Ponto de vista de terceira pessoa
Kira é a primeira a adentrar o galpão. No interior, vários homens estão estrategicamente posicionados. Seu olhar atento percorre o ambiente, analisando cada um deles—sabe que está cercada. Diferente de muitos adversários que enfrentou antes, esses não portam armas de fogo. Provavelmente já conhecem sua reputação e sabem que sua blindagem corporal é resistente até mesmo contra projéteis perfurantes.
Ela sente a leveza do movimento comprometida por um ferimento, mas mantém a postura firme. No centro do galpão, um homem muito bem vestido está sentado, a expressão tranquila, quase entediada, como se tivesse total controle da situação.
— Kira, é um prazer conhecê-la pessoalmente. Estou aqui para buscá-la. — Sua voz é calma, quase casual, como se sequer precisasse se apresentar.
Kira arqueia uma sobrancelha, analisando-o com frieza.
— Me buscar? Você fala como se fosse uma simples carona. O problema é que eu não pedi por isso. Então, eu chamaria de sequestro. — Sua entonação carrega desinteresse, mas seus sentidos estão alertas.
O homem parece perceber sua hostilidade e decide se identificar.
— Kira, meu nome é Wladimir Kreutz Vortoli.
Ao ouvir o sobrenome, Kira mantém a expressão impassível, mas Wladimir nota o sutil arquear de sua sobrancelha. Um sorriso discreto surge em seus lábios enquanto ele continua:
— Pelo meu sobrenome, já sabe quem eu represento. Estou aqui em paz, com um convite para que visite nossas instalações. Mas, é claro... — Ele faz um gesto sutil com a mão, e os homens ao redor dela começam a se mover, encurtando a distância. — Caso recuse, terei que insistir.
Seu olhar frio se fixa nela, e ele inclina levemente a cabeça, sinalizando para seus homens.
Kira odeia ser ameaçada. Algo dentro dela desperta—não uma simples fúria, mas um instinto primal. É como um predador acuado por tolos que não faziam ideia do perigo real que enfrentavam.
— Eu já sirvo a uma única pessoa. Minha lealdade é imutável. — Sua voz é firme, carregada de convicção. — Então, terei que aceitar a segunda opção.
Ela assume uma postura defensiva, pronta para o inevitável confronto.
Enquanto isso, em um túnel de carga, Logan, Ivan e Dragon avançam rapidamente. O corredor metálico parece se estender por muitos metros. À frente, algo chama sua atenção: uma maca solitária no meio do caminho.
Logan segue à frente, guiando o grupo com passos rápidos e firmes. Seus ciberaudios avançados captam sons que os outros não conseguem— ele ouve claramente uma batalha se desenrolando à frente.
No exato momento em que alcança a porta e estende a mão para abri-la, sua comunicação é interrompida por uma transmissão inesperada.
— Logan, recue. Não venha aqui. — A voz de Kira sai como um murmúrio pelo canal antes de a transmissão ser encerrada abruptamente.
Logan hesita, sentindo a tensão se acumular em seu peito. Ele aperta os punhos, dividido entre a obediência e a preocupação. Seu olhar vaga pelo ambiente até encontrar, ao lado, uma porta com uma pequena janela de vidro. Do outro lado, ele avista cientistas e técnicos trabalhando.
Antes que ele possa tomar uma decisão, Ivan e Dragon agem primeiro—arrombam a porta com força, invadindo a sala sem hesitar. Logan os segue de imediato, sua pistola firme na mão direita.
— Todos no chão! Se rendam agora! — Ele ordena com uma voz cortante.
Os cientistas e técnicos se encolhem, alguns erguem as mãos em sinal de rendição, outros congelam, paralisados pelo medo.
Do outro lado da sala, uma segunda porta se abre de repente. Dois seguranças entram armados, e o caos explode em segundos.
Tiros são disparados. O som seco das balas corta o ar.
Ivan se move rápido, mas não o suficiente—uma bala raspa sua perna, fazendo-o grunhir. Logan sente uma queimação aguda no braço ao ser atingido de raspão. Alguns cientistas não têm tanta sorte—gritos ecoam quando alguns são feridos e um deles cai morto no chão.
A sala, que antes era um espaço técnico e controlado, se transforma em um campo de batalha improvisado.
Enquanto isso, no pátio do galpão, Kira enfrenta oito homens simultaneamente. Ela está completamente cercada—cada adversário que cai é substituído por outro, tornando o combate incessante. Em questão de instantes, restam apenas três inimigos.
Mas algo está errado.
Diferente dos ferimentos causados por balas, as armas que seus oponentes utilizam são monolâminas—afiadas o suficiente para cortar sua carne como uma lâmina incandescente atravessando manteiga. A dor é lancinante. O sangue escorre em profusão, tingindo seus braços, pernas, peito e costas. Seu corpo inteiro está encharcado de vermelho.
Cada respiração é um suplício. O ar queimando seus pulmões, a dificuldade para respirar sufocante. A dor que percorre seus músculos é pulsante, latejante. Seu corpo começa a esquentar, como se estivesse prestes a explodir por dentro.
Ela sente seu autocontrole se desvanecendo. Sua consciência oscila, os batimentos cardíacos disparam, reverberando como um tambor de guerra dentro de seu peito.
Com esforço, Kira ativa a transmissão e balbucia:
— Logan... recue. Não se aproxime...
E então, um brilho mortal cruza seu campo de visão.
Um machado monofilar avança em sua direção.
Ela mäl tem tempo de reagir. A lâmina penetra seu crânio, afundando quase um terço de sua extensão dentro de sua cabeça. O impacto a faz cambalear. O sangue jorra, denso e quente, misturado com fragmentos de massa encefálica, escorrendo pelo ferimento e cegando um de seus olhos.
E então… algo desperta.
Um brilho escarlate reluz intensamente.
Segundos depois…
Os três inimigos restantes estão no chão—mortos.
Kira, em frenesi, dispara na direção do homem que está no centro do galpão. Sua velocidade é sobre-humana.
O homem arregala os olhos—é a única reação possível antes de sua cabeça ser brutalmente decepada e rolar pelo chão.
Ela pára, ofegante, farejando o ar como um predador que acaba de abatër sua presa. Seus olhos, reluzindo em um vermelho intenso, percorrem o ambiente repleto de corpos.
Sem hesitar, segue por um corredor até uma porta.
Do outro lado, Ivan, Dragon, Logan e alguns cientistas aguardam.
Quando Logan a vê na entrada, um sorriso alivia sua expressão.
— Kira, que bom que você está bem…
Mas assim que ela cruza a porta, seu sorriso desaparece.
O mesmo acontece com o brilho nos olhos de Dragon e dos cientistas. O ambiente se torna opressor.
Apenas Logan e Ivan continuam de pé quando, de repente, Kira trava. Seus músculos relaxam abruptamente, suas veias antes dilatadas se acalmam. Ela inspira profundamente, puxando o ar como se fosse seu último respiro.
E então, desaba no chão—inconsciente.
Logan não consegue carregar Kira, mas se lembra de ter visto uma maca no corredor. Observando melhor o ambiente, percebe que estão em um centro de trauma. O desespero o consome enquanto se volta para Ivan.
— Pega a maca no corredor! Vou procurar alguém que possa ajudá-la! — diz Logan, sua voz carregada de urgência.
Mas Ivan não responde de imediato. Sua expressão é vazia, paralisada pelo terror. Seu melhor amigo—quase um irmão—está sem cabeça ao seu lado. Por alguns segundos, ele encarou algo que não parecia humano. A face de um demônio. Uma predadora nata, desprovida de consciência, guiada apenas por um único instinto: m***r.
E aquele olho vermelho... O único que permaneceu aberto o fitou como se o atravessasse.
Agora, a realidade bate à sua porta como um golpe seco.
— Eu... eu vou pegar a maca.
Ivan sai lentamente, como se ainda tentasse processar tudo o que aconteceu, sentindo-se à beira do colapso, se perguntando se ainda estava vivo de verdade.
Com esforço, Logan e Ivan colocam Kira sobre a maca. Mas, no instante em que a acomodam, Ivan, que já estava chocado, arregala ainda mais os olhos. Sua mão trêmula aponta para o corpo de Kira, incapaz de formar palavras.
Logan segue seu olhar—e vê.
Os ferimentos de Kira estão se fechando diante deles, em tempo real.
Ele imediatamente ativa sua lente microscópica, uma ferramenta que carrega consigo, e ao focá-la sobre Kira, a revelação o deixa sem fôlego. Pequenos nanoides estão em atividade, restaurando músculos, nervos, tendões, subderme e derme a uma velocidade inimaginável.
Ivan balbucia, completamente estupefato:
— Ninguém... cara, ninguém tem isso. Isso não deveria ser possível. Isso é pura ficção científica!
Logan, embora igualmente surpreso, sente uma excitação crescente. Seus olhos percorrem o ambiente e então ele vê—um tanque de suspensão de vida.
— Então era isso... Essa armadilha foi montada para ela. — murmura ele, a mente trabalhando a mil por hora.
O quebra-cabeça começa a se encaixar.
— Eles realmente queriam capturá-la... Provavelmente para pesquisa. Então Kira é uma cobaia... e seu corpo foi modificado a esse nível.
Um brilho fascinado surge no olhar de Logan.
— Incrível!
Kira desperta abruptamente, como se emergisse de um pesadelo. Seu corpo se move instintivamente, e em um piscar de olhos, ela já está de pé. Seus olhos percorrem o ambiente em um escaneamento rápido, analisando cada detalhe. Os ferimentos que antes cobriam seu corpo agora não passam de meros arranhões.
O silêncio é denso, sufocante.
Ela os encara.
Eles a encaram de volta.
Ninguém diz nada—até que Logan, rompendo a tensão, fala:
— Precisamos ver como estão os outros, Kira.
Sem uma única palavra, ela se vira e começa a caminhar.
Há algo mais urgente a se resolver.
Kira precisa descobrir se Wladimir estava agindo sozinho ou se tinha o respaldo da Corporação Vortoli. Se outros estavam envolvidos, era provável que mais inimigos ainda estivessem por ali.
Determinada, ela retorna ao cenário da chacina. O fedor de sangue fresco e metal queimado impregna o ar. Os corpos continuam espalhados pelo chão, um testemunho silencioso do mässacre que ocorrera ali. Sem hesitação, ela se ajoelha e começa a examinar o cadáver de Wladimir.
Horas se passam enquanto o grupo revira cada canto do galpão.
Ivan, ainda em estado de choque, permanece ao lado do corpo de Dragon, como se sua presença pudesse dar algum significado à perda. De tempos em tempos, seu olhar se desvia para Kira.
Nos olhos dele, medo e raiva se entrelaçam em um conflito interno.
Kira percebe.
Mas nada diz.
Sua investigação logo traz respostas.
A Vortoli não apenas estava ciente das ações de Wladimir, como também tinha acesso a informações sigilosas sobre o Projeto Berserker. Ela descobre, então, que foi a única cobaia bem-sucedida. E ainda assim, apenas Wladimir havia sido enviado para capturá-la.
Eles subestimaram a presa.
Agora, era hora de enviar um recado.
Kira se volta para Logan e ordena:
— Dê um jeito de colocar "Wladimir" em comunicação com o pessoal da Vortoli, lá na Europa.
Um plano começa a se desenhar em sua mente. Seu olhar brilha com um instinto predatório.
A caçada estava apenas começando.
E ela não seria a caça.