Capitulo IV

2016 Words
Capítulo IV        Terras celestes, Castelo de Atárah          O sol brilhava exuberante nos mesclados céus das terras celestes. A brisa suave transpassava pelas vestes leves que recobriam o corpo da rainha. Os cabelos vermelhos e macios de Loren eram acariciados pela doçura de um amanhecer cálido, apesar do outono já ter se estabelecido com sua apatia. - Majestade – Darariana se aproximou silenciosa. A velha já tinha bebido a porção que desfazia o encantamento "reflexo" – Seu esposo deve acordar em breve. - Há algo que eu precise saber? – Loren fitou a velha corcunda com atenção. - Ele também não a procurou essa noite – A velha falou e Loren a fitou tentando esconder a repugnância que sentia diante da figura asquerosa da velha - Ele insisti que deve colocar Parvus como general das tropas celestes e nomeá-lo como general-mor. - Nossos convidados chegaram? - Chegarão para o almoço. - Avise a Mambara que ela está proibida de deixar a torre alta. - Ela não vai gostar. - Deixe claro que é uma ordem minha. - Sim majestade – a velha relutou por um momento – vou precisar de mais lágrimas. - Estão ali – Loren mostrou o pequeno recipiente de vidro sobre o criado. A velha pegou o frasco sem conseguir disfarçar a satisfação. De esguelha Loren silenciosamente observou o comportamento da bruxa, que segurava o frasco com nítido desespero. A rainha sabia que a porção do encantamento reflexo causava forte dependência e Darariana era completamente dependente dela.        O encantamento reflexo era uma prática abominada por todas as cúpulas, tanto dos grã-magos de Lamuriel, quanto a cúpula dos grã-magos da coroa, mas aquele era um segredo necessário, do qual a rainha não abriria mão.       Provando o vestido de seda macia e suave, Loren estalou os dedos, fazendo com que seus cabelos se ajustassem em um belo coque, com alguns cachos soltos. Ela fitou as costas nuas, que exibia o abrisque sagrado e se sentiu satisfeita com a imagem projetada do dragão. Desde que se casara com Persus, ela exibia a relíquia como sinal de poder. "A enviada de Haradã". Era assim que os elfos a chamavam.        Ansiosa com os preparativos para aquele dia, Loren seguiu para a sala do grão-mago supremo, sempre acompanhada por Dana e Omar, dois magos que a seguiam como se fossem a própria sombra dela. A grande sala do conselho, que antes era usada pelos anciões elfos, agora pertencia a Eron Muthan, o grã-mago supremo.         Parada diante da porta, a rainha esperou que os guardas a anunciasse, para só então entrar na sala. De costas para a porta, vestido em sua bata roxa, Eron fazia uma análise minuciosa dos mapas das terras altas. Sua pele já não era mais habitada por insetos e seu cheiro não era repugnante, no entanto, a palidez do corpo e as pesadas olheiras mantinham a forte aparência que tinha de um defunto respirando. - O que houve? – Ele perguntou sem retirar os olhos dos mapas, a voz branda e firme, como era seu habitual. - Persus exige a vaga de general-mor – Loren respondeu perturbada. - Persus é seu consorte, nada mais que isso. - Eu sei, mas ele... – Ela procurou por uma solução.  - Não podemos simplesmente conceder algum cargo pra ele? - E por que faríamos isso? Não temos nenhuma obrigação de mimá-lo. - Eu tenho certeza de que o rei Rurez está vindo com sua comitiva no intuito de fazer exigências com relação ao filho. - Não se preocupe com isso. - O que vai fazer? - Tem certeza de que quer saber? – ele perguntou e Loren permaneceu em silencio – foi o que imaginei – O grão-mago voltou novamente sua atenção para os mapas – As plantas das terras-altas ficaram prontas. Chegou o momento de nos posicionarmos.        Loren ainda não entendia o motivo que levava Eron Muthan a ajuda-la na invasão das terras-altas, na guerra contra o rei tarrano, mas isso pouco a importava. Eron prometera a ela o reino dos sangues-negros e não havia nada que ele tivesse prometido, que não houvesse cumprido. - Sabe me dizer se... – Loren engoliu em seco. - Sim. Ele está vivo – Eron bateu o dedo indicador sobre o desenho de uma construção cercada por montanhas – Está em Arttigus – O grão-mago respondeu, pois sabia que a rainha perguntava sobre Erduo, o rei elfo que havia sido levado como prisioneiro para as terras-altas. - Ele nunca irá perdoá-la – Eron falou sem fita-la. - Eu sei – Loren admitiu amargurada. - Loren – Eron pensou por um momento e por fim voltou-se na direção dela – É a sua vida ou a dele. Não procure saídas onde não existe.  - Não – Loren se perturbou com o breve pensamento. - Não está feliz com a vida que tem – Ele a avaliou com atenção, sondando cada reação do rosto da rainha, em busca de compreender o que se passava no segredo de sua alma. - Estou – A rainha respondeu sentindo os olhos pesarem em umidade – Mas eu... não posso fazer isso – ela respondeu e as lágrimas deslizaram por suas bochechas, aquele era um assunto que a atormentara nos últimos seis anos.        Loren sabia que não tinha direito de reclamar de nada. Tinha uma vida livre, de certa forma; havia conseguido o apoio dos elfos e uma firme estabilidade entre os reinos. A longa guerra que enfrentara contra Kittan e os outros grã-magos finalmente havia cessado e a paz no mundo magico havia se restabelecido. Seu único problema era Erduo. Ela sabia que ele jamais a perdoaria quando descobrisse tudo o que ela havia feito para chegar aonde estava. - Não chore – Eron acariciou o rosto úmido com o polegar da mão direita. Aquela foi a primeira vez que ele a tocou e Loren se assustou com o calor que emanou daqueles dedos pálidos, pois ela sempre imaginara que ele tivesse a pele fria como a de um cadáver – Apenas permita que eu faça o que tenho que fazer e não terá que se preocupar com mais nada. Não terá que pensar em mais nada. Nunca mais terá que ouvir ou pensar no nome dele.        A rainha permaneceu muda por mais tempo que achou possivel, se sentindo uma traidora desalmada e c***l a cada segundo que permanecia em silencio, relutando diante de palavras que julgava abomináveis. - Será o fim do seu tormento, a paz que tanto busca – Eron diminuiu o espaço que existia entre eles. Ele nunca a sentira tão relutante como a sentia agora e não deixaria que aquela oportunidade deslizasse de suas mãos – Tudo fará parte de um passado distante, de um passado que você não precisa, que ninguém precisa. - Não faz isso – Loren deu alguns passos vacilantes para trás, tentando fugir da ideia que astutamente Eron vinha regando. - Majestade... – Em passos sutis, o grão-mago novamente se aproximou da rainha, mas desta vez, não ousou tocá-la – Se o leão lamentar pela vida de sua presa, como poderá sobreviver e alimentar suas crias?         A rainha procurou palavras para se desenrolar daquela situação por seis anos e por mais que pensasse, não as encontrava. Ela sabia que precisava salvar a vida de Erduo, nunca duvidara disso, dedicando sua vida para conseguir forças para derrubar as terras altas, mas o que faria assim que devolvesse a liberdade do rei elfo supremo Se curvaria diante dele e imploraria para que ele aceitasse o seu povo e a recebesse por esposa? Por causa de seu coração t**o, colocaria novamente seu povo de joelhos diante dos elfos? Loren precisava tomar sua decisão e a cada passo que dava em direção as terras altas, menos tempo ela tinha para isso.        O silencio da rainha recaiu como néctar nos ouvidos de Eron. Antes, quando ele tocava no assunto, ela se fechava, garantindo que aquele assunto era indiscutível e acabava por silencia-lo, mas agora, ela relutava diante dele, como uma garotinha faminta, mas tímida diante dos dedos lambuzados por geleia. - O general-mor está cansado, por seis anos está jogado naquela prisão. O que você acha que vai acontecer quando ele sair de lá e descobrir que a mãe e os dois filhos estão mortos? Nem mesmo o seu amor será suficiente para acalentar o coração destruído dele – a voz de Eron era branda e sincera. Segurando o queixo dela com cuidado, ele inclinou o rosto dela, de forma que Loren agora se via completamente presa diante da persuasão dele. Os olhos pretos puríssimos mergulhados nos castanhos avermelhados dos dela. - Entrega ele pra mim Loren e permita que eu tire esse fardo dos seus ombros – a respiração dele banhava o rosto da jovem rainha em ternas caricias. - Eu... – Loren gaguejou relutante, ela queria se ver livre de toda aquela angustia que a atormentava. Alcançando a mão de Eron, que ainda tocava o queixo dela, tentou se livrar de seu domínio, mas o máximo que conseguiu foi repousar sua mão sobre a mão dele, o encorajando ainda mais.        Vulnerável, a rainha nunca estivera tão vulnerável como estava agora, hipnotizada pela sagacidade de uma serpente astuta que havia esperado pacientemente pelo momento certo. O momento que a própria rainha se permitiria ser picada.         Loren fechou os olhos diante da breve caricia dos dedos do grão-mago em seu queixo e isso foi suficiente para que ele soubesse que as muralhas que a cercavam ruíam em perigosas rachaduras. A sensação de satisfação diante da vitória iminente o envolveu como uma droga potente. Aquela fora uma luta sem garantias, mas que agora entregava seus frutos frágeis e machucados.         Eron nunca teve intensão de seduzir a rainha, nem mesmo sabia o que sentia por ela, entretanto a vulnerabilidade dela o atormentara nos últimos meses. Loren não havia permitido que nenhum homem a tocasse naqueles seis anos, nem mesmo o próprio marido, que todas as noites se via enganado por encantamentos proibidos. Agora o grão-mago se via perturbado diante da situação, preso pelo feitiço mais antigo e burlesco que existia. A atração de um macho por uma fêmea.       Perdidos naquele momento só deles, os lábios de Loren tremia tentando segurar a resposta que Eron exigia dela. Os olhos ávidos dele a espera da resposta que implorava para ser entregue. Foi então que algo que o grão-mago não esperava aconteceu. Os olhos de Loren assumiram uma coloração dourada, como se tivessem preenchidos por ouro derretido, logo em seguida o corpo dela foi envolvido em um casulo de energia que se agitava de forma tempestuosa.        Loren se apoiou na mesa, sentindo seu corpo ser tomado por uma fraqueza e tontura repentina. Eron segurou o rosto dela com as duas mãos, o cenho franzido em busca de uma explicação para o que havia acabado de presenciar. A energia magica de Loren transpassou pelos dedos dele, como se estivesse solta do corpo. - Quantas vezes isso aconteceu? – Ele perguntou sério. - Não se preocupe, foi só um m*l-estar – ela respondeu sentindo o corpo voltar a recuperar sua força. - Loren, o que diabos você fez? – A voz do grão-mago supremo assumiu um tom duro e acusativo. - Do que está falando? – ela sentiu medo diante da reação do bruxo. - Eu só conheço um ritual capaz de desprender a magia de um bruxo do corpo e eu não acredito que tenha sido tola a ponto de ter se submetido a ele.        As lembranças do ritual que Loren fizera na espada de Sandro retornaram a sua mente em imagens frescas e vívidas. Aquele era outro segredo que a rainha havia enterrado, visto que já haviam se passado seis anos e nada tinha acontecido. - Não sei do que está falando – ela se afastou do grão-mago e deixou a sala em passadas rápidas. De repente, a esperança de que Sandro estava vivo retornaram, agitando seu coração em um ritmo diferente. Se os filhos do general estivessem vivos... – o breve pensamento apertou o coração da rainha. Ela precisava encontrar Sandro e Talician e pra isso não pouparia esforços.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD