A Traição no Escritório

1215 Words
A vida voltou a ter barulho — mas não o tipo bom. O som que enchia a casa era o da televisão, que eu ligava apenas para quebrar o silêncio. As vozes de repórteres e ingleses de propaganda eram a única companhia que eu tinha nas manhãs longas e vazias. Acordei com um gosto amargo na boca. Mais um dia. Mais uma ausência dele. O calendário da parede marcava três semanas desde a última vez que Leonardo cruzou aquela porta. Três semanas desde que ele escolheu o silêncio. Três semanas desde que eu decidi sobreviver a ele. Fiz café, sentei na poltrona e comecei a folhear uma revista antiga. Mas foi o som da televisão que me fez parar. “— E agora, uma imagem exclusiva do CEO da Valença Group, Leonardo Valença, em um evento beneficente na noite de ontem...” Meu coração gelou. Levantei o olhar lentamente, e lá estava ele. Na tela. Impecável. O terno preto, o sorriso ensaiado, a mão segurando uma taça de champanhe. E, ao lado dele, Camila. Ela usava um vestido vermelho que gritava provocação. O braço dela pousava sobre o dele com i********e, e as câmeras capturavam o momento em que ela sussurrava algo no ouvido dele — e ele sorria. O mesmo sorriso que um dia me fez acreditar que havia amor. O repórter continuava: “O casal foi visto trocando risadas durante o evento da fundação Monte Azul. Fontes próximas afirmam que os dois estão se reaproximando após anos separados.” Casal. A palavra me atravessou como uma lâmina. Desliguei a TV com força. O silêncio que veio depois foi ensurdecedor. Senti o estômago revirar, a garganta secar. Mas não chorei. Não dessa vez. Fui até o espelho. O rosto pálido, os olhos fundos, o ventre começando a crescer. Toquei a barriga com as mãos trêmulas. — Viu isso, meu amor? — perguntei, num fio de voz. — O seu pai sorri pra outra mulher enquanto finge que a gente não existe. As lágrimas arderam, mas eu as engoli. Porque chorar por ele seria dar poder ao homem que já me tirou tudo. Sentei na beira da cama e respirei fundo. O ar parecia pesado, a casa pequena demais pra conter tanta decepção. As horas passaram lentas. Cada minuto era um castigo. O coração batia rápido, tentando acompanhar o turbilhão de emoções que eu não sabia nomear. Raiva. Tristeza. Desprezo. Tudo junto, misturado, sufocando. Peguei o celular. Abri as redes sociais. E lá estava. Leonardo Valença e Camila Duarte juntos novamente? As manchetes se repetiam em sites e colunas de fofoca. As fotos multiplicavam-se como farpas, cada uma mais c***l que a outra. Ele sorria. Ela brilhava. E eu… eu era o escândalo que ele queria apagar. Os comentários eram ainda piores. “Eles formam um casal lindo!” “A esposa dele sumiu, né? Deve estar em algum spa.” “Essa garota nunca foi do nível dele.” Respirei fundo, sentindo o gosto salgado das palavras que não podia responder. Mas dentro de mim, algo mudou. Até ali, eu ainda esperava que ele voltasse. Que algum resquício de humanidade o fizesse lembrar do que tínhamos — ou do que quase tivemos. Mas agora, tudo estava claro. Ele não apenas havia me deixado. Ele havia me substituído. No fim da tarde, saí de casa. Precisava de ar, de movimento, de qualquer coisa que não fosse aquela prisão dourada. O segurança tentou me impedir, mas o olhar que lancei bastou pra que ele se afastasse. Caminhei até o portão, senti o vento bater no rosto e, pela primeira vez em semanas, respirei fundo sem medo. A cidade seguia viva — indiferente à minha dor. Pessoas riam, carros passavam, a vida acontecia. E eu entendi: o mundo não parou por causa do meu sofrimento. Então por que eu ainda estava parada? Voltei pra casa no início da noite. A lua cheia iluminava o corredor, e a mansão parecia ainda maior na escuridão. Subi as escadas devagar, sentindo o peso do corpo e da alma. No quarto, o reflexo do espelho me esperava. Olhei pra mim mesma e, pela primeira vez, não vi uma vítima. Vi uma mulher que havia sobrevivido à própria ruína. Abri o diário e comecei a escrever: Hoje ele apareceu na TV com outra mulher. A mesma mulher que um dia disse que eu nunca seria suficiente. E talvez ela esteja certa — não sou suficiente pra ele. Mas sou suficiente pra mim. E pro filho que carrego. Fechei o caderno e encarei o teto. As lágrimas finalmente vieram, mas eram quentes, libertadoras. Não de fraqueza — de libertação. Mais tarde, o telefone tocou. Olhei o visor. Era ele. O coração acelerou. Por um segundo, o orgulho vacilou. Mas atendi. — O que você quer? — perguntei, antes que ele dissesse qualquer coisa. — Isabella… — a voz dele estava rouca, distante. — Não acredite no que estão dizendo. Ri, sem humor. — No que, exatamente? No fato de que você apareceu com a sua ex em um evento enquanto eu cuido sozinha do filho que você não quis? — Não é o que parece. — Então me explica, Leonardo. Porque a única coisa que parece é que você não sente vergonha nenhuma. Silêncio. O silêncio covarde dele. — Você não entende — disse, por fim. — Foi um evento da empresa, relações públicas… — Relações públicas com direito a sussurro no ouvido e taça compartilhada e de sobremesa a b****a dela? — cortei, fria. — Parabéns. Você sabe representar bem. — Eu não devo satisfações. — Então por que ligou? Outro silêncio. Respirei fundo. — Escuta, Leonardo. Eu não vou ser sua sombra. Nem seu escândalo, nem sua culpa. Eu vou ser a mãe do seu filho, e isso já é mais do que você merece. — Isabella… — Não. — Interrompi. — Você fez a sua escolha. Agora viva com ela. E desliguei. O som do telefone mudo ecoou na casa inteira. Mas, dessa vez, o silêncio não me destruiu. Me libertou. Fui até a janela. A noite estava clara, o vento frio, o coração calmo. Toquei o ventre e sussurrei: — O seu pai pode ter esquecido da gente, mas eu não vou esquecer de quem eu sou. Senti um leve movimento, e sorri. Era como se o bebê dissesse: “eu sei.” Peguei o diário mais uma vez e escrevi: Hoje, finalmente, o amor morreu. E junto com ele, nasceu algo novo: respeito por mim mesma. Fechei o caderno, guardei na gaveta e apaguei a luz. O quarto ficou em penumbra, iluminado apenas pelo luar. Deitei e fechei os olhos. O coração batia firme, sem pressa. E antes de adormecer, prometi pra mim mesma: — Eu não vou mais chorar por ele. Na manhã seguinte, acordei diferente. Não havia mais raiva, nem desespero. Havia uma estranha calma — a calma de quem finalmente aceita o que não pode mudar. Vesti uma roupa leve, prendi o cabelo e fui até o espelho. Olhei a mulher refletida ali. A mesma que ele tentou destruir. A mesma que ele ignorou. Mas agora, mais forte, mais viva, mais dona de si. Sorri. — Bem-vinda de volta, Isabella. E, naquele instante, percebi: às vezes, a traição não vem pra destruir. Vem pra despertar.
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