Capítulo III

2426 Words
Capítulo III Sandro deitou-se ao lado de Talician. O medo de não conseguir salvar a vida do irmão o desestruturando. Ele sabia que Talician precisava de um curador com urgência, precisava de agua, precisava de socorro. Fechando os olhos, em silencio, ele elevou seus pensamentos a Elliris e clamou pela vida do irmão, do pai, da vó e de Anna. "O senhor acredita nos deuses" – ele lembrou da vez que questionou o pai, pois nunca o vira rezando. O general-mor nunca falava nos deuses, cumprindo suas oferendas no templo sagrado de Aiden, apenas por pura obrigação. "Quando estiver em um campo de batalha, vai descobrir que sua espada vale mais que qualquer deus" – Na época o garoto tomou a resposta do pai como uma grande blasfêmia, agora, ele compreendia o peso daquelas palavras. Um nó entalado na garganta dele desatou-se em soluços abafados. Escondido na densa nevoa, o garoto sentiu o rosto esquentar diante das lagrimas que insistiram em humilhá-lo. Cada lágrima que caia, aumentava ainda mais o ódio que sentia de si próprio. Frustrado, ele passou a mão no rosto, arrancando da pele os pedaços de sangue seco, do guarda que matara. "Quero acompanha-lo em suas missões" – Sandro lembrou-se do dia que se ofereceu para acompanhar o general-mor em seu trabalho. Estava cansado de esperar que o pai o chamasse. "Não nasceu pra isso" – A resposta fria deslizou da boca do pai com tanta maciez que o garoto chegou a duvidar dos próprios ouvidos. Ele esperava qualquer resposta: que era jovem demais, que o pai não tinha tempo, que iria da próxima vez..., mas ele não esperava por aquela resposta e tão pouco esperava pela aceitação com que o pai a dera. "Achei que todos os elfos nascessem para a guerra" – o garoto respondeu indignado, sentindo-se humilhado pelo próprio pai. "Filho, seu pai está cansado, deixe para falar sobre esses assuntos outra hora" – sua vó havia pedido com gentileza; ela não queria estragar um dos poucos almoços que tinham em família. "Não tenho vergonha de você" – o general-mor garantiu sem fitar o garoto – "Compreendo e aceito que não nasceu pra isso" – explicou em um tom brando. "Me ensine como devo agir... me dê uma chance e vou lhe mostrar que está enganado" – o garoto pediu após se sentir injustiçado com a conduta e afirmação do pai. "Conseguiria sentir prazer em tomar a vida de outro com sua espada?" – o general fitou o garoto que sentiu a língua endurecer diante da pergunta. "Acredito que quem sinta prazer em tomar a vida de outro não se diferencie muito de um animal" – o garoto respondeu com escarnio e convicção. "É por isso que digo que essa vida não é pra você. Não é um animal" – Apesar do tom pacífico e cheio de compreensão com que o general-mor respondera o garoto, qual era o filho que não queria ser como o pai? Sandro sempre fora um elfo inteligente e com a resposta que seu pai lhe entregara aquele dia, ele compreendeu que o caminho que o tornaria semelhante ao pai, não era um caminho que alegrava seu coração. Era um caminho que assim como seu tio Darren, ele repudiava. O garoto fechou os olhos, disposto a dormir, entretanto, o sangue do guarda que matara se atirou contra seu rosto. Ele levou a mão a face, sentindo apenas os farelos ressecados do sangue que tentara se livrar. Por mais que ele passasse os dedos no rosto, tentando explicar para si próprio que já não havia sangue ali, ele conseguia sentir com nitidez o liquido quente e viscoso insistir em deslizar por seu rosto, descendo pelo pescoço, como uma maldição da qual suas marcar feéricas não conseguiam protege-lo. Entregando-se ao cansaço, o garoto tentou escapar do show de horrores que sua mente insistia em reviver com nitidez. Não foi fácil se manter com os olhos fechados, mas obrigou-se; adormecendo por fim. "Levanta moxanna..." – a voz sebosa do elfo baforava seu juízo. A gritaria dos presos a sua volta se movia em uma violenta massa pulsante. "Mata... mata..." – os presos e guardas gritavam eufóricos, enquanto o sangue embargava a visão do garoto. "Eu não posso morrer..." – Sandro repetiu em pensamentos, lutando contra o corpo fraco. O tablado da morte sob seus pés. Ele precisava fugir daquela prisão, precisava tirar o irmão de lá, precisava resgatar o seu pai, encontrar sua vó, achar Anna... ele precisava fazer tantas coisas, mas seu corpo fraco, entorpecido e inútil não ajudava. "Eu não posso morrer..." – ele tentou falar diante da opressão que o sufocava. - EU NÃO VOU MORRERRRR... – O grito do garoto fez todos os elfos que estavam dormindo acordarem em um pulo assustado. - Mais que merda! - Você ficou maluco, bihaki O garoto acordou ofegante, o corpo suado, embora ele não soubesse dizer se era por causa do sonho ou do calor abafado. A escuridão do céu havia perdido sua força, dando lugar a um crepúsculo conturbado, ainda embargado pela densa neblina, limitando a visibilidade a poucos passos. - me dá água – Talician sussurrou em um gemido frágil. - Claro. Como se sente? – Sandro perguntou se sentindo entusiasmado ao perceber que o irmão retomara a consciência. Apressado ele procurou pelas botijas de água e não as encontrou. Sandro suspirou fundo, sentindo a raiva adormecer cada parte de seu corpo, o arrastando para o obscuro de sua alma, fustigando o animal que descobrira existir camuflado em seu corpo débil. Procurando as espadas que havia colocado ao lado do irmão, notou que mais nada havia ali, somente a bolsa vazia sob a cabeça de Talician. Alguém havia roubado tudo, exceto sua espada curta, que dormira no sulco de suas costas. Um habito que seu pai havia ensinado a ele e ao irmão desde que alcançara as primeiras memorias. - De pé... agora! – berrou sem se preocupar com farejadores ou qualquer outro perigo que os sondasse ali. - E agora? – o elfo anão resmungou se sentando. - Quem mexeu nas minhas coisas? – Sandro perguntou, cuspindo as palavras enfurecido. - Akhrus bihaki... ficou louco? – o elfo loiro, de cabelos caracolados e curtos, da província de Silla, arregalou os olhos assustado, olhando para os lados com medo que algum farejador pulasse de dentro da neblina. - Fui eu moleque – Sandro sentiu o frio da ponta da espada tocar a lateral de seu pescoço – eu estava com sede e advinha... – o elfo sorriu com escarnio e provocação, sem nenhum temor, com toda a audácia de um criminoso asqueroso e sem princípio. Todos os elfos acordados levantaram diante do alvoroço. A grande maioria deles ainda tentando compreender o que estava acontecendo. - Baixa essa espada i*****l – Ordenou um elfo de cabelos castanhos e caracolados, com uma cicatriz que atravessava o lado da face esquerda, do nariz ao pescoço. As asas marrom anunciava que pertencia a província de Rawen. - Esse fedelho não sabe de nada, mas se comporta como se fosse o líder – as palavras do elfo grande e m*l-encarado foram seladas por uma cusparada no chão – tá pra nascer o dia que um moleque de Ivka mande em mim. - Solta o garoto – Um careca grande, sem asas falou em tom de ameaça, mas o elfo que segurava a espada ciscou suas asas azuis, quase pretas, em sinal de ameaça. Ele sabia que ninguém ousaria enfrenta-lo, pois era o único que estava armado. Sandro virou-se, de modo a fitar seu oponente, que tinha os cabelos loiros trançados, as sobrancelhas falhas as custas de duas cicatrizes. Era alto e desnutrido, como a grande maioria ali. Enfurecido com a ousadia do garoto, o elfo chutou o garoto para a frente, pulando logo em seguida sobre ele, imobilizando-o de costas, como uma fera sobre sua presa. - Não se preocupe, não vou te matar – o elfo colou sua boca asquerosa no ouvido do garoto – até encontrar uma femea, vamos nos divertir bastante – ele sorriu mordiscando a orelha do garoto que agora se contorcia no chão como um animal contido. - Deixa o garoto em paz – arriscou Kaluste temeroso. - Isso mesmo, solta o garoto – Exigiu o elfo anão. - Calem-se seus ratos – Vociferou o agressor, segurando Sandro pelos cabelos, o obrigando a ficar de pé. O garoto colocou a mão nas costas, alcançando a espada curta, sentindo a força da espada subir por seus músculos, alcançando todo o seu corpo – Agora eu sou o líder aqui e quem achar r**m vai ocupar o lugar... – o elfo não terminou de falar, pois a espada curta do garoto, o perfurou no meio das pernas, fazendo com que ele caísse de joelhos. O grito de dor por causa da perfuração dos órgão genitais ecoou longe. Contorcendo-se, o elfo se encolheu apertando as duas pernas como se estivesse segurando um aborto inevitável. - Quer se divertir – Sandro perguntou limpando a espada na bata do elfo, que sentado sobre os joelhos segurava o ferimento com as mãos, tentando em vão conter a hemorragia dos órgãos perfurados – então vamos nos divertir – o garoto guardou sua espada nas costas, deformando a cara de seu oponente com as próprias mãos, o espancando até que ele caísse insciente, enquanto sangrava como um porco no chão.  O garoto se surpreendeu com o prazer que sentiu ao se ver de pé diante do corpo deformado do elfo aos seus pés.  - Mais alguém aqui está a fim de se divertir? – Sandro perguntou cuspindo no chão, ainda movido por uma raiva que parecia impossível de ser domada. Ninguém ousou abrir a boca, não por medo, mas por concordarem com a punição recebida pelo defunto.  A singela claridade do nascer do dia, não impôs grande diferença em relação a visibilidade do lugar. A bruma pegajosa e persistente se prostituía com a fumaça que fumegava das fissuras entre as pesadas placas de magma endurecido. Pegando o irmão nas costas, Sandro novamente liderou o grupo, agora de onze elfos. Ainda irritado com o que havia acontecido, ele se perguntava o que o prendia aquele grupo inútil de bandidos parvos. Atentos e receosos, eles se afastaram do local onde haviam passado a noite, deixando o corpo do elfo para trás, na certeza de que logo os farejadores encontrariam uma forma de o alcançar. O barulho de água fervendo e o calor que subia do chão, com o pesado odor de enxofre persistiam, mesmo após a longa caminhada. - Estamos ferrados! – choramingou o elfo da província de Silla – Como vamos saber pra onde estamos indo se não enxergamos um palmo a frente do nariz? - Cala boca infeliz, tá incomodado, volta pra prisão i*****l! – Azifild, o elfo grande, de pele n***a, da província de Aiden falou irritado. Todos estavam famintos, com sede e m*l-humorados. - Quer saber, eu vou dar o fora daqui voando, não vou morrer cozido nesse fim de mundo. Quem quiser ficar que fique! – O elfo magro e careca falou impaciente. - Eu vou com você – outro elfo grande, de pele morena, da província de Niran concordou sentindo a garganta arranhar por causa da sede; já impaciente com a jornada sem rumo que seguiam. - Não façam isso irmãos, serão devorados pelas Shikiras – Kaluste pediu consternado diante do momento difícil que todos enfrentavam. - Não me chame de irmão, gordo seboso – praguejou Ethain, o elfo careca – Prefiro morrer a ser irmão de um catraio prostituto de Nard. - Shhiii... – Sandro chiou em busca de silencio ao sentir uma baforada estranha vinda do meio da névoa. O garoto que cansado, tentava ignorar a insatisfação do grupo, imediatamente parou, assim como todo o restante do grupo. De repente, eles conseguiram ouvir com nitidez o barulho de ossos sendo quebrados, o que atraiu o olhar de todos na mesma direção. Forçando suas vistas, os elfos conseguiram ver a figura enevoada de uma Shikira devorando um farejador. Entretida, a fera preguiçosamente se deliciava de seu almoço. Não foi necessário nenhuma orientação para que todos recuassem na direção oposta em passadas rápidas, escalando as pressas um paredão de pedras em busca de se distanciarem o máximo possivel da criatura. Quando finalmente alcançaram o alto do vale, conseguiram ter visibilidade do lugar, só então notando que antes estavam dentro de uma grande declinação recoberta por uma densa nevoa de fumaça expelida pelas fissuras. - Estávamos dentro de uma cratera – falou Sandro - Por isso não conseguíamos ver muita coisa. O reflexo espelhado de um lago formado pelas chuvas acumuladas nas encosta dos vales, há algumas milhas a frente, era uma visão de tirar o folego, fora o verde exuberante das arvores sadias que se exibiam além do lago. Não havia sol, mas a claridade era generosa o suficiente para dizer a eles que as terras eram férteis e bem tratadas. - Estamos salvos bihaki! Estamos salvos! – Calen, o elfo da província de Silla quase chorou, hipnotizado pela visão que tinha. A agitação movida pelo animo dos presos aumentou em um alvoroço desordenado. - Quietos – Sandro exigiu em um rosnado. Quanto mais o garoto notava o comportamento e******o do grupo que o acompanhava, mais a irritação dentro dele crescia. Sandro nunca teve paciência em dividir assuntos com quem julgava inculto e agora se via cercado por labregos. - O garoto está certo seus imbecis, se saírem correndo como um bando de bois desgovernados, duvido que cheguem até o lago antes de virarem comida – Selvin, o elfo anão sem asas, concordou com Sandro, também impaciente com o temperamento de seus companheiros. As palavras do anão foram engolidas a contragosto pelo grupo, que só agora davam atenção ao restante do lugar em que estavam. - Ainda não sabemos nem mesmo se essa água é potável – Sandro avisou impaciente. A impressão que ficava era a que o garoto gostava de dar más notícias, afinal a ignorância do grupo camuflava todos os perigos presentes no lugar. - Vamos descer pelas laterais dos rochedos. - Isso mesmo. Façam o que o garoto diz – Azifild aprumou os ombros disposto a obrigar o grupo a seguir a risca as coordenadas de Sandro, admitindo por fim que o garoto tinha uma atenção mais aguçada que o restante ali presente.   A visão exuberante que se acendia diante deles, era suficiente para deixar todos animados e cheios de perspectivas. Em silencio, o grupo se dirigiu em direção aos paredões rochosos que contornavam as crateras.  
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD