Uma proposta absurda.

1400 Words
O tempo foi passando e eu descobri que a Donna só estava naquela cidade porque o pai dela tinha sido internado. Na verdade, ela nem morava ali. Todas as noites eu a via sair arrumada, impecável, com vestidos elegantes, decotados, maquiagem marcante e salto alto. Não era difícil imaginar com o que ela trabalhava. Mas eu nunca a julguei. Como poderia? Ela era tudo que eu tinha. A única que me acolheu quando ninguém mais quis. Dura às vezes, é verdade, mas era a única que entendia as minhas dores. E então, um dia, a notícia que ela tanto esperava chegou. Eu estava ao lado dela quando atendeu ao telefone. O sorriso que abriu iluminou o rosto inteiro. — Finalmente! disse animada. — Pode trazer ele direto pra casa. Era o pai dela, ele finalmente teve alta do hospital. Assim que desligou, eu perguntei: — Você vai voltar pra sua cidade? — Vou, sim. Minha vida não é aqui. Não mais. Aquilo me deixou estranha. Eu só pensava em como iria sobreviver ali agora. Acho que ela percebeu, porque me olhou de canto de olho e falou: — Você não pensa em procurar seus pais? Respirei fundo. — Não. Eles nunca me aceitariam de volta. E minha mãe… depende do meu pai. Nunca iria contra ele. Houve um silêncio que pareceu durar uma eternidade. Ela parecia pensar em alguma coisa, e então soltou: — Você poderia vir comigo. Arregalei os olhos. — Eu? — Lá a cidade é enorme, tem muito trabalho. É totalmente diferente daqui. Não pensei duas vezes. — Eu vou! Ela estreitou os olhos, séria, como sempre fazia quando queria ter certeza de alguma coisa. — Tem certeza? Não quero ninguém jogando a responsabilidade em mim depois que se arrepender. Ainda dá tempo de procurar sua família. — Eu tenho certeza. — Então tá. Vou comprar as passagens. Não sabia nem como esbanjar reações, mas, só conseguir pensar no dinheiro que não tinha. — Donna… eu não tenho dinheiro. Ela deu de ombros, quase rindo. — E eu falei em dinheiro? Relaxa. Vou ganhar muito mais quando chegar lá. ... No dia que o pai dela voltou do hospital, nossas malas já estavam prontas. Eu estava ansiosa para conhecê-lo. Queria entender quem era o homem por quem ela sacrificava tanto. Mas a cena não foi nada como eu esperava. Assim que ele entrou em casa e me viu, franziu o rosto e disparou: — O que essa garota faz aqui, Maria? Eu já falei que não quero essa mulher na minha casa! A cuidadora, nos olhos com vergonha. — Franscisco, é sua filha. Meu sorriso morreu no mesmo instante. Donna revirou os olhos. — Você é mesmo um ingrato! — Eu não quero prostituta na minha casa! — Eu deveria ter deixado você morrer! — Saia daqui agora! Saia da minha casa! Eu fiquei sem reação, paralisada. Mas Donna apenas respirou fundo, pegou minhas coisas e me puxou. — Vem. Vamos embora daqui. Seguimos pela rua em silêncio, até que ela mesma quebrou o clima pesado: — Ele não mentiu. Eu a olhei sem saber o que dizer. — Mas não sou prostituta dessas mequetrefes, não. Eu sou cara. Só os grandes me têm, e pagam bem por isso. respirei fundo. Ela falava mais para si mesma do que para mim. — Ele nunca aceitou quando eu escolhi essa vida. Mas eu precisava. Se não fosse por mim, ele teria morrido sem tratamento. Eu paguei tudo. — Eu… não vou te julgar. murmurei. Ela virou o rosto para mim, surpresa. — Às vezes penso que deveria ter abandonado ele. Só não fiz porque ele não me abandonou, como minha mãe fez quando eu era criança, ele me criou sozinho. Eu não sabia muito sobre o passado dela, mas entendi, naquele instante, que essa dor era parte do que tinha moldado a mulher que me estendia a mão. — É só por isso que ainda cuido dele. completou. Abrir um sorriso de leve. — Isso é muito bonito. Ela apenas suspirou, chamou um táxi e segurou minha mão. — Vem. Agora sim, vamos pra casa. E ali, dentro daquele carro, eu senti que era o começo de uma nova vida. ... A viagem foi longa, eu quase tive um treco naquele avião, tudo parecia tão diferente. Tão bonito. Não sabia que existia um mundo tão grande assim.. e nunca saberia se não tivesse saído daquela cidade minúscula onde morava. A cada quilômetro que o carro percorria, após descer do avião, meu coração batia mais rápido. Eu nunca tinha saído do interior. Tudo que eu conhecia era o silêncio das ruas escuras, o som distante de cachorros latindo, e a calmaria das noites sem grades luzes. Mas quando me aproximei da cidade grande, meus olhos grudaram na janela. Os prédios pareciam tocar o céu, as luzes eram tão fortes que quase doíam na vista. Havia carros por todos os lados, buzinas, letreiros luminosos piscando sem parar. Eu fiquei hipnotizada. Donna olhou pra mim e riu. — Para de olhar assim, menina, você vai torcer o pescoço. Mas eu não conseguia. Quando o táxi estacionou em frente ao prédio dela, engoli em seco. O lugar era enorme, luxuoso. Portaria com espelhos, tapetes grossos, lustres brilhando no teto. Já me senti pequena só de atravessar a entrada. No elevador, minhas mãos suavam. E quando ela abriu a porta do apartamento… eu perdi a fala. O chão brilhava como se nunca tivesse sido pisado, a sala tinha móveis modernos, tudo combinando, e uma varanda enorme se abria para uma vista que parecia um sonho. Lá de cima, as luzes da cidade eram ainda mais fortes, como um mar de estrelas ao contrário. — Meu Deus… murmurei, sem acreditar que estava ali. Donna riu. — Tá abismada com isso? Olha que esse nem é o maior que já estive. Você não tem noção do quanto pode ser luxuoso. Dei alguns passos para dentro, quase com medo de encostar em alguma coisa. — Eu… eu não sei nem como agradecer. — Relaxa. Tem um quarto extra aqui. Eu rachava esse apê com uma amiga antes de comprar. Agora é só meu, e você pode ficar. Me virei para ela, sem saber como reagir. — Mas eu não tenho como pagar… nada disso. — Vai conseguir um trabalho, vai se reerguer. E esse vai ser o pagamento. As lágrimas quase escaparam dos meus olhos. — Eu nunca vou saber como agradecer por tudo. Ela desviou o olhar, desconfortável. — Olha só… eu não sei lidar com essas coisas não, hein. Fui criada por um homem. Eu ri baixinho, abracei ela forte e murmurei contra seu ombro: — Eu vou pagar por tudo. Juro. Ela só me deu um tapinha nas costas, como quem não sabe reagir, mas eu senti que, de alguma forma, aquele abraço também era o dela. (...) Os dias passaram. Eu tentava ajudar como podia. Cuidava da casa, cozinhava, organizava as coisas. Uma manhã, Donna chegou em casa cedo, o salto batendo no chão, e se jogou no sofá, exausta. Levei até ela uma xícara de café quente. — Eu não sei o que faria sem você. ela murmurou, antes de beber o primeiro gole. — Você parece cansada. Ela riu sem humor. — Nem me diga… Tive que dar conta de uma despedida de solteiro. Foi uma loucura. O sorriso dela era meio maroto, e eu fiquei sem jeito, sem saber se respondia. — Mais é isso, tenho que pagar as consultas novas do meu pai e a maria... Ainda tem os remédios e a manutenção da minha vida aqui, não é fácil. — Eu queria muito ajudar. Antes que eu pudesse falar mais qualquer coisa, ela se ajeitou no sofá, mudando de assunto: — E então? Hoje você vai entregar currículo hoje não é? Meu estômago embrulhou. — Eu… não sei. Eu não tenho experiência em nada. Pesquisei, mas o que eu conseguir… não vai ajudar em nada. Os valores são muito baixos. — Claro que não vai ganhar muito no começo. Mas todo mundo começa assim. Você vai conseguir, eu sei. Respirei fundo. O pensamento que me atormentava escapou antes que eu conseguisse segurar: — E se eu… Ela arqueou a sobrancelha. — E se você o quê? Baixei o olhar, nervosa, mas a coragem explodiu de repente: — E se você me levasse pra trabalhar com você? ....
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD