EDGAR:
Levei as malas dela até o carro com as mãos que tremiam mais por dentro do que por fora.
Cada gesto parecia retardado, como se eu estivesse atravessando um filme em câmera lenta, pegar a mala, abrir o porta-malas, guardar, fechar a tampa.
Quando finalmente sentei ao volante e virei o rosto pra ela, senti a cabeça a mil.
Tantas malditas perguntas!
Como ela conhecia ele? Desde quando? Porra... Ele chamou ela de Bianca? Era um cliente.
Era por isso que ela estava naquela maldita empresa? Foi assim que ela foi bater lá? Por causa dele?
Desde quando!? Essa... Era a p***a da pergunta que me assombrava.
— Você estava… na empresa naquele dia, por causa dele?
soltei, firme, cortando a fumaça que ainda me cegava por dentro.
Ela suspirou, pesado, e o som me atravessou.
— Edgar…
ela começou, com aquele tom que pedia calma.
Fechei os olhos por um segundo, tentando negar que já sabia, tentando negar a raiva que me enchia.
Mas precisava saber, caramba!
— Há quanto tempo?
perguntei curto.
— É o meu trabalho.
ela respondeu, tentando encobrir aquilo com praticidade.
Eu não deixei ela escapar. Corrigi de imediato, incisivo:
— Era!
O silêncio que caiu sobre nós foi quase físico.
Ela me olhou, e eu a olhei com aquela certeza que não admite evasivas.
— Era, Clarisse. Era! Não é mais.
empurrei com a voz.
Ela mordeu o lábio, e a verdade veio, nua.
— Quanto tempo!?
Ela suspirou receosa.
— Ele foi meu primeiro cliente.
disse, simples demais, como se cortasse qualquer chance de voltar atrás.
A chama dentro de mim explodiu.
— dez anos atrás? É isso!?
perguntei, como se já soubesse a resposta e precisasse que ela confirmasse a facada.
Ela apenas acenou, incapaz de dizer mais.
Não precisava dizer.
Aquele fio que ligava tudo, se mostrou como uma condenação.
10 anos... p***a. Dez anos com ele?
Soltei o ar com força, passando a mão no rosto até sentir a pele queimar.
— Eu não tinha você.
falou como justificativa, uma voz pequena por trás da tempestade.
— Eu precisava me virar. Sobreviver. Ele estava lá.
— p***a!
bati com força no volante, o som fazendo a cabine tremer.
Ela se assustou, e eu senti cada pedaço de raiva e de medo se misturarem.
— Você tem ideia do quanto isso é difícil pra mim?
minha voz falhou.
— Eu te amo! E só de imaginar... Ele te tocando te...
Parei por não conseguir formular a merda daquele pensamento.
Isso me enlouquecia.
Ela suspirou, dividida, e eu senti meu peito se abrir ao meio.
— Por que mentiu pra mim?
fui direto.
— Por que disse que estava “visitando uma amiga”?
— Se eu dissesse que estava lá por causa de um homem…
ela interrompeu, a voz carregada de vergonha.
— Como você me olharia, Edgar?
A pergunta pesou.
Eu revidei, tenso.
— Eu não te menosprezo.
disse, tentando compreender algo que me doía.
— Eu tinha que fazer o trabalho, precisava fazer o que tinha que fazer.
Ela encarou o painel por um segundo, depois me olhou com os olhos molhados.
— Mas não precisa mais!
falei, com a convicção de quem se agarra à única possibilidade real.
Inclinei o corpo, segurei seu rosto com as duas mãos como se prendesse o mundo nas minhas palmas.
— Eu tô aqui agora.
falei baixo, com posse, com promessa.
Ela fechou os olhos, entregando-se ao som do meu coração.
— Ninguém te toca mais!
síbilei, incendiando qualquer dúvida.
— Pra onde você ia? Por que ele estava lá?
perguntei, querendo detalhes, explicações que não apagariam o que já tinha sido feito, mas que me ajudassem a entender a extensão daquilo.
— Ele disse que ia se separar. Que me tiraria disso…
A voz dela saiu pequena, quase fetal.
— Vai uma ova.
cuspi, rindo amargo.
As palavras de Gusmão, dizendo que se separaria, queimavam na minha cabeça, era ele quem havia falado isso.
A ideia de que aquele homem, que eu tinha como padrinho, como segundo pai...
O pai da mulher que eu acabei de deixar no altar...
Imaginar que ele havia se declarado por ela um dia transformava tudo numa raiva gelatinosa.
Ainda assim a verdade mais crua era essa: Gusmão havia prometido mundos. E agora era meu grande concorrente.
por pouco tempo. Não iria deixar, não mesmo!
As buzinas começaram a soar ao longe.
O tempo pressionava. Ela olhou, aflita.
— Não podemos ficar aqui.
disse ela.
Abaixei o rosto, e capturei seus lábios, puxando ela pelo que restava de coragem.
O beijo foi curto, contido, mas carregado como uma sentença.
— Acabou, ouviu bem?
sussurrei ao puxar o rosto dela para mim.
— Tudo isso acabou, Clarisse!
Ela assentiu com um fio de voz.
— Tá.
mal saiu. Sua voz baixa em um sussurro.
Soltei seu rosto. O comando tomou minha voz:
— Vamos sair daqui.
Arranquei o carro.
O motor ronronou, e cada quilômetro que deixávamos pra trás parecia queimava um pouco mais da história de antes.
A estrada foi um misto de demônios e afirmações.
A cada semáforo eu repetia para mim mesmo: ela é minha.
Não importa o que Gusmão vá fazer, ou quem mais se interponha. Eu a tinha ali, respirando ao meu lado, e isso era agora tudo o que importava.
Ela é minha!
E Ninguém vai tirar isso de mim.
....