NARRAÇÃO
EDGAR STURDART:
Eu nem devia estar ali.
Sinceramente, se não fosse o Cadu me encher o saco, eu teria passado a noite no hotel. Ele disse que era só uma reunião de amigos, uma despedida simples, sem nada demais.
E eu pensei, caramba… seria na casa dele, que m*l poderia acontecer?
Mas olha o destino, sempre me fodendo.
Eles armaram.
E quando a vi… quando a p***a dos meus olhos reconheceram o impossível… lá estava ela.
Clarisse... Minha Clarisse.
Como ele a descobriu? Que brincadeira de m*l gosto era aquela?
O sangue ferveu na mesma hora.
Olhei pro Cadu como se fosse matá-lo.
— Que p***a você fez?
Ele piscou, rindo, sem entender nada.
— Um presente pra você, gostou?
Presente? Que tipo de merda passava na cabeça dele?
— Como você achou ela?
— Achei quem, p***a?
ele gargalhou, mas a risada morreu quando percebeu a seriedade no meu rosto.
— Tá maluco?você já tá bêbado? é sério? a gente m*l começou.
Eu já tinha me levantado, tirando o casaco do corpo. Caminhei até ela, ignorando tudo ao redor. Estendi o tecido.
— Veste isso.
Cadu estava atrás de mim, logo perdeu o sorriso.
— Espera aí, Edgar… o que tá acontecendo, irmão?
— Para essa música.
minha voz saiu dura, ríspida.
Ele me encarou sem entender. Tocou no meu ombro.
— Relaxa, cara…
— Não me toca, p***a!
explodi.
O silêncio veio pesado quando a música foi cortada. O ar ficou denso, como se todos ali tivessem entendido que algo sério estava acontecendo.
Ela, no entanto… só me olhou com aquele vazio que me destruiu.
— Eu fui contratada.
A voz dela foi como gelo rachando.
— Vou ou não fazer o show?
Aquilo me rasgou por dentro. Ela… falando assim comigo?
Segurei o casaco mais firme, jogando ele contra o peito dela.
— Veste.
Seu corpo estava todo exposto.
Ela só pegou de si e negou.
— Eu não preciso disso.
Cadu deu dois passos, ainda perdido.
— Edgar, fala comigo, cara…
— Tira eles daqui. Agora.
meu tom foi de ordem.
— Se ainda quer que eu considere essa amizade, leva todos eles daqui agora!
Ele ergueu as mãos, nervoso.
— Tá… tá bom, só relaxa. Era só uma brincadeira, eu vou tirar eles daqui.
Aos poucos, os outros foram saindo, enquanto ela se afastava e pegava um sobretudo, cobrindo o corpo com uma calma que me matava mais do que qualquer grito.
Quando a porta se fechou e ficamos só nós dois, ela me enfrentou.
— Olha só, meu cachê já foi pago. Não existe devolução de dinheiro. Vocês desistiram, problema de vocês.
Fiquei atônito. Cada palavra dela era uma porrada.
— O que está fazendo, Clarisse?
Ela não piscou.
— Me chama de Bianca. Estou aqui contratada. Uma despedida de solteiro. Nada mais. Mas o dinheiro, não dá pra voltar, a desistência foi sua.
— Que se dane o dinheiro!
rosnei, a raiva transbordando.
— Você é isso agora? Acompanhante de luxo?
Meu peito se fechava, eu não entendia. Não podia ser real.
— Onde você estava? Eu te procurei. procurei em todo lugar!
E foi aí que os olhos dela mudaram. Um brilho de ódio, de dor reprimida.
— Escuta. Eu não te conheço, você não me conhece. Deixa assim. Agora, se me der licença…
Tentou passar, mas tudo em mim fervia, gritava enlouquecido. Bloqueei a porta com o corpo.
— Eu voltei lá. Você não estava em lugar nenhum.
Ela arqueou o queixo, venenosa.
— É sério que quer fazer isso?
Minha mandíbula travou.
— O passado já morreu, Edgar.
— Por que tá agindo assim? A gente precisa conversar.
Ela deu uma risada seca, ácida.
— Você vai casar e eu sou acompanhante de luxo.
As palavras dela me cortaram.
— Não é o suficiente?
Neguei contrariado, mas ela não dava espaço.
— Foi bom te ver de novo e bom casamento.
completou, com aquele tom que só queria fugir.
Fiquei parado, olhando a mulher que já tinha sido minha vida inteira me tratar como um estranho.
Meu peito queimava, minha mente gritava.
Depois de tudo… depois de tantos anos… é assim que acaba?
Não.
Eu não aceito.
Eu não ia deixar ela sair.
Não depois de tudo.
Não depois de vê-la ali, tão perto, tão viva, mesmo que fria como nunca.
— Eu não entendo…
minha voz saiu mais baixa, rouca.
— Por que você tá me tratando assim?
Ela ergueu o rosto, impaciente, como se estivesse diante de qualquer estranho.
— Olha pra mim, Clarisse.
avancei um passo, meu peito queimando.
— É só eu aqui. O mesmo cara. Fala comigo.
Ela baixou os olhos, olhou o relógio com desdém.
— Não posso perder tempo.
Aquilo me feriu como lâmina. E rápido, antes que ela tentasse me contornar de novo, soltei:
— Você ainda está nessa maldita despedida, não está?
minha voz endureceu.
— O horário foi pago, não foi? Então… você tem que ficar.
Por um instante, vi o olhar dela vacilar. Mas logo ergueu o queixo, firme, inabalável.
— E então?
os lábios dela se curvaram num sorriso gelado.
— O que quer que eu faça? Posso dançar, se quiser.
Meu estômago embrulhou.
— Como você chegou a isso?
perguntei, incrédulo.
Ela revirou os olhos com indiferença calculada.
— Eu quero uma bebida. Posso?
— Me responde!
avancei mais um passo.
— Eu não vim aqui pra responder.
retrucou, fria, antes de caminhar até a mesa, pegar um copo e virar o líquido de uma vez, sem sequer desviar os olhos dos meus.
Passei a mão na têmpora, tentando me segurar. Mas nada fazia sentido. Nada.
A não ser aqueles infelizes... Foi eles? Eles armaram esse show? Mas como!?
Olhei pra ela negando.
— Eles te procuraram é isso?
questionei, a voz já rasgando.
— Quem contou pra eles sobre você?
— Eu não sei do que você está falando.
disse sem emoção, como se fosse uma mentira treinada.
Neguei com a cabeça, raiva e desespero misturados.
— Não é possível… não é possível que depois de tantos anos você apareça justamente aqui, no meio dessa brincadeira i****a deles… sem ser de propósito!
Ela permaneceu em silêncio, bebendo outro gole, como se quisesse me torturar com a indiferença.
Foi a gota.
Avancei de vez, abrupto, o coração martelando.
— Fala, Clarisse!
minha voz quebrou, entre raiva e súplica.
— Por que tá fazendo isso comigo?!
....