O Dia em que o Mundo Caiu
A vida muda em segundos.
Às vezes, basta um toque no telefone para o chão desaparecer.
Naquela manhã, eu só pensava em entregar meu projeto final de Arquitetura e comemorar o estágio que começaria na próxima semana. O sol batia forte sobre o campus, e eu tinha a sensação de que, finalmente, as coisas estavam se encaixando.
Mas o celular tocou.
E a voz da minha mãe destruiu tudo.
— Isa... volta pra casa. É o seu pai.
Ela chorava. Eu nunca ouvi minha mãe chorar daquele jeito.
— O que aconteceu? — perguntei, o coração já acelerando.
— Apenas vem. Agora.
Desliguei e corri.
O trajeto que levava vinte minutos pareceu um túnel sem ar. Quando parei em frente à casa, havia dois carros pretos estacionados. Homens de terno. Um deles segurava uma pasta. O outro... o outro era o tipo de homem que você sente antes de olhar.
Alto, terno escuro, ombros retos e um olhar que parava tudo ao redor. Leonardo Valença. O nome veio à minha mente como um eco familiar — o CEO que comandava a Valença Corporation, um império que todo mundo respeitava ou temia.
Mas o que ele fazia na minha porta?
— Isabella Monteiro? — perguntou ele, com uma calma que mais parecia ameaça.
Meu nome na boca dele soou como uma sentença.
— Sim. Sou eu.
Meu pai, pálido, interveio:
— Filha, entra pra dentro, por favor.
Mas o homem não se moveu.
— Seu pai e eu temos negócios pendentes.
Negócios.
Aquela palavra, dita por ele, me fez sentir que alguma coisa terrível estava prestes a acontecer.
— Negócios? — repeti. — Que tipo de negócios?
O olhar de Leonardo se manteve firme no meu pai.
— O tipo que envolve trinta milhões desaparecidos e uma traição que eu não costumo perdoar.
Meu coração gelou.
— Isso é algum tipo de engano! — gritei.
Leonardo abriu um sorriso curto, sem emoção.
— Eu não erro, senhorita Monteiro. Nunca.
Meu pai passou a mão pelo rosto, suando.
— Eu posso resolver, senhor Valença... só preciso de tempo.
— Tempo não paga dívida — respondeu ele, frio. — Dinheiro, sim.
— Eu não tenho! — papai implorou. — Por favor, eu não tenho mais nada!
O silêncio foi sufocante. Leonardo o observava como quem assiste a um animal ferido.
— Então terá que oferecer outra coisa.
Olhei de um para o outro, sem entender.
— Outra coisa?
Ele desviou o olhar pra mim.
Um olhar que me fez querer recuar, mas meus pés ficaram presos ao chão.
— Talvez algo que valha tanto quanto o que perdi.
Meu pai começou a chorar.
— Isabella, me escuta…
— Pai? O que ele tá dizendo?
Leonardo deu um passo à frente.
— Estou oferecendo uma saída. Seu pai fica livre. E você se torna minha esposa.
A sala girou.
Eu ri, sem conseguir acreditar.
— Isso é uma piada de mau gosto, certo?
— Não costumo brincar com negócios.
— Negócios?! Isso é insanidade!
— Chame como quiser. Eu o mantenho fora da cadeia e, em troca, você se casa comigo.
— Isso é tráfico humano! — explodi. — O senhor está se escutando?
— Estou. E estou oferecendo uma escolha. Não sou eu quem precisa de misericórdia, senhorita Monteiro.
Meu pai se aproximou, desesperado.
— Isabella, por favor… é a única forma.
Olhei pra ele e senti o mundo quebrar dentro do peito.
— O senhor tá me vendendo, pai?
Ele chorou.
— Eu tô tentando te proteger.
— Me proteger? Me jogando nas mãos dele?!
Leonardo cruzou os braços, observando a cena com aquele olhar frio, impassível.
— Eu posso levá-lo agora mesmo. A escolha é sua.
As lágrimas ardiam, mas eu me recusei a chorar na frente dele.
— O senhor é doente.
— Sou justo — corrigiu. — O roubo foi pessoal. A punição também será.
— O senhor quer me usar pra se vingar.
— Quero que seu pai sinta o peso das próprias escolhas.
— Isso é crueldade!
— É negócio.
Havia algo assustador em como ele falava sem alterar o tom, como se nem fosse humano.
Ele se aproximou, até o ar entre nós parecer eletrificado.
— Você tem quarenta e oito horas. Depois disso, seu pai será algemado e eu mesmo estarei lá pra ver.
— O senhor não pode fazer isso.
— Posso tudo.
As palavras dele tinham a certeza de quem já venceu.
Meu pai caiu de joelhos.
— Filha, eu imploro... não me deixa ir pra cadeia.
— Eu não acredito que você tá me pedindo isso.
— É só no papel. Ele prometeu que você não vai precisar... — A voz falhou. — ...dividir nada com ele.
Leonardo riu.
— Eu nunca prometi isso.
O olhar dele encontrou o meu. Havia desafio, domínio, e algo que me fez tremer — não de medo, mas de raiva.
— Por que eu? — perguntei. — Com tantas mulheres que fariam fila pra isso, por que eu?
— Porque nenhuma delas foi filha do homem que me enganou.
Fechei as mãos em punhos.
— Eu o odeio.
— O ódio é um bom começo — respondeu, sem hesitar. — Pelo menos é uma emoção forte.
— Eu juro que nunca vou me casar com o senhor.
Ele inclinou a cabeça, como se gravasse minhas palavras.
— Então trate de rezar pra que eu mude de ideia antes das quarenta e oito horas.
Virou-se e saiu, deixando o perfume caro e o som da porta batendo.
O silêncio que ficou parecia gritar.
Meu pai chorava, e minha mãe, quieta no canto, apenas dizia “Deus nos ajude”.
Subi pro meu quarto como uma prisioneira. A cada degrau, a raiva crescia.
Peguei o celular e digitei uma mensagem pro meu melhor amigo, mas apaguei antes de enviar. Eu sabia que ninguém podia me salvar disso.
Naquele instante, o mundo inteiro parecia ter desabado sobre mim.
O meu pai havia me traído.
E um homem que eu m*l conhecia tinha acabado de decidir meu destino.
Olhei pro espelho. Meus olhos estavam vermelhos, mas havia algo novo neles — algo que nem eu reconheci de primeira.
Coragem.
Não importava o que ele dissesse, o que ele ameaçasse.
Leonardo Valença podia ser dono do dinheiro, do poder, das leis…
Mas nunca seria dono de mim.
Ainda não.