Ponto de vista de Logan
Teresa fica paralisada. Kira... como ela sabe? Ou será que apenas desconfia? Mas com base em quê? Ela acabou de chegar e já lançou essa bomba. E se for verdade… será que, sabendo que Killey é Chang, Teresa ainda vai querer voltar para ele?
Mas Kira age como se nada tivesse acontecido. Apenas pára, observando Analisa entrar no recinto.
— Olá, Analisa. Irmã. — Sua voz é firme, sem hesitação. Ela se posiciona diante dela, cruzando os braços antes de continuar: — Enquanto você lê dados computacionais, os famosos zeros e uns... — dá de ombros, como se fosse algo trivial — ...eu leio tudo o que é biológico. O que um dia foi. O que ainda é.
Ela pausa por um instante, deixando que suas palavras se assentem, antes de prosseguir com um brilho afiado no olhar.
— Quando carreguei Killey na última missão, toquei nele. E li toda a informação contida em seu corpo. Foi assim que descobri que ele é Chang. Além disso, usaram Anastasys nele. E o Anastasys tem meu DNA, parte dele.
Kira dá um sorriso crüel, seus olhos fixos em Teresa.
— Sabe, quem recebe meu toque, nunca mais consegue se virar contra mim.
Teresa engole em seco.
— Então... Killey realmente é Chang. Já desconfiávamos disso.
— Sim. Mas eu tive certeza quando o toquei. Como eu disse, contato da pele com pele, troca de fluidos corporais... tudo isso me permite ler cada detalhe da informação genética de alguém. Tudo pelo que essa pessoa passou. — Kira inclina levemente a cabeça, sua expressão ficando ainda mais séria. — Por isso eu disse que Chang é o Killey mas o Killey, hmmm, não é exatamente o Chang.
Ela encara Teresa ao pronunciar essas palavras, como se quisesse cravar essa verdade nela.
Então, sem desviar os olhos, se vira para Analisa.
— Posso te tocar, Analisa? — Sua voz agora é grave, intensa, quase desafiadora.
O rosto de Analisa se ilumina com uma curiosidade quase infantil, os olhos brilhando de empolgação.
— Só se for agora! — responde, animada, sua voz carregada de expectativa.
Kira se aproxima mais de Analisa e a toca. De repente, algo que parece saído diretamente de um filme de ficção científica acontece—apêndices emergem de seus corpos. Os de Kira são biológicos, pulsando como extensões vivas de sua carne, enquanto os de Analisa se assemelham a cabos de fibra óptica, brilhando em tons azulados. Eles se entrelaçam, eletricidade fluindo entre elas, como se seus sistemas estivessem se comunicando em um nível além da compreensão humana. Os apêndices de Kira brilham em um tom vermelho intenso, como sangue pulsante, enquanto os de Analisa irradiam um azul frio. As duas entram em um estado de transe.
Fico paralisado, tentando processar o que estou vendo. Antes que possa reagir, os apêndices recuam, retraindo-se de volta para dentro de seus corpos, como se nunca tivessem existido.
Por um instante, elas se encaram. Então, Analisa solta um riso baixo, que logo cresce em algo próximo da histeria.
— Do carälho, hein, Kira… então nós duas somos mesmo irmãs em tudo.
Ela ri mais um pouco, balançando a cabeça como se ainda tentasse absorver a revelação. Mas antes que qualquer um de nós tenha tempo de digerir o que acabou de acontecer, ela continua, agora com um brilho inquietante nos olhos:
— Temos outra irmã. Será que ela tem alguma coisa também? Você poderia “varrê-la” do mesmo jeito?
A naturalidade com que ela trata isso me incomoda. Há algo perturbador na forma como elas lidam com essas descobertas, como se fossem apenas mais uma experiência em um laboratório. Talvez, depois de uma vida inteira sendo tratadas como cobaias, como produtos, elas simplesmente tenham deixado de se ver como humanas.
O silêncio que se seguiu foi quebrado por Teresa, que finalmente se manifesta, sua voz séria:
— Kira, o que fizeram com Chang?
Kira responde com uma calma inquietante, como se estivesse explicando algo trivial:
— Trouxeram ele de volta. Mas, como o Anastasys reseta seu corpo, ele altera suas informações, então eles aproveitaram e inseriram novos dados. Simples assim. A mudança corporal parece que ele já tinha concordado de antemão. E, obviamente, vocês sabem que a BioCom tem um contrato.
Ela faz uma breve pausa antes de concluir com um leve dar de ombros:
— Chang agora pertence à empresa.
Teresa engole em seco e me lança um olhar que parece um pedido de ajuda. Há um súplice contido em seus olhos, mas eu desvio, mudando de assunto. Ela baixa o olhar, claramente desapontada, mas acho melhor não entrarmos nesse tema agora. Ciúmes? Medo? Não sei ao certo, mas saber que uma parte de Chang ainda está viva me incomoda de um jeito que não consigo explicar.
Respiro fundo antes de falar:
— Kira, pode chamar Killey aqui, se achar necessário. Mas antes, temos algumas pendências para resolver.
Enquanto falo, toco suavemente a mão de Teresa, um gesto discreto de conforto. Ela não reage de imediato, mas sei que sentiu.
Kira cruza os braços, a postura firme. Seu tom é puro comando quando responde:
— Já chamei. Mas para preparar o terreno, deixei um intervalo de uma hora entre o nosso encontro e a chegada dele. Isso significa que você ainda tem vinte minutos. Então, fale.
Sua autoridade é inquestionável. Não há espaço para rodeios.
— Vendi o espólio que trouxe. Tive alguns problemas com a identificação de alguns itens devido aos registros dos antigos proprietários, mas no fim, tudo deu certo. O valor total da venda foi trinta e cinco milhões de eurodólares. Já peguei minha parte—três milhões e meio. Tudo certo?
Kira apenas dá de ombros e acena em concordância, sem demonstrar surpresa ou emoção.
Analisa e G.E.S.S. continuam boquiabertos, visivelmente impressionados com a quantia mencionada. Jair, por outro lado, mantém o olhar fixo em Kira, como se tentasse decifrá-la, captar algo além das palavras e expressões. Ghost segue conectado à rede, alheio à conversa. No pátio, Iara e Ivan conversam entre si, completamente desligados do que acontece aqui dentro.
— Vou transferir tudo para sua conta. Apenas me passe os dados.
Ela vem até mim e me entrega um papel com dados escritos nele. É uma conta bancária.
— Kira se precisar de ajuda com a K'Corp estou aqui para ajudar. Entendo um pouco de administração e contabilidade.
Ela acena levemente a cabeça em concordância.
A tensão ainda paira no ar quando decido avançar com outro assunto. Respiro fundo e solto a ideia sem rodeios:
— Kira, tem mais uma coisa. Vou fundar uma gangue para enfrentar as corporações, combater esse ciclo de exploração e, se não conseguirmos impedir, pelo menos tentar abrir os olhos do povo. Não quero que o que fizeram com você e Analisa se repita. Estou criando os Corvos. Você já está fundando a K'Corp… poderíamos trabalhar juntos.
Meu tom é empolgado, mas sei que estou tentando convencê-la mais do que qualquer outra coisa.
Kira me encara por um momento, e então, sua resposta vem como um golpe seco:
— E quem disse que eu me importo com cobaias? Quem disse que ligo para o que fizeram comigo ou com ela?
Seu tom inquisidor corta como uma lâmina. Não há hesitação, apenas uma frieza calculada.
Engulo a seco, mas mantenho minha postura.
— Não sei. É exatamente por isso que estou perguntando. Quero saber se você está dentro ou não. Essas respostas só você pode me dar.
Mantenho meu tom firme, mas sem hostilidade. Quero que ela perceba que não estou aqui para julgar suas escolhas, apenas para entender até onde ela está disposta a ir.
— Posso até compartilhar informações com você. Temos todo o seu projeto e descobrimos ainda mais coisas.
Dou um passo adiante, mantendo a empolgação na voz, tentando envolvê-la na ideia.
— Vamos trabalhar juntos! Os Corvos e a K'Corp!
Espero pela reação dela, tentando medir qualquer sinal de interesse, qualquer brecha que me permita convencê-la.
Kira cruza os braços, seu olhar é afiado e impassível.
— Ok. Mas me diz… o que sua gangue pode fazer contra uma Elitech, por exemplo? Ou contra uma Suijin?
Ela dá um passo à frente, me olhando diretamente nos olhos.
— Nada. Nem mesmo contra a Vortoli ou a BioCom, que são apenas grandes corporações. Quem dirá contra as megas…
Sua voz é fria, pragmática. Um balde de água gelada na minha empolgação.
Ela não está errada. O mundo não funciona com revoluções românticas e ideais nobres. Mas mesmo sabendo disso, não recuo.
— Kira, você é muito importante. Temos muitas informações sobre você afinal… temos um contato dentro da BioCom…
Antes que eu possa continuar, um brilho prateado corta o ar. A monokatana de Kira está desembainhada num piscar de olhos. Quem estava distraído agora está de pé, em alerta máximo. Teresa congela, um tremor involuntário percorrendo seu corpo. Analisa, por outro lado, apenas observa a cena com um sorriso brincalhão, como se estivesse se divertindo com o caos.
Jair se move instintivamente, posicionando-se ao lado de Kira, seu corpo já preparado para qualquer eventualidade. G.E.S.S. simplesmente fica de boca aberta, incapaz de reagir.
A voz de Kira ecoa como um trovão contido, carregada de ameaça:
— Nem continue. Porque se eu souber quem é essa pessoa… ela e vocês estão mortos.
O ar na sala fica pesado, sufocante. Ninguém ousa se mover.
E então, com uma frieza cortante, ela acrescenta:
— E sobre meu projeto, eu também o tenho. Afinal, fui até a Europa e o busquei direto da fonte. E, de brinde, ainda ganhei uma irmã.
Seu tom é venenoso, carregado de sarcasmo e algo mais profundo—uma amargura afiada como navalha.
Sinto-me encurralado, sem espaço para argumentos. As palavras morrem na minha garganta.
Ela me desarmou por completo.
E no silêncio opressor que se segue, percebo que qualquer tentativa de contestá-la seria inútil.
Enquanto isso Teresa que estava ofegante, como se organizasse algo em sua mente...