Era noite. O clube estava fechado para o público. Era o dia das senhoras e dos filhos dos motoqueiros estarem ali, em paz. O clube MM estava estava mais calmo.
Doroteia, a senhora do presidente, estava na cozinha. Colocava um bolo no forno. Sabia que os filhos gostavam de bolo depois do jantar.
Estela entrou devagar, se sentou à mesa e ficou olhando para a mãe.
— Estela, conheço você. O que aprontou?
— Nada. Só queria dormir no quarto do Albucacys. Só dormir mesmo.
Doroteia se sentou também. Sempre foi tímida, mas sendo esposa de Salomão e mãe de Estela e de Corine, aprendeu a conversar sobre todos os assuntos. Não seria agora que deixaria passar.
— Eu sei que você o ama. E sei que quer ser a senhora dele. Mas tenha paciência. Conhece o ciúme e o amor do seu pai. Ele ama e é ciumento na mesma intensidade. Ainda está se acostumando com o fato de que você é mulher. E que Corine está crescendo também.
Estela abaixou os olhos.
— Mamãe…
— Durma no seu quarto. Passe no quarto do Albucacys, dê um beijo de boa noite e só. E não fique aos beijos com ele pelos corredores. Seu pai está lutando contra a natureza dele.
Estela respirou fundo.
— Posso ver um filme com ele.. Nunca menti para senhora, quero me deitar ao lado dele, mamãe..
— Pode. Leve Corine com você.
— Ah, mamãe…
— Leve Corine pra ver um filme com você no quarto do Albucacys. Porque vocês aprontam, mas depois sobra pra mim acalmar a fera que é o seu pai..
__ Eu sei bem como o acalma , ele sai do quarto com um sorriso enorme no rosto e nos deixa fazer o que quiser.
__ Estela Martins, pare..
Ela não retrucou. Sabia que a mãe não era de impor muito, mas quando falava daquele jeito... era pra obedecer....Doroteia, foi confirmar se o filho tinha acordado da soneca
Estela ficou na cozinha, conferiu o bolo da mãe. Sabia que o forno desligaria sozinho, então não se preocupou. Ia sair quando Fagner entrou, era mais um dos motoqueiros do clube e apaixonado por Estela..e não era errado ele estar ali...
Aquela parte da cozinha era usada por todos os membros do clube. Ele segurou o braço dela, firme.
— Vai mesmo ficar com o Albucacys?
— Vou. Eu o amo. Me solte..
— Me deu esperança, Estela. E não me deixou nem tentar te conquistar.
— Não, Fagner...
— Deu sim. Você sorria pra mim...
— Eu não sabia bem o que estava fazendo. Eu sei que não justifica, mas só entendi que não podia sorrir pra você depois que me a minha mãe conversou comigo, eu só tinha dezessete anos, me solta.
— Eu ia tentar, tá? Tentar mesmo. Até enfrentar o pres por você. Eu a amo tanto, tanto, que faria qualquer coisa que me pedisse.
Fagner aproximou o rosto.
— Me dá um beijo. Só um. Eu sei respeitar um irmão de pacth, foi ele que você escolheu, mas eu mereço pelo menos um beijo de despedida. Só um. Nunca mais chego perto...
— Não. Me solta, você tá me assustando...pare
Nesse momento, Salomão entrou na cozinha. Viu a cena e não hesitou: puxou a faca do suporte.
— Solta minha filha, Fagner. Agora.
Ele soltou imediatamente.
— Papai...
— Vá para a área das senhoras, Estela.
— O que vai fazer?
— Sobe. Agora.
Ela correu, o bolo esquecido no forno. Passou para o quarto que a mãe tinha li, pegou o irmão do colo de Doroteia. O menino já era maior, mas gostava de colo..
— Vai na cozinha — ele disse pra mãe, baixinho. — O pai vai mat.ar O Fagner.
🎶🎶🎶🎶
Quando Doroteia entrou na cozinha, encontrou Salomão com uma faca encostada no pescoço de Fagner — e a outra, pressionada na altura do pê.nis do motoqueiro.
Fagner estava com as mãos levantadas, sem respirar direito. Se se movesse um centímetro, ficaria sem o me.mbro e terminaria morto.
— Salomão... — disse Doroteia, sem levantar o tom. Nada, ele parecia não ouvir, a expressão de raiva..
__ Salomão..__ Ela chamou mais uma vez..
— Ele ia. Ia machucar ela — rosnou Salomão, com os olhos cravados em Fagner.
— Não... não machucou. Você conhece ele. Pode ter passado dos limites, mas foi por amor. Você mesmo me disse que ele chegou aqui um garoto. Você conhece ele, o viu se tornar um homem. Conhece o pai o dele, sabe quem ele é, estou pedindo, solte as facas.
Ele respirava pesado. Mas não recuava.
— Ele não é um abusad.or, Salomão. Foi idio.ta, foi impulsivo, mas não é estupr.ador. Solte seu motoqueiro.
Ela segurou o braço dele.
— Solta, meu amor, estou pedindo , nunca m@tou alguém na minha frente, não faça isso agora.. não faça..
Salomão olhou pra ela. Por um segundo, o silêncio ficou mais pesado do que qualquer ameaça.
Então ele abaixou as facas. Deixou uma cair na pia, e a outra ele mesmo guardou de volta no suporte.
— Está suspenso até segunda ordem — disse, ainda sem olhar Fagner nos olhos.
Fagner abaixou a cabeça e saiu. Sabia que tinha errado. E sabia que, por muito pouco, não tinha pago o preço máximo.
Doroteia abriu os braços para o marido, ele rosnou de raiva..
— Eu sei. Eu sei que você lembrou… é diferente.
— Eu ficaria maluco se uma das minhas meninas fosse machucada. Estela já foi. Eu...
— Não vai mais acontecer. Não vai. Elas estão seguras, Salomão. Estão.
Ele a abraçou com força. Não falou mais nada por um tempo.
— Me libera pra uma volta de moto, Dorothy. Me libera. Eu ..
— Vai. Mas leva o Albucacys com você. Leva. Assim não faz besteira.
— Albucacys não vai machucar minha filha, não é?
— Não vai. Albucacys não vai machucar Estela, assim como Guido não vai machucar Corine.
Ele assentiu. Pegou o capacete e saiu pela lateral do clube...
Minutos depois, Doroteia ouviu o som das duas motos rugindo lá fora.Sabia decifrar o som de uma moto. E sabia reconhecer quando um motoqueiro estava com raiva. Albucacys estava e o marido também.
Ela tirou o bolo do forno, colocou sobre a tábua e começou a cortar, ia comer com os filhos, o filme que Estela tanto queria ficaria para depois.