03- MÁ SORTE

3035 Words
Safira _ É chegada a hora, meus amigos. – Uma voz masculina anunciou pelo alto-falante ao nosso lado. Berenice e eu, tristemente, largamos nossa deliciosa apreciação dos deuses que ali estavam e nos levantamos. Senti que essa seria nossa última noite juntas. Tremi por dentro, sem demonstrar a ela a minha tristeza. Juntas, nós paramos no centro do salão. Vários outros pares já estavam ali, assim como os solitários. Vi meu irmão ao lado de um homem diferente. Esse devia ser seu amigo que nunca conheci. _ As pessoas que receberam o aviso, por favor, se enfileirem. – A voz continuou. Duas filas foram formadas. Uma com os assassinos, alinhada na borda direita do salão e a outra, com os protegidos, oposta a essa. Berenice e eu ficamos de frente uma para a outra. _ Duas caixas serão passadas, uma em cada fila. Cada um deve colocar a mão no local indicado e pegar uma esfera sem olhar para ela. Quando todos tiverem retirado suas respectivas, será pedido que as mostrem simultaneamente. Os novos pares serão formados com aqueles que tiverem as esferas da mesma cor. Duas mulheres apareceram na ponta de cada fila. Por onde elas começaram, eu fui a terceira a pegar a bolinha de plástico. Escondi-a em minha mão, rezando para que eu e Berenice ainda pudéssemos continuar juntas. Senti a angustia da espera enquanto as outras doze pessoas ao meu lado também fizessem o mesmo. _ Que os pares sejam montados! – a voz anunciou. Todos nós estendemos nossos braços e abrimos a mão que estava com a bolinha. Não olhei para minha mão quando isso aconteceu. De longe, Berenice pediu desculpas com seus lábios silenciosos. Fiz o mesmo, triste pelo que tinha acontecido a nós. Uma mulher apareceu na ponta da fila dos assassinos e pegou a bolinha da mão do primeiro homem. _ Esfera branca! – Ela cantou pelo microfone. A outra pessoa que estava com a esfera correspondente levantou-a. O assassino foi até ela. _ Tirou a sorte grande, hein irmãzinha? – O sussurro de Rubi me assustou. Olhei para ela a tempo de vê-la revirar os olhos. Olhei para a mão dela. Suspirei. _ Sorte grande é a sua. – Sussurrei de volta. _ Já viu o deus que está com a esfera correspondente a sua? – Ela me perguntou um pouco exaltada. _ Quer trocar? – Para mim seria ótimo, ela estava com a esfera da Berenice. _ Sabe que papai não vai deixar. – Seu sussurro era irritado. _ Podemos tentar. A mulher se aproximou de mim. _ Esfera vermelha! – Ela cantou. Vi o amigo de meu irmão levantar sua mão. Não que era preciso, ele e meu irmão eram os mais altos ali. _ Cuida bem dela. – Pedi a Rubi antes de ir até eles. Cabisbaixa, caminhei em diagonal até o final da outra fila, lugar onde meu mais novo protegido estava. A primeira coisa que vi foram seus sapatos. Pareciam caros, mas eram discretos. Subi para suas pernas. Longas em um jeans preto de corte reto e um pouco largo, nada de mais. Subi mais um pouco para seu tronco. Grande em um suéter de lã cinza de mangas compridas com cobriam seus braços e realçavam seus ombros largos, a gola da camisa branca dava um charme a mais ao visual. Normal. Finalmente olhei para seu rosto. Parei. Ok! Tinha que concordar. Ele realmente parecia um deus. Seu cabelo castanho e liso cortado em undercut com a franja um pouco mais longa estava cuidadosamente desconectado. Sua testa era ornada por grosas sobrancelhas que conferiam um ar de vilão naqueles olhos castanhos amendoados. Seu nariz combinava perfeitamente com aquele rosto quadrado, bem desenhado pela barba meticulosamente aparada. A boca... Jesus! Que boca! E o sorriso que deu ao me ver? Parei no meio do caminho. Ele riu ainda mais, nada indiscreto, só o bastante para me deixar ainda mais perturbada. Educado, ele estendeu sua mão para mim. Que mão! Ela era grande e, ao apertar a minha, quase a engoliu por completo em seu firme aperto. _ Matteo Salvatore. – Ele disse seu nome para mim. CARALHO! Que voz era aquela? Senhor! Ela era tão grave, rouca e sexy... Mordi o lábio inferior para não gemer ali mesmo. _ Irmãzinha? – Pietro me chamou, me trazendo de volta ao mundo. Olhei para ele e seu sorriso era leve. Abaixei meus olhos e vi que minha mão ainda estava na de Matteo. _ Safira Aguilar. – Consegui dizer em quase um sussurro tímido. Matteo soltou minha mão, não sem antes dar um leve sorriso para mim. Morri! Pietro veio para meu lado, me abraçando todo feliz por ter conseguido o que queria. _ Você vai morar conosco, isso não é maravilhoso?! – Ele estava radiante. _ Até parece que você nunca morou comigo. – Brinquei com ele. _ Sim e sinto sua falta. Encontrar contigo nos bares e festas não é a mesma coisa, agora eu posso te consolar sempre que precisar. _ Eu não sou tão melindrosa assim. – Desconversei levemente irritada. _ Só para mim. – Ele beijou minha bochecha. – Seu quarto já está pronto lá em casa. – Pietro mudou de assunto. _ Apresado. Antes, me conte um pouco mais sobre vocês e o porquê de eu ser solicitada. – Entrei no modo trabalho antes que entrasse no modo v***a. _ Bem, Mat é filho de um grande mafioso. Ele é sobrinho daquele cara que tentou matar sua mentora, a Deva. _ Sim, acho que me lembro dele. O que mais? _ Há cinco meses, tentaram me matar, mas não conseguiram por um milagre. O tiro foi desviado por uma costela e por pouco não pega meu coração. Ainda estou me recuperando disse. Concentre-se menina! Ele é seu protegido agora! – Gritei em minha mente. _ Tem alguma noção de quem pode ter sido? – Minha voz estava normal, graças aos céus. _ Algum inimigo de meu pai. Ele teve um desentendimento com uma das famílias da máfia e eles podem ter se vingado dele atingindo a mim. _ Isso é muito vago, vou precisar de mais informação. Papai te falou qual o esquema que ele preparou para ele? _ Sim, teremos sombras que se revezarão ao longo do dia. Você é o elo mais próximo dele. _ O mais importante também. – Disse já preocupada. _ Verdade. Você, provavelmente será a primeira linha de defesa de Mat. Muito sempre passa despercebido pelos sombras, mas nada muito grave. _ Os sombras são importantes só para me darem cobertura e me avisarem de um perigo iminente. Eles quase nunca fazem o trabalho sujo. _ Isso te preocupa? – Matteo estava interessado na conversa. _ Um pouco. Você será o trabalho mais complexo que já peguei, mas não se preocupe. Darei minha vida para manter a sua. Esse e meu trabalho. – Falei séria. _ Não precisa chegar a esse ponto. – Ele estava desconfortável. _ Não chegará. Sou boa no que faço! – Não resisti e dei uma piscadela para ele, aliviando a situação. Ele sorriu de novo, me desmanchando por dentro. _ Quanto tempo eu terei que ficar perto dele, papai te falou? – Voltei para meu irmão. _ Vinte e quatro horas por dia. O que não será complicado. A secretária de Mat se demitiu, abrindo a vaga que será preenchida por você. Moraremos no mesmo apartamento. Temos uma academia em casa, usamos uma personal para nos ajudar quatro vezes por semana. Sei que é poliglota, então virá a calhar quando precisarmos de uma tradutora. Quais línguas você fala mesmo? _ Inglês e espanhol, como você e minha irmã. Aprendi o japonês quando treinei com Deva, o chinês na lojinha em que trabalhava meio período e o coreano só pra continuar na Ásia. _ Eu sabia só do japonês, mas os outros dois virão bem a calhar. Nós mantemos contato direto com empresas coreanas e chinesas. Eles estão bem desenvolvidos no nosso ramo. _ Normalmente temos que contratar uma outra pessoa pra servir de tradutor quando nos encontramos. Ter uma pessoa de confiança ira nos ajudar muito. – Matteo complementou. _ Esses terceiros, são contratados por empresas de confiança? – Perguntei já tentando traçar uma linha de raciocínio que me levaria ao dia do ataque. _ Temos um pessoal responsável por isso, mas não sabemos muito sobre as contratações. – Pietro respondeu. _ Já houve desentendimento com funcionários terceirizados, ou até mesmo na empresa? _ Só uma única vez, mas fui eu quem se desentendeu. Hoje ela é minha namorada. – Pietro estava envergonhado. _ Vanessa brigou com você, por quê? – Eu não consegui segurar um leve sorriso. _ Divergências trabalhistas, mas no fim acabou dando tudo certo. _ Mais nada aconteceu, nenhum funcionário chegou a sair insatisfeito ou agir de forma estranha? _ Não que me lembre. – Pietro olhou para Matteo que balançou negativamente a cabeça. – Por que isso é tão importante? _ Estou procurando um elo para o acidente. Você me disse que ele e Berenice se conhecem, mas nós duas estamos juntas há tanto tempo e eu não me lembro de seu amigo. _ Não é dai que os dois se conhecem. É das festas de família que você nunca pôde ir por mau comportamento. – Ele tirou sarro de mim. Revirei os olhos, divertida. _ Bem, terei que estudar então as conexões familiares. Quanto tempo tenho até me mudar? _ Menos de um dia. – Pietro sussurrou sem jeito. _ O que! – Quase gritei, chamando mais atenção do que deveria. _ Sabe como é né? Nossos pais são amigos há muito tempo. Papai queria isso, então, antes mesmo de essa reunião ser confirmada, já estava tudo pronto. _ E se eu tivesse retirado uma esfera diferente? _ Por isso ele foi o último. Trocamos a esfera assim que retirou a sua. _ Como? _ Tem uma câmera dentro das caixas e um pequeno compartimento que permite a retirada das esferas de modo discreto. Você retirou a sua e comunicamos a outra mulher para retirar a da mesma cor da caixa. Quando meu amigo foi retirar a dele, a sua era a única. – Ele deu de ombros. _ Isso não é justo! Eu vou contestar isso. – Eu estava muito nervosa. _ Os pares já foram formados. Não abriremos discussões. Estão dispensados. – A mesma voz do início falou no alto falante. _ Droga! – Esbravejei chorosa. Meu irmão me abraçou de uma forma protetora, tentando me acalmar enquanto a tempestade emocional saia. Ele me manteve firme em seus braços, mesmo eu tentando sair de seu aperto. Ouvi Matteo rir antes de Pietro me repreender: _ Quieta! – Sua ordem foi rude. _ Não sou mais uma criança para me tratar assim. – Recriminei-o ainda tentando sair. _ É sim, olha o seu tamanho. – Ele marcou onde minha cabeça batia em seu peito, m*l chegando à linha abaixo de seus ombros. _ i****a! – Escondi meu rosto no peito dele. _ Não fique assim, vai dar tudo certo. – Ele tentou me acalmar. _ Como, nem sei nada sobre ele, sua família e não terei tempo para isso. Não me sentirei segura agindo sem preparo. – Choraminguei mais uma vez. A mão de Matteo acariciou minhas costas, deixando-me retraída de tensão. Ela apertou meu ombro antes de ele dizer: _ Não se preocupe. Não sou tão indefesso assim. Sei como cuidar de mim e ajudá-la a não se prejudicar. – Ele também tentou me acalmar. A seriedade em sua voz me deixou ainda mais tensa. _ Não seria certo. Sou eu quem deve manter a sua segurança acima de qualquer coisa, até mesmo de minha vida. Foi esse o juramento que fiz ao aceitar entrar pra isso aqui, não posso quebrá-lo, mesmo que por uma ordem de um ancião. _ Não será preciso quebrá-lo. – A voz de meu pai me fez afundar de vez nos braços de meu irmão. _ Mas não é isso que sinto quando não tenho escolhas. – Disse escondida em meu irmão. _ Deixe de choramingo! Você é uma mulher adulta e perfeitamente capaz de cumprir com o que lhe foi dado. Levante essa cabeça, suba comigo para pegar seu material, entre no carro com seu irmão e comece seu trabalho ainda hoje. – Apesar de rude, o tom de meu pai ainda refletia toda a preocupação e carinho que sentiam por mim. Olhei para ele. Aquele homem baixinho com ar de poderoso chefão sempre foi um mistério para mim. Nunca sabia quando iria me castigar ou me consolar por conta de meus atos. Mas, acima de tudo, sempre deixou claro que me amava. Mesmo eu não sendo a filha perfeita que ele gostaria que fosse, mesmo eu sempre agindo por conta própria. Neste instante, ele parecia bravo, mas no fundo de seus olhos eu entendia seu pesar. Juntando coragem, me soltei de meu irmão e o abracei. Precisava mais do consolo dele de que do de meu irmão. Surpreso, ele me abraçou de volta. Aquele abraço parecia mais certo do que o outro. Não era mais alta que meu pai, mas ele também não era muito mais alto do que eu, de forma que sempre adorei a forma que minha cabeça se encaixava em seu ombro quando precisava de carinho. _ Vamos até lá em cima, eu preciso te entregar seu dossiê. Não ia deixar minha Princesinha em apuros. – Ele acariciou meu cabelo. _ Pai! – O reprendi, envergonhada. _ Não posso te chamar de Princesinha? – Ele estava brincando comigo, aliviando minha tensão. _ Claro que pode, mas não na frente de meu cliente. O que ele vai pensar de mim? – Olhei para ele, brincalhona. _ Que é uma mulher incrível! – Os olhos de meu pai brilharam ao dizer isso. Senti minhas bochechas corarem. Eu sempre ficava boba quando recebia um elogio dele. Durante toda a minha infância e adolescência, quando me comportava de forma agressiva e tentava machucar alguém ou a mim mesma, o pulso firme de meu pai foi o único que me fazia parar. Meu comportamento agressivo foi uma constante em uma certa fase de minha vida. Antes de eu começar a usar o saco de pancadas para descarregar minha raiva, eu costumava ser o terror daquela casa. Pelo menos, uma cicatriz eu devo ter deixado em cada um dele. Mas nenhuma foi tão pior quando a vez que, sem querer, eu quase quebrei o braço de Pietro em uma briga. Eu me senti tão m*l por isso, que provoquei um acidente de bicicleta. Não foi grave, cortei a escápula direita ao cair em uma pilha de entulhos que ficava na rua de baixo de nossa casa. Precisou de alguns pontos e cinco anos de terapia para, então estabelecer um padrão de normalidade em minha vida. Todo esse processo pode ter deixado outras cicatrizes nas pessoas de minha família. O medo de me perderem foi a pior delas e, desde então, meus pais agiram com mais cuidado ao meu redor. Não que as comparações tivessem terminado, mas eu aprendi a lidar com elas e eles com minhas reações. E ser elogiada com mais frequência por eles, meus pais, foi uma delas. Essa era a que mais funcionava e sempre me acalmava quando recebia um sincero, como aquele nesta noite. _ Obrigada pai! – Sussurrei em seu ombro. Ele me apertou em seus braços mais uma vez. _ Vamos subir, os meninos te esperam aqui. _ Eu queria conversar com Berenice antes. _ Não será preciso. _ Mas, e minhas coisas, como vou fazer para pegá-las? _ Sua mãe comprou roupas novas para você, já estão em seu novo quarto. Nada que você não vá gostar, seu irmão deu palpite. O resto, Rubi irá mandar para você o mais rápido possível. _ Você planejou até isso, não é, meu pai? _ Tudo para deixar minha Princesinha feliz. Eu revirei os olhos antes de acompanhá-lo até o mezanino onde ficavam as salas de reunião. Entramos na destinada ao meu pai e lá ele me entregou uma pasta pesada transbordando folhas de papel, um novo telefone celular criptografado, uma valise com equipamentos e uma mochila. _ Dentro da mochila tem algumas roupas suas. Tomei a liberdade de pedir ầ sua protegida que trouxesse, para que pudesse se sentir mais a vontade em seu novo lar. _ Obrigada pai, mas sabe que não tem como eu me sentir a vontade protegendo um homem. _ Você consegue, confiamos em você. _ Não tem mesmo a possibilidade de eu voltar a proteger a Berenice? – Tentei, a esperança é a última que morre mesmo. _ Não. Sua irmã precisa se afastar de homens um pouco. Ela andou cometendo muitos deslizes nesses últimos anos e não acreditamos que ela esteja preparada para proteger alguém como Matteo Salvatore. _ Imagino que ele deve ser amigo da família. _ Sim, o pai dele é o padrinho de sua irmã. _ Não me lembro deles, mas já me explicaram o porquê. Último ponto, já pensou que eu posso me envolver emocionalmente com este homem e estragar tudo? _ Espero por isso. _ Pai! _ Ele é um bom homem e você precisa de um para te proteger. Seu irmão não estará disponível para sempre. _ Mas se eu me apaixonar por ele, vou perder o foco de minha missão e colocar tudo em risco. Ou se ele se apaixonar por mim, ele pode agir de uma maneira que prejudicará a nós dois. Tenho medo disso pai, de falhar. _ Não tenha. Você tem um dom natural para isso e recebeu treinamento com a melhor do nosso ramo. Nada irá acontecer para prejudicar sua missão, estou aqui para te dar todo o suporte necessário. _ Sempre pai. – Eu o abracei. Nos despedimos em um caloroso abraço e fui encontrar os rapazes. Do alto da escada, eu vi que eles estavam sentados próximos ao balcão do bar. Fui até eles e, depois de nos despedirmos de todos os necessários e eu implorar para Berenice não trocar o número de telefone dela antes de dar um jeito de me avisar, partimos para o início de uma nova missão.
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