão.
_ Aí, menina, você parece muito assombrada. Por quê? - não quero responder isso, porque a dona iria chamar a polícia para mim. Ninguém pode saber que matei aquele monstro.
_ Ôra, tava distraída, vendu as frô, às pranta e....
_ Estudou até que série, Esperança? - a dona se aproxima começa a pegar as frutas e colocar em cima da mesa.
_ Quarta série. Depois tive de ajudar a coloca comida na mesa. - não minto.
_ Essa é a realidade de muitos brasileiros, crianças trocando o lápis por uma enxada, ou qualquer outro instrumento de trabalho.
Levanto a fruteira do chão.
_ Acho que num quebrei esse trem.- olho bem para vê se não tem um amassado que seja.
_ Quebrou não, menina, é aço inoxidável reforçado, fique calma. Trago boas notícias, o patrão deu o aval para você e...
_ Quê? Eu num priciso disso não, dona Violante. U que ei de fazer com um vér? Isso é coisa di noiva!
Violante me olha e sua boca se abre em um " ó" perfeito.
_ Falei aval e não véu.- explica.
_ E foi é? - fico constrangida.
_ Sim, Esperança. Aval, no sentido figurado, quer dizer apoio, aprovação.
Minha cara esquenta, olho para a senhora que segura uma laranja numa das mão e um maracujá em outra.
_ Sabe quê qui é, eu num só tão letrada. A sinhora usa umas palavra compricada e eu me embanano toda.
_ Certo, vamos tentar outra vez, sim?
Espero que fale para mim entender.
_ Senhor Florian aceitou que você trabalhe aqui. Em primeiro momento vai ficar no prazo de experiências depois ele assina um contrato de trabalho com você, ou seja, vai ser uma funcionária registrada e terá todos os seus direitos. Hoje, ele não vai poder conversar com você, está numa reunião com o senhor Wolfgang Aaron, primo dele.
_ Uai, sô, pruque as mães deles colocam esses nomes feios e que enrolar a língua da gente. Vof....Vofi....num dá minha língua num cunsegue.
_ Consegue sim, menina, é só uma questão de prática . E eles são Alemães, em cada país os nomes mudam e a pronúncia também.
_ Como seria o meu em Lemão? - penso alto.
_ Em lemão eu não sei, mas em Alemão é: Hoffnung.
_ Rouf....o quê? - estreito o meu olhar.
_ Esquece essa conversa e vá trocar de roupas. Hoje vai apenas me ajudar a descascar alguns legumes, preparar conservas, temperos prontos e polir a prataria. Vai ficar sentada e não vai forçar o pé machucado. Mais tarde vou colocar um adesivo para aliviar o inchaço.
_ Vou drumi, aonde, dona Violante?
_ Vai morar comigo, Esperança, na minha casa. Como já te falei sou sozinha e sua companhia irá me fazer bem. Terá um quarto para você, depois providenciamos tudo mais que necessitar. - fala pegando uma cesta cheia de pepinos, tomates, cebolas e pimentões.
_ Agradicida, dona Violante.- digo sabendo que em breve terei de deixar essa senhora que tem sido um anjo para mim. No entanto não posso ser pega, quando acharem o cadáver do infeliz.