- EXPLORANDO A CIDADE DA SUCATA

1773 Words
Ponto de vista de terceira pessoa Assim que a picape passa rente a um beco escuro, Kira aproveita o momento. Com um movimento preciso, ela se solta das ferragens e se impulsiona para fora, jogando o corpo no ar antes de rolar sobre o chão áspero. O impacto levanta poeira e arranha sua jaqueta, mas ela se recupera rapidamente, deslizando para uma posição segura dentro da sombra dos prédios. Killey, mesmo sentindo o ombro latejar, sabe que precisa fazer o mesmo. Com menos elegância e muito mais gemidos de dor, ele se solta e cai pesadamente no chão. O choque do impacto arranca um grunhido de sua garganta enquanto ele rola algumas vezes antes de finalmente parar, ofegante. Kira se aproxima dele com um olhar analítico. — Se você gemer mais alto, vão achar que estou te matando. Killey estreita os olhos, respirando fundo para conter a dor. — Me sinto quase morto… Então, tecnicamente, não estaria errado. Ela ignora a piada e inspeciona o ferimento. O corte no ombro é profundo, mas nada que vá matá-lo. Ainda assim, se não for tratado, pode ser um problema. Sem hesitar, Kira saca uma seringa hipodérmica do bolso interno da jaqueta e a pressiona contra a pele de Killey. — Isso vai arder um pouco. Antes que ele possa protestar, o líquido entra em sua corrente sanguínea, e quase imediatamente, os nanoides começam a agir. A dor dá lugar a uma sensação de calor estranho enquanto os microrrobôs trabalham para regenerar o tecido danificado. — Ugh… Você devia avisar antes! — reclama ele, massageando o local. — Você ainda estaria resmungando. Agora encosta aí e fica quieto — ordena Kira, já se afastando. Ela percorre o beco com cautela, os olhos vasculhando o ambiente em busca de algo útil. Sua prioridade agora é obter informações. Se a Cidade da Sucata for minimamente organizada, deve haver um terminal de dados por perto. E, para sua surpresa, há. Na parede lateral de um edifício coberto de neon e placas holográficas piscantes, um terminal público está embutido em um suporte metálico gasto. A tela, apesar das marcas de uso e poeira acumulada, parece funcional. Kira se aproxima e conecta um pequeno dispositivo ao painel lateral do terminal. O equipamento pisca em um tom azul suave enquanto começa a extrair informações. Na tela, um mapa detalhado surge. Para alguém de fora, a Cidade da Sucata poderia parecer um amontoado caótico de construções improvisadas e ruas sem planejamento, mas a realidade é diferente. Os bairros são separados por cores distintas, como um código territorial. Há uma legenda bem estruturada indicando zonas comerciais, industriais e habitacionais. Estabelecimentos de todos os tipos estão marcados: bares, oficinas mecânicas, mercados clandestinos e até pontos de táxi e transporte público. Kira arqueia uma sobrancelha. — Isso aqui é bem mais organizado do que criminoso… Ela solta um riso seco, reconhecendo a ironia. Mesmo sendo um lugar dominado pelo crime, há um sistema funcional por trás de tudo. Provavelmente um equilíbrio entre caos e controle, onde a ordem existe apenas para manter os negócios fluindo sem interrupções. Atrás dela, Killey observa com curiosidade. — Então, já sabe para onde vamos? Kira não responde imediatamente. Seus olhos analisam as informações na tela, buscando algo específico. Um ponto de interesse, um nome conhecido, qualquer coisa que indique o melhor caminho a seguir. Kira analisa o mapa na tela do terminal, os olhos percorrendo rapidamente os pontos de interesse. Então, algo chama sua atenção. — Aqui. — Ela aponta para um nome na tela. Copo Sujo. Seu olhar se estreita, um pressentimento se formando em sua mente. — Precisamos ir até esse bar. Killey, ainda massageando o ombro parcialmente regenerado, franze a testa. — Ok. Mas o que te faz pensar que tem algo lá? Quero dizer, você sequer conhece esse lugar. — Seu tom carrega um leve desdém, como se questionasse a lógica da decisão dela. Kira não desvia os olhos da tela enquanto responde, sua voz firme e analítica, carregada de um raciocínio frio e calculista. — Se você fosse um sicário que acabou de extraditar alguém, recebeu uma bela grana pelo trabalho e entrou em um território onde pode conseguir qualquer tipo de contato e armamento, você simplesmente iria embora imediatamente? Ou iria a um bar movimentado para curtir e comemorar uma missão bem-sucedida? Ela finalmente se vira para encará-lo, o brilho de desafio em seu olhar. Killey abre a boca para retrucar, mas então percebe a lógica impecável por trás do que ela disse. Não é apenas um pressentimento, é um raciocínio estratégico baseado em comportamento previsível. Ele solta um suspiro, surpreso com a velocidade com que ela conectou os pontos. — Tá bom… — murmura ele, desviando o olhar por um momento antes de assentir. — Faz sentido. Sem dizer mais nada, Kira fecha o terminal e recolhe seu dispositivo. — Então vamos. Quanto mais rápido chegarmos lá, melhor. Killey apenas concorda com um aceno. Enquanto os dois se preparam para deixar o beco, uma nova questão paira no ar: se a teoria de Kira estiver certa, o Copo Sujo não será apenas um bar qualquer. Ele pode estar repleto de assassinos de aluguel, mercenários e informantes. E um único passo em falso pode transformar a busca por respostas em uma luta pela sobrevivência. Como uma ironia do destino — ou talvez apenas a natureza implacável da Cidade da Sucata — Kira e Killey são barrados assim que tentam entrar no Copo Sujo. Dois brutamontes, altos e robustos como muralhas vivas, bloqueiam a entrada com posturas firmes e expressões impassíveis. Um deles, de cabeça raspada e cicatrizes cruzando a sobrancelha, dá um passo à frente e foca seu olhar especialmente em Kira. — Cadê o passe? — sua voz soa como um trovão abafado, carregada de autoridade. Kira não faz a menor ideia do que seja esse passe. Mas, considerando o lugar, supõe que seja algum tipo de autorização para circular livremente pela cidade — algo exigido de forasteiros. Seu cérebro trabalha rápido. Hesitar ou demonstrar incerteza pode ser fatal. Então, ela blefa. — Meu passe está com meu chefe, o Sr. Barney. — Sua voz sai firme, sem hesitação. Os brutamontes se entreolham, trocando um olhar breve, mas significativo. Kira percebe o momento em que a dúvida os atravessa — a menção de um nome específico cria um ar de credibilidade na mentira. O outro segurança, um homem de pele escura e braços cobertos de tatuagens tribais, cruza os braços e solta uma risada nasal. — Barney já tá lá dentro faz um tempo. Tá no mezanino. Sem mais questionamentos, os dois abrem caminho. Kira passa sem sequer olhar para trás, e Killey a segue de perto. Apenas quando já estão dentro do bar, longe do alcance dos seguranças, Killey solta o ar que nem havia percebido que estava prendendo. — Mas você nem tinha certeza! — sussurra ele, ainda surpreso com o risco que ela correu. Kira dá de ombros, completamente indiferente. — A única certeza era que, mentindo ou não, não tínhamos o passe e nada mudaria isso. Então arrisquei. Killey pisca algumas vezes, absorvendo a lógica fria e implacável dela. — Você é maluca. Kira finalmente esboça um sorriso de canto, carregado de ironia. — E funcionou, não funcionou? Sem mais palavras, ela avança pelo bar, deixando Killey com um misto de admiração e inquietação. Ao subir ao mezanino, Kira avista o Sicário Barney, o homem responsável pela extradição da agora Dra. Kelly Chambers. Ele está cercado por algumas pessoas, provavelmente sua equipe. No entanto, algo chama a atenção de Killey: nenhum deles estava no porto no dia da missão. Enquanto Kira sobe as escadas, Barney a encara fixamente. Ele conhece, ainda que de forma superficial, a reputação da Onna-bugeisha, e isso o deixa apreensivo. O que ela quer com ele? Por que veio procurá-lo? Essas perguntas passam por sua mente enquanto os dois ficam frente a frente. — Olá, Barney. Você cumpriu uma missão que muito me interessa. Agora que seu contrato com a Dra. Chambers foi concluído, está livre para aceitar um novo comigo, certo? Kira sabe bem como funciona o mundo dos mercenários. Um contrato firmado precisa ser cumprido, caso contrário, a reputação do mercenário é destruída. Mas Barney já havia terminado sua obrigação anterior, e informações podem ser vendidas para quem estiver disposto a pagar. O que ela ainda não sabe é que Barney não está na Cidade da Sucata por acaso. Ele aceitou esse trabalho por um único motivo: sua irmã foi capturada e será vendida no mercado de escravos que começa hoje, às duas da madrugada. O tempo está contra ele. E, de certa forma, a presença de Kira ali parece uma providência do destino. — Kira, que prazer tê-la aqui. Precisa de algo meu? Informações, talvez? — diz Barney, com um sorriso de quem sabe que está no controle da situação. E, de fato, ele está. — Qual é o seu preço, Barney? — Kira vai direto ao ponto. Já entendeu que ele ainda está em missão. Afinal, sua equipe está ali: seis sicários de aparência intimidadora e fortemente armados. Homens preparados para uma guerra. — Preciso que resgate uma pessoa para mim. Faça isso, e lhe darei as informações que procura, talvez até um bônus. Quem sabe? — Barney fala com um tom confiante, seguro de si. — Certo. Quem precisa ser resgatado? — Kira pergunta sem rodeios. — Minha irmã. Ela foi raptada e será vendida no mercado de escravos que começa em três horas. — Barney solta a informação sem cerimônia, direto ao ponto. — Ok. Para que direção fica esse mercado? — Kira questiona, já imaginando que o leilão seja itinerante. E sua suposição está correta. — O local muda a cada evento, e apenas os compradores têm acesso à informação. Mas, para sua sorte, eu tenho. — Ele sorri de maneira sarcástica. — Me passe a localização, e você terá sua irmã de volta antes do que imagina. Barney, sem perder tempo, acena positivamente e entrega um documento a Kira. — Esse é o passe. Com ele, poderá negociar e circular livremente pelo local. — Ele sorri de forma cínica antes de continuar. — Vamos ver se você é tudo aquilo que dizem. Ele se levanta e, sem olhar para trás, segue acompanhado de seus sicários. Antes de desaparecer pelo caminho, finaliza com um aviso firme: — Amanhã, aqui, até às dez da manhã. Sem falta. Os caminhos se separam. Kira e Killey partem sem hesitação, avançando rumo ao mercado de escravos. Cada passo os aproxima do perigo, mas também de seu objetivo. A missão de resgate começa.
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