Sopro de luz.

1434 Words
Maria _ Ô moço, o sinhô mi deixa que eu sumo! Num tô aqui para rouba nada não. - estou em pânico com medo dele fazer algo comigo. _ Deixo nada! Você vai se ver com o patrão! Ele saberá como dar cabo de uma negrinha como você! Talvez arranque seus olhos; n***a de olho azul não combina! - sorri com malícia. Meu estômago pesa uma tonelada. Só faltava essa: eu ser massacrada por causa da cor dos meus olhos. _ Me deixa! Eu prometo pro sinhô que me "pico" daqui. Tento me livrar do sujeito, que tem um paieiro na boca, igual ao monstro com quem convivi. Sinto o cheiro dele e tenho nojo. _ Vamos, sua preta safada, vai dar conta ao dono dessas terras de como você chegou aqui e o que pretendia roubar! _ Num sô ladraaa!!! - grito a plenos pulmões. O sujeito ergue a mão para me dar um tapa; encolho meu corpo numa tentativa de me proteger. _ Mas que diabos de gritaria é essa aqui, Ronaldo! - a voz de mulher soa alto, a mesma voz que ouvi prozear com o motorista da caminhonete em que me escondi. _ Nada, dona Violante, eu peguei essa negrinha roubando a fazenda! - o sujeito fala com ares de grande feitor. _ Roubando é? Olho para a senhora gorda que tem seus cabelos lisos, fios pretos misturados aos brancos; seus olhos são de um verde que impressiona, além de ser branquela feito uma lesma. Balanço a cabeça em negação enquanto o sujeito aperta meu braço a ponto de doer muito. _ Cadê o que ela roubou, Ronaldo? Anda, homem, quero ver! - minha garganta fecha; quantas coisas ruins eu ainda terei que provar nessa minha vida? _ Deve ter escondido nessa bolsa encardida que está aí. - ele aponta, olhando com desdém para a mulher. _ Na bolsa, então, tá, vou verificar. - a dona gordinha pega a minha mochila, abre e vasculha. _ São os pertences dela, não tem nada do sítio aqui, nem uma pena de ganso ou ovo de galinha. Solte a menina. - meu coração bate aliviado. _ Ô, dona, eu num vim pra fazer mardade nenhuma, não. Só tava cansada da viage e tirei um sono. Só isso. Eu me vou logo, logo. Num quero pobrema. - estou tremendo de fome, dor e frio. O medo também me castiga. _ Conversa mole dessa invasora de propriedades, vou te levar até o senhor Florian. - o homem me arrasta com brutalidade em direção à porta. Começo a chorar em desespero. _Não fiz nada! Me deixa! - imploro, sentindo muita dor no pé machucado. - É o que vamos ver, preta imunda! - o covarde grita. - Larga a menina agora! Ou vai arrumar um problema muito grande com a queixa que eu vou fazer ao senhor Hoffman! Então, Ronaldo, o que você decide para a sua vida: continuar trabalhando aqui ou ir para o olho da rua? _ Acobertando essa imunda, dona Violante? Devo pensar que foi a senhora que cedeu guarita para essa preta nojenta? O que o senhor Florian vai pensar quando eu entregar vocês duas para ele? Imagina a decepção do patrão por saber que a sua empregada faz o que bem entende dentro da propriedade, como se fosse a dona, sendo que não é. Engulo com dificuldade. Mais uma vez, balanço a cabeça em negação. _Eu sabia que tinha seu dedo gordo no meio disso! Eu vou... _ Não, você não vai, sabe por quê? Porque eu tenho registrado as noites em que você tem saído com os cavalos da propriedade, sabendo que as ordens do senhor Florian são outras. Essa madrugada, enquanto o patrão estava fora, a égua Assouris chegou à fazenda sozinha. Então eu lhe pergunto, Ronaldo, como foi que isso aconteceu? - observo que há um cabo de guerra entre os dois. _ Escuta aqui, sua gorda maldita… _ Escuta aqui, você, projeto de capataz! Essas terras não são suas! O fato de você ser o filho bastardo do meio-irmão da dona Dinah não te dá direito nenhum sobre as posses do senhor Florian. Ponha-se no seu lugar de funcionário! - a senhora impõe respeito e o moço sai cuspindo maribondos. No momento em que me soltou, o infeliz empurrou meu corpo ao chão, e é dele que olho para a senhora branquela que está mirando-me. _ Ô moço, a dona senhora não... _ Vá e fale, Ronaldo! Pensa que vai me intimidar? Pois não vai mesmo! Foi eu, sim, que dei abrigo a essa alma necessitada. - Meus olhos ficam enormes; ela mentiu por minha causa?! - brada pelas costas do sujeito que parte em retirada. _ Esse Ronaldo se sente o dono daqui - fala, branda. - E você, mocinha, como se chama? _ Esperança, dona. - respondo cheia de receio. Ela sorri. _ Você parece um filhotinho de gato assustado. - encolho meu corpo conforme a dona se aproxima. De repente, ela para e percebe meu receio. _ Calma, não irei te machucar. Quero saber como você apareceu por aqui. Penso numa desculpa, por fim fico muda. - Vamos, menina, fale. - insiste. _ Tô procurando trabaio, sou órfa. Chuveu e acabei encontrando essa cabana, achei estar largada, não pensei fazer már eu cai aqui, corpo tava numa leseira. - me ergo catando a minha mochila. - Mas já me vou, sinhora, perdoa eu pelos atropelos. - manco ao me movimentar para fora. _ Veio de onde? _ A sinhora faz preguntas dimais, sô. - me irrito. _ Quero te ajudar, menina, no entanto preciso saber mais de ti. Aqui na fazenda tem vaga para ajudante de cozinha. Bom, você iria me auxiliar na cozinha e nos afazeres domésticos. Sabe cozinhar, limpar, lavar, essas tarefas cotidianas? Olho com desconfiança para a mulher que não desvia os olhos de mim. _ Ô dona, a sinhora não vai fazer mardade com eu, né? - estou inquieta. Primeiro, por precisar juntar um dinheiro e poder me mandar para longe de Minas; segundo, por estar com meu pé r**m e, dessa forma, não posso me movimentar muito. A senhora gorda franze a testa, nota que estou ressabiada. _ Não, menina! Que raios de pensamentos são esses? Quero te ajudar, sei quando a pessoa é boa ou r**m só de olhar para ela, e você é uma mocinha muito boa. - fala, abrindo um sorriso - Então, sabe ou não sabe? - indaga outra vez. Me animo porque preciso comer e ter um local para dormir até ter condições para sair de... _ Aqui é onde? - indago, sem saber onde estou. _ Itaúna, menina Esperança. Ergo minhas sobrancelhas; não fui tão longe de casa. _ Como chegou aqui? - pergunta outra vez. Então, invento uma história que não deixa de ser verdade em certas partes. _ Era só eu e minha mãe, ela morreu, fiquei só. Não tive condição de pagar o aluguer, daí o moço lá, me expurso. _ Que triste, Esperança! E o seu pai?- olho de baixo para cima na direção da senhora. _ Tem pai não! - me limito a responder. _Oh, céus....- a mulher mostra-se constrangida- Bom, está com fome?- pergunta com um sorriso no rosto. _ Tô sim, meu estombo dói. - levo a minha mão até a região e aperto. _ Vamos para a cede. Na cozinha tem pães e bolos, o senhor Florian adora os pães de queijo que eu preparo; você gosta de pão de queijo, Esperança? _ Uai, é, bão de mais sô. - digo com a boca salivando. _ Ótimo, eu preparei um cafezinho fresquinho usando coador de pano. Senhor Florian é o Alemão mais Mineiro que conheço. - fala esfuziante. _ Ale ....O quê? - não entendo. _ Alemão, menina, quer dizer que nasceu em outro país. Na realidade ele tem sangue brasileiro, a mãe é brasileira, uma mineira e o pai Alemão. No entanto, o patrão se fixou aqui em Minas.- explica e eu fico prestando atenção. _ Pru que vive aqui, podia viver lá na tal Lemanha!- a dona branquela ri e eu não sei a graça. _ Ôce tá troçando deu?- fico brava. _ Não, Esperança, apenas achei graça porquê falou o nome do país errado. _ Cadiquê? Cê falo....falo...falo Leman...Lemanha...ah, diacho de nome compricado sô.- enfeso. _ Esquece a Alemanha e tudo mais, vamos tratar de encher essa sua barriga. Vejo que está mancando; consegue andar? _ Se nós for um cadim devagarzinho, eu cunsigo. - respondo. Saímos as duas em direção a bitela de casa que de onde estou, avisto o telhado.
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