O suor novamente brotava da minha testa, apesar de já tê-lo enxugado repetidas vezes. O ar-condicionado da sala de espera estava ligado, mas a jaqueta que Michele me emprestara era muito quente, ou talvez eu só estivesse nervosa mesmo. Ainda não acreditava que havia passado na entrevista. Tantos candidatos e eu fui a escolhida. m*l me cabia na cadeira de tanta ansiedade e felicidade.
Aquele não era um emprego de carteira assinada, era um emprego de apenas sete dias. Mas isso não importava, eu havia sido a escolhida e o pagamento valia por seis meses de carteira assinada. Qualquer um sonharia com um trabalho como aquele.
Meus tênis brancos agitavam o chão em uma dança silenciosa. Pelo menos não estava roendo as unhas.
- Senhorita Rios - A secretária me chamou pelo sobrenome, como nos filmes hollywoodianos, afinal, no Brasil as pessoas eram chamadas pelo primeiro nome, ou pelo nome completo, mas aquela era uma multinacional e meu chefe era BRITÂNICO, o que me enchia de expectativas e curiosidade.
Eu não tinha grana para viajar pelo mundo, então conversar com um estrangeiro seria o mais próximo que conseguiria me aventurar, pelo menos, pelos próximos anos.
Segui a secretária esbelta, de saia lápis e camisa de seda, que deslizava pelo mármore em um escarpam preto, como se estivesse em uma passarela. Me perguntei se ela tinha umas havaianas escondidas embaixo de sua mesa ou se martirizava naqueles saltos o dia todo? Delicadamente ela abriu a porta e pediu que eu entrasse na sala do chefe.
Meu pulso acelerou tanto que eu quase fiquei s***a.
Controle-se! Você vai conseguir - Disse a mim mesma respirando fundo, tentando manter o controle dos nervos. Talvez se eu tivesse trabalhado antes, não estivesse tão nervosa. Não que eu fosse desocupada, trabalho desde os 10 anos ou até antes.
Sempre cuidei de minha irmã Bianca, afinal nossa mãe nos abandonou quando ainda éramos pequenas e meu pai, bom meu pai era um caso à parte. Logo depois de terminar o cursinho de inglês comecei a trabalhar com traduções, mas isso fazia sem sair de casa. Agora estava fazendo faculdade de contabilidade.
Juntando as horas de estudo da faculdade online com o tempo que eu passava sentada no computador traduzindo textos para ganhar uma grana, eu não tinha vida fora do meu quarto.
Dei um sorriso meigo, mesmo antes de ver as pessoas a minha frente, formando as covinhas que meu avô dizia serem meu charme.
A sala era grande, espaçosa, com janelas de vidro que desciam do teto ao chão, fazendo em me sentir em um filme nova-iorquino.
Uma mesa de vidro extremamente organizada, me separava de um homem jovem demais para ser meu chefe. O rapaz de talvez uns 26 anos, não mais, folheava uns documentos e uma moça japonesa ou talvez chinesa ao seu lado, estava de pé absolvendo suas ordens. Aparentemente eles não notaram minha presença.
Esperei de pé, sem bem saber o que deveria fazer. Timidamente dei uns passos para frente, ficando agora bem próxima da mesa. O rapaz me olhou e o seu olhar foi suficiente para que eu entendesse que ele era o Sr. Lowell. Apesar de estar mais para japonês, do que para britânico.
Ele tinha os olhos pretos penetrantes e firmes, o queixo quadrado, a barba bem-feita e a pele mais perfeita que já havia visto. Não achava homens asiáticos bonitos, mas a beleza dele me fez corar. Ele parecia um modelo de revista masculina. Não sei se era o terno, ou a postura intimidadora, ou a beleza marcante, mas algo lhe dava uma aparência assombrosa de poder. Senti até um nó na garganta quando ele me encarou. Alarguei meu sorriso e estendi minha mão para ele.
- Sou a senhorita Rios - Me apresentei em inglês.
Ele não apertou a minha mão, grosseiramente desceu seu olhar pelo meu corpo e os fixou em meus pés. Recolhi minha mão e segurei a outra tentando não deixar visível a tremedeira que me deu. Ele disse algo no idioma deles para a mulher com porte de modelo e eu fiquei me perguntando por que ele não apertou a minha mão. Depois de tudo cheguei à conclusão que deveria ser porque eles eram asiáticos e esse povo não aperta a mão de ninguém. Então me curvei para a frente, como já tinha visto os j*******s fazerem nos filmes.
- Venha comigo menina - a mulher disse em inglês, caminhando em direção a porta.
Estava demitida - Conclui.
Meus olhos encheram-se de lágrimas. Ser demitida no meu primeiro emprego era uma grande s*******m. Pronto, as lagrimas começaram a descer uma atrás da outra, mesmo eu limpando com a mão. Por favor, esperem eu sair daqui. Implorei.
- Por que está chorando? - a mulher perguntou com uma carranca de incredulidade e confusão, aparentemente ainda mais aborrecida.
- Eu não sei - Senti um fio de esperança me acalmar. A reação dela me fez acreditar que talvez eu tivesse sido precipitada em meu julgamento.
- Limpe suas lágrimas, pois não temos tempo pra elas - ela disse me encarando com olhos furiosos.
- Pegue! - Ela me entregou um vestido tubinho preto.
- Pra quem devo entregar isso? - perguntei o segurando delicadamente.
- Vista-o. Não pode sair conosco com essas roupas - Ela fez uma careta ao me avaliar. Eu estava de calça jeans azul, lisa, sem rasgados, não entendi o motivo da careta.
- Por acaso vamos a alguma festa? - perguntei sem entender.
Ela não me respondeu, apenas fez uma cara de ponto de interrogação.
- Impossível. O vestido é 36 e eu visto 40 - respondi. A mulher era uma vara de pescar e queria que eu entrasse na roupa dela.
- Vocês brasileiras são muito gordas, deveria ter me preparado para isso! - Ela reclamou remexendo um guarda-roupas improvisado.
- Reze para entrar nesse - ela me estendeu um vestido justo que parecia de tecido, mas era uma malha grossa, que entrou chorando. Ele era preto, de mangas curtas, descendo até a altura dos joelhos. Seria bem descente, se não mostrasse meus contornos com tanta precisão.
Apressada ela abriu uma mala de maquiagem e limpou meu rosto com uma agilidade inacreditável.
- Calça que número? - Perguntou enquanto me cobria de base.
- Trinta e seis!
- Perfeito! - respondeu satisfeita.
Não demorou cinco minutos e ela já tinha terminado a maquiagem. Agilmente soltou meus cabelos e os prendeu novamente em um coque que me deixou insegura, como se estivesse prestes a se desfazer a qualquer momento.
- Agora, calce esse escarpam e vamos, pois, estamos atrasadas e o Sr. Lowell não aceita atrasos.
Olhei para o escarpam preto, de salto ALTO. Muito alto mesmo. Não tinha experiência com sapatos salto-alto, mas aquele certamente tinha uns dez centímetros e o salto era tão fino quanto uma agulha.
- Sinto muito, mas não posso usar isso - disse sem tentar pôr o pé dentro - Nem se eu quisesse conseguiria - sorri amarelo pra ela, em um pedido de desculpas.
- Calce esses sapatos AGORA e me poupe de seus comentários - Ela me encarou furiosa e impaciente, falando comigo como se eu fosse uma criança, apesar dos meus quase vinte anos.
- Não posso. Não consigo andar nessas coisas. Tipo, nunca usei, entende?
- Não me importa o que vai fazer pra se manter em cima deles. Mas fará isso pelo menos até que o dia de hoje acabe.
- Então amanhã não precisara mais de mim? - perguntei percebendo a intensão dela.
Ela não respondeu.
- Pois bem, então eu vou embora agora. Pode arrumar outra pessoa. Não sirvo para esse trabalho.
- Acha que se eu tivesse tempo para arrumar outra pessoa, estaria perdendo o meu tempo com você aqui? - ela me perguntou desafiadora, com o semblante duro.
- Eu sinto muito que a senhora não tenho um funcionário reserva, mas eu não vou a lugar nenhum - Levantei e comecei a tirar o vestido. Quem aquela japonesa exibida achava que era? A rainha da Inglaterra?
- Certo, então, esteja preparada para pagar por todos os danos que o seu abandono de prestação de serviço venha acarretar - Ela suspirou arrogante - Espero que tenha MUITO dinheiro e excelentes advogados, pois se há algo que o senhor Lowell não admite, é perder dinheiro .
Senti a minha raiva evaporar como chuva no asfalto quente e minha confiança se desfazer como sorvete ao meio-dia. Calcei os malditos sapatos e sai andando como uma saracura. Sério, não havia outra palavra. Fiquei feliz de estar perto do elevador.
- Preste bem atenção. Não pegue no celular, não faça comentários, finja que é invisível, pelo menos até que seja necessário que traduza algo. Traduza tudo ao pé da letra. Esteja bem segura do que traduzir. Não acrescente e nem retire uma única palavra.
- Certo - Respondi concordando com a cabeça. Às vezes eu era sonsa, mas já tinha me ligado na situação, eles eram impacientes, arrogantes e sem dúvida eram, muito, muito ricos.
Os sapatos esmagavam os meus pés com uma fúria vulcânica e eu nem tinha saído do elevador. Aquele seguramente seria o pior dia da minha vida.