Capítulo II

2555 Words
Capítulo II "O conforto de uma arma, é apenas uma alusão a segurança, pois o verdadeiro perigo jaz na alma morta..." E.Black Como uma peste que se alastra pelos ares, a cólera ruiu em cada corpo, em cada alma perturbada, alimentando a fúria contida da crueldade sufocada, a muito tempo adormecida. Sandro não tinha consciência do que fizera, talvez ninguém tivesse. Mas era tão óbvio, visto que aqueles presos já não se diferenciavam muito de animais ensandecidos, sem sonhos, sem perspectivas, mantidos sob o regime rigoroso de seus excretos. Violência. Caos. Selvageria. Três palavras que harmoniosamente tingiram as paredes e os pisos daqueles corredores, usando a mais cara matéria-prima desde a criação da humanidade. Lançando-se contra os guardas, os presos usavam os próprios grilhões como armas, espancando as cabeças dos soldados até as moldarem de forma a ficarem irreconhecíveis. Quem caia, tinha seu corpo pisoteado pela multidão, que agora só crescia, pois os presos que estavam tomando banho, eram mais numerosos que os guardas que os escoltavam. A medida que os grilhões caiam, a violência tomava mais espaço, se repercutindo com mais rapidez e eficiência. Os guardas tentavam fugir, mas os elfos que tinham asas, as usavam para se alavancarem sobre eles. Alguns bruxos ainda conseguiram alcançar seus medalhões, conjurando feitiços, provocando assim fortes estrondos e tremores no andar térreo, mas nada era suficiente para acalmar o ânimo alimentado pelo forte almíscar da liberdade. - Vamos soltar todos! – Gritou um dos presos que encabeçava a rebelião, tomado pela adrenalina do momento, consciente de que eles precisavam reunir o máximo de força possível, se quisessem sair dali. Ainda no andar térreo, Kaluste e Anafei ajudaram a tirar Talician do chão. Anafei era um elfo comum, sem asas, de corpo magro, desnutrido pelo álcool e feições desgastadas pelos maus tratos de uma vida desgarrada. - Precisamos ir – Kaluste avisou a Sandro, com os olhos arregalados. O medo de perder a oportunidade de fugir o assombrando, ninguém queria ficar para trás. - Vamos segui-los – Sandro apontou para um grupo seleto de presos, que tomava um rumo completamente inesperado, sumindo por corredores completamente desconhecidos por ele. A convicção com que aqueles presos se moviam, diziam ao garoto que aquela certamente era a forma mais segura de fugir dali, talvez até mesmo a única. Sandro não conhecia nada da prisão e isso era um grande problema, mas ele sabia que Kazres era a prisão mais segura dos sete reinos e isso era suficiente para que ele duvidasse que uma rebelião desorganizada terminasse bem.  - Você o conhece? – Sandro perguntou a Kaluste, indicando com o olhar o aparente líder do grupo que seguia a frente deles. - Ele foi comandante da guarda daqui de Kazres, Atariel, irmão da rainha Nazmy. Foi preso aqui pelo general-mor, por receber relíquias para ajudar na fuga de presos. - Então ele certamente sabe o que está fazendo. - Ele ficava preso em uma ala especial, acho que o trouxeram para arrancarem suas asas... dizem que... - É melhor ficar quieto, depois continuamos essa conversa – Sandro tomou Talician das mãos de Kaluste e o jogou sobre as costas, pois corriam o risco de se perderem dos outros, que a cada momento se moviam mais rápido. A medida que seguiam pelos corredores, o barulho da confusão atrás deles se tornava cada vez mais distante. Atariel havia tomado uma tocha nas mãos, assim como outros dois elfos de asas rajadas ao lado dele. Pela falta de iluminação e pelas teias de aranhas, dava para perceber que aqueles corredores não eram mais usados há algum tempo. Apesar de não ter mais ninguém naqueles corredores, o coração do garoto esmurrava-se contra o peito. A boca seca e rachada implorava por um pouco de água, mas naquele momento, aquela era a última de suas preocupações. - O que querem atrás de nós? – Atariel perguntou quando entraram em uma sala cheia de objetos velhos espalhados pelas estantes empoeiradas, pelos cantos e sobre algumas mesas. A sala escura tinha um pesado cheiro de mofo e poeira, causando coceira e irritação na garganta. O estranho deposito de quinquilharias não tinha janelas, o que muito chamou a atenção do garoto, que sentiu uma suave brisa ventilar por suas pernas. - O que vieram fazer aqui ? – Sandro perguntou parado no meio do salão, enquanto Atariel e os outros quatro elfos reviravam os objetos empoeirados. - Um gordo, um velho, um moleque desacordado? Não espera que eu os ajude? – Atariel ainda estava pelado, os cabelos cacheados e loiros descendo até o meio das costas. - Não preciso de ajuda, só quero saber o caminho. - Não tem nenhuma chance de sobreviver pelo caminho que vamos seguir – O elfo garantiu vestindo uma calça de couro marrom e uma camisa preta – Se livre deles e poderá nos acompanhar. - Essa não é uma opção – Sandro garantiu convicto e Anafei com Kaluste se sentiram amparados diante da determinação do garoto. - Você é um preso, não um herói moleque, aproveite a chance que estou te dando. - Por onde o ar está entrando na sala? – Sandro questionou fitando o alto do teto escavado, notando que nele não havia buracos. - Muito bem observado – Atariel ponderou, prendendo o cinturão de uma espada nos quadris – A passagem é por ali – apontou para um armário velho contra a parede – Não se esqueça de devolver o armário ao lugar – Ele avisou antes de seguir com os outros quatro presos, buraco a dentro. Paralelo a a******a que os elfos haviam entrado, haviam dois outros buracos menores, protegidos com grades. Aquele certamente havia sido a passagem que o elfos usava para libertar os presos em troca das relíquias. Concluiu o garoto. Um estrondo vindo do corredor, anunciava um alvoroço inesperado. A sala inteira tremeu, ocasionando fissuras nas paredes com uma chuva de fragmentos de rocha e poeira que se desprendiam do teto e das paredes, certamente ocasionado pelo ataque de algum amuleto poderoso. Cerca de vinte elfos entraram na sala as pressas, fugindo do confronto que ardia nos corredores. - Os bruxos estão matando todo mundo. Estamos ferrados! – O elfo loiro, com traços típicos da província de Silla, tremia por causa do nervosismo. - Desçam pelo buraco agora e me aguardem do lado de lá – Sandro ordenou e os presos não se aborreceram diante da ordem. O garoto rapidamente pegou uma bolsa, onde enfiou um par de roupas, que nem mesmo sabia se o servia, depois pegou duas espadas, dois punhais e duas botijas de agua que ele não tinha ideia de quando haviam sido largadas ali. Olhando para o lado, viu que um dos presos alcançou uma bainha que ele reconheceu. A bainha de sua espada curta. Sem gentileza ele a tomou do elfo de quase dois metros de altura. - Essa espada me pertence, pegue alguns arcos – Sem esperar pela resposta, o garoto prendeu as duas bainhas ao corpo ainda nu. Depois vestiu uma calça de couro preta e uma bata que a principio não soube se era creme ou se simplesmente estava encardida. O barulho de gritos e correria vindo do corredor anunciava que o tempo havia acabado. Movimentando as mãos, Sandro fez sinal para que todos se apressassem em seguir pelo buraco escuro. Talician já havia sido levado por Anafei e Kaluste, que foram os primeiros a rastejarem para dentro do buraco. Sandro puxou o armário, tampando o buraco, assim que entrou nele. O cheiro da liberdade e o medo do fracasso o reviraram em espasmos ansiosos. A porta da sala logo foi arrombada e invadida pelos guardas bruxos, que rapidamente seguiram para as outras salas. - Não poupem nenhum desses ratos imundos – Sandro ouviu a voz enfurecida do guarda sumir pelos corredores movimentados. O buraco escuro se revelara um longo túnel de paredes irregulares. A medida que eles adentravam, mais escasso o ar se tornava, causando uma forte sensação de claustrofobia. - Voc... – o preso que engatinhava na frente do garoto, fez menção de falar, mas o garoto o interrompeu com um chiado impaciente dos lábios, exigindo silencio. Aquele não era o momento para dúvidas, fosse o que fosse, eles estavam em um caminho sem volta. A grande maioria dos presos tinham asas, pois, apesar de serem a minoria na prisão de Kazres, os elfos que tinham asas haviam sido aglomerados no salão, antes da fuga. Justamente por isso, o caminho percorrido estava deixando uma trilha de penas que se divergiam em diversas cores e tonalidades. Volta e meia um dos presos praguejava quando tinham suas asas feridas pelas irregularidades das paredes. Mesmo diante da dor e da fadiga, Sandro tentava lembrar de seus estudos a respeito de Kazean. Assim como seu tio Darren, ele gostava muito de estudar a natureza, coisa que nem seu pai, nem seu irmão demostravam muito interesse. Os farejadores, as chuvas, os vulcões. Uma torrente de informações se atropelavam em sua cabeça. "Não é possivel sobreviver em Kazean" – seu pai garantiu uma vez. "Onde vive uma espécie, vive qualquer outra! Somos todos animais em busca de sobrevivência" – seu tio Darren havia dito uma vez. Para o bem dele e do irmão, ele precisava que o tio estivesse certo. Após rastejarem por um bom tempo naquelas escavações, o ar abafado e sufocante, foi dando lugar a uma massa de ar, ora quente, ora fria, mas sempre com um forte cheiro de enxofre. Deixando o buraco, Sandro foi surpreendido por mais de vinte elfos o aguardando. Vinte e três, se fosse mais exato, não contando com o irmão é claro, que desacordado, estava apoiado na parede da montanha. O garoto olhou para os presos, as feições escondidas na penumbra do que parecia ser o meio da noite. Um campo aberto, preenchido por arvores de troncos finos e despidos de folhas, recobertos por uma densa camada de nevoa se estendia atrás deles. O céu estava tingido em uma escuridão que parecia ter vida, com suas margens desenhadas em contornos que lembravam as ondas do mar, em um vermelho sangrento, concedendo assim alguma claridade ao ambiente em que as sombras pareciam ter vida. - E então rapaz... Disseram que você sabe como nos tirar daqui – um elfo pequeno, troncudo e sem asas, perguntou duvidoso. Pela reação dos presentes, aquela era a pergunta de todos. - Nunca estive aqui e não garanto a segurança de ninguém, mas quem quiser vir comigo terá que se submeter as minhas ordens. Um fungado de escarnio e reprovação saiu da meio dos presos. - Pelo menos foi honesto. Vamos embora bihaki, o moleque não sabe de {1}kihara nenhuma – um dos presos falou dando as costas para Sandro. Outros dez presos o seguiram impaciente e os outros permaneceram de pé onde estavam, sem bem saberem que decisão tomar. Pisando em gravetos e soltando xingamentos e reclamações, o grupo foi se afastando, desaparecendo por entre os troncos de arvores retorcidos, que se perdiam no nevoeiro. - Você pelo menos sabe pra onde temos que ir? – o elfo troncudo perguntou contrariado e Sandro logo entendeu que ele não havia seguido os outros, mais por falta de opção, do que por confiar em suas palavras. - Acredite, por enquanto esse é o menor dos nossos problemas – ele garantiu e antes que alguém conseguisse questionar sua afirmação, gritos de dor e desespero repercutiu pela nevoa, deixando todos em estado de alerta máximo. A primeira reação de todos foi correr, mas Sandro estendeu suas mãos, abrindo suas asas para melhor ser visto, exigindo assim que todos ficassem quietos. Os olhos dos presos estavam tão esbugalhados de medo, que era possivel enxerga-los com nitidez. Ninguém queria ficar calmo naquele momento. O rosnado dos farejadores parecia tão próximo que era difícil se manterem sobre as pernas. O garoto pegou o irmão nas costas e em passadas rápidas e macias, seguiu para o lado oposto de onde os gritos vinham. Os rosnados dos farejadores anunciava que uma grande quantidade deles se dirigiam na direção que os outros presos gritavam, os chamando para o banquete. - Socorro! – Alguém gritou muito próximo, enquanto a vegetação se quebrava em movimentos agressivos. O barulho do corpo sendo arrastado fez o medo consumir o juízo até dos mais corajosos. Ninguém ousou ficar para trás. Todos imitavam os passos macios do garoto, que se movia o mais rápido que conseguia, sem fazer barulho. As perguntas eram muitas, entretanto ninguém tinha coragem de abrir a boca, tamanho era o medo de fazer qualquer barulho. A medida que Sandro descia por entre as rochas, a densa camada de fumaça, o calor e o fedor de enxofre aumentava. "Está nos levando para a morte" – Pensou o elfo anão consigo, após caminharem por um longo período. O caminho que o garoto tomava era assombroso e cada vez mais quente, deixando todos desconfortáveis e temerosos. - Tenham cuidado. Se eu estiver certo, estamos caminhando sobre placas de magma endurecido. Se caírem em uma fissura, morrerão cozidos – Sandro avisou mantendo a voz baixa. - Por que está nos trazendo pra cá então? – questionou Kaluste em um sussurro, se sentindo terrivelmente incomodado por saber que certamente era o mais pesado do grupo. - Porque nenhum animal que queira viver, vai ficar perto de um lugar onde corre o risco de morrer cozido – ele respondeu o óbvio. - Parem – Sandro ergueu o braço, apesar de ninguém estar enxergando quase nada, por causa da fumaça misturada a bruma – conseguem ouvir? - É o barulho de agua borbulhando! – Um dos elfos falou tomado de espanto e todos se atentaram ao barulho. - Não podemos ficar em um lugar desses – outro elfo falou sentindo o suor descer pelo meio das costas. - Está quente, mas teremos que passar a noite aqui – Sandro anunciou aos presos que agora estavam com medo de moverem os pés. - Não podemos ficar aqui. Estamos em cima de um vulcão ativo bihaki! Essa Kihara está quente como o inferno, fede pra caramba – um dos presos se opôs indignado, perdido na escuridão, pois a região em que estavam era mais declinada, perdendo completamente a claridade que já era pouca. - Usem a cabeça – Sandro pediu impaciente - Quanto melhor e mais confortável for o lugar, mais perigoso ele será. - Ou seja, o que é bom pra nós, é bom para os outros animais, logo... – Kaluste raciocinou em voz alta. - Faz sentido – O elfo anão concordou lembrando dos rosnados dos farejadores – Vamos nos acomodar então {2}binti Kalb! – xingou. Entregando Talician aos cuidados de Anafei, Sandro sondou a região, até encontrar um lugar onde o magma seco estava mais espesso e mais antigo, fornecendo um ambiente menos quente para que pudessem passar a noite. Acomodando o irmão no chão com a cabeça sobre a bolsa de pano, Sandro bebeu agua e umedeceu os lábios do irmão, que ainda permanecia desacordado. Apesar do m*l cheiro da botija de água, o garoto o ignorou, não tinha ideia de quando conseguiriam água fresca.  Um vendo frio passou pela declinação em se encontravam, movimentando a nevoa que pesava sobre eles; demonstrando a grande oscilação de temperatura do lugar. {1} – Kihara: Xingamento (Merda). {2} – binti kalb: Xingamento (filhos da p**a).
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