Serena
Dois dias.
Foram dois dias inteiros que eu passei trancada no meu quarto, deitada na cama, encarando o vestido de noiva pendurado na porta do guarda-roupa.
Branco.
Imaculado.
Ridículo.
Aquele vestido não era só o símbolo de um amor quebrado.
Era o anúncio gritante do meu fracasso.
Da minha derrota.
Eu me sentia pequena. Insignificante. Como se o mundo tivesse cuspido em cima de mim e me deixado ali para apodrecer junto com minhas ilusões.
A cada batida do relógio, a cada respiração que eu forçava a puxar, eu sentia como se um pouco mais de mim fosse embora.
E ele...
Taylor.
O homem que prometeu me amar até o último suspiro...
Simplesmente foi embora.
Minha mãe entrava de vez em quando, trazendo alguma comida que eu m*l tocava.
Às vezes Cindy vinha também, me puxando para o banheiro, me obrigando a tomar um banho, me forçando a andar pelo apartamento para não atrofiar.
Mas minha alma já estava atrofiada.
Eu queria chorar, gritar, quebrar tudo — mas a dor era tão grande que me paralisava.
Eu só ficava ali, abraçada às próprias pernas, olhando o vestido como quem encara um túmulo.
No quarto dia, quando eu pensei que já tinha atingido o fundo do poço, alguém bateu à porta.
Cindy correu para atender. Eu nem me mexi.
— Serena — ela chamou, a voz meio tremida. — Tem alguém aqui pra te ver.
Revirei os olhos, puxando a coberta sobre a cabeça.
— Diz que eu morri.
Mas antes que ela pudesse responder, a voz grave de Hawk — o avô de Taylor — encheu o apartamento:
— Morta não tá, garotinha. E mesmo se tivesse, eu viria te buscar.
Arregalei os olhos, jogando a coberta de lado.
Ele entrou no quarto como um furacão — alto, forte, de jaqueta de couro, o rosto marcado pelas rugas da estrada e da vida difícil.
Mas os olhos dele…
Os olhos eram de um homem que conhecia a dor.
Ele me olhou por um segundo e, sem cerimônia, se aproximou, sentando-se na beira da cama.
— Me contaram que você esta definhando de tanto chorar.
— Não precisas se preocupar comigo, estou bem
— Você é minha neta agora, e eu prometo que quando encontar Taylor eu mesmo irei bater nele— disse, com uma firmeza que não deixava espaço pra discussão.
Minhas lágrimas, que eu achava que tinham secado, voltaram a cair com tudo.
— Eu... eu não sei o que fazer — engasguei, sentindo a garganta arder. — Eu tô grávida... do Taylor...
Meu corpo desabou num choro feio, pesado, daqueles que vem de um lugar tão fundo que parece arrancar a alma pela boca.
O velho Hawk sorriu, e eu juro que vi tristeza nos olhos dele.
— Então você tem ainda mais motivos pra ser forte, menina — disse, passando a mão pesada e gentil pelo meu cabelo. — Faz as malas. Você agora é uma Old Lady.
E a gente — ele apontou pra trás, onde eu sabia que devia ter meia dúzia de brucutus do MC esperando — vai cuidar de você até o Taylor voltar.
Solucei, limpando o rosto com a manga da blusa.
— Eu não vou perdoar ele — disparei, amarga, a dor queimando no meu peito. — Nunca. Nunca, seu Hawk. Ele me deixou sozinha. Ele foi embora. Eu... eu não merecia isso!
Hawk respirou fundo, como quem já tinha ouvido coisas piores na vida.
— Talvez não merecesse mesmo, docinho. Mas escuta aqui — ele segurou meu queixo e fez eu olhar direto pra ele. — Tem uma criança nessa história. Um pedacinho dele e seu.
E essa criança... não tem culpa de p***a nenhuma.
Mordi o lábio, tentando conter o desespero.
— Eu... eu vou pensar... — murmurei, porque era só o que eu conseguia dizer naquele momento.
O sorriso dele ficou mais duro.
— Você não tem essa opção, Serena.
Você é família agora.
E a gente cuida dos nossos.
Fiquei olhando pra ele, sem conseguir processar direito o que aquilo significava.
Família.
Eu.
Eu, que fui deixada no altar, que fui quebrada em mil pedaços, que carregava no ventre o filho de um homem que me jurou amor eterno e depois evaporou como fumaça.
Parte de mim queria mandar todo mundo pro inferno.
Parte de mim só queria desaparecer.
Mas outra parte... a mais silenciosa, a mais ferida... se agarrou às palavras dele como se fossem boias no meio de um naufrágio.
Alguém ia cuidar de mim.
Alguém acreditava que eu ainda valia alguma coisa.
Talvez... só talvez... eu pudesse sobreviver a isso.
Mesmo que meu coração nunca mais fosse o mesmo.
Mesmo que eu nunca mais pudesse confiar em ninguém de novo.
Fechei os olhos e respirei fundo.
Quando os abri, Hawk ainda estava ali, paciente, como um velho urso teimoso.
Eu assenti com a cabeça, cansada demais para lutar.
E ele sorriu de verdade dessa vez, um sorriso torto, quase orgulhoso.
— Boa garota. Agora levanta essa b***a da cama e vamos arrumar essas malas. Você não tá sozinha, Serena. Não enquanto a p***a do Vultures MC existir.
E, pela primeira vez em dias, eu deixei alguém me levantar.
Não porque eu estava pronta.
Mas porque eu precisava sobreviver.
E agora… eu não estava mais sozinha.
Mesmo que meu coração continuasse em pedaços.