- ALESSANDRO: ESPECTADOR

1738 Words
Ponto de vista de Alessandro Estou em meu quarto no hotel. Ligo os monitores com um toque rápido e direciono o foco para o quarto da Kira. Estranho, ela ainda não voltou. Algo não parece certo. Uma inquietação começa a crescer em meu peito. Levanto-me, atravesso o ambiente silencioso e abro a porta lateral — estamos na suíte presidencial, e os quartos são separados, como num pequeno apartamento. Há até uma cozinha compacta entre nós. O espaço é luxuoso, confortável, mas nesse momento tudo parece frio e inútil. Ajusto as câmeras, tentando obter agora a visão do quarto de Aurora. É então que tudo desaba. Um barulho violento. Estilhaços. Gritos abafados. Tiros. Muitos tiros. O som seco e contínuo de disparos pesados reverbera pelos corredores como marteladas no crânio. O ar treme com o volume, e o chão vibra sob meus pés. Algo está acontecendo. Algo muito sério. Meus punhos cerram. Minha mente entra em alerta. A apreensão toma forma e se transforma em um turbilhão de adrenalina. Estão atrás de Kira. Só pode ser isso. Tenho acesso à todo sistema de câmeras, externas, internas e corredores. O cheiro de pólvora e sangue chega ate meu quarto — ecos de tiros pesados, explosões, gritos abafados e concreto ruindo. Estou diante do painel de monitores, os olhos colados nas câmeras de segurança, assistindo a cena com o coração em ruínas. Vejo Kira cair. O corpo dela tomba com um baque seco, o sangue jorrando em profusão, tingindo o chão com um vermelho escuro e espesso. A imagem treme por causa das explosões ao redor, mas o que vejo me paralisa: a perna dela destruída. Simplesmente não está mais lá. Meu punho fecha com força sobre a mesa. Estou preso atrás de uma tela enquanto a mulher que eu amo está sendo massacrada. O rugido dos veículos lá fora aumenta. Sinto a vibração no chão. Eles se reposicionam no ar como predadores em círculo. E então vejo. Portas laterais se abrem nos flancos das naves, e mais homens descem por cabos, equipados com exoesqueletos táticos, viseiras pretas e fuzis automáticos. Estão prontos. Estão coordenados. Isso não é uma incursão comum — é uma caçada. Eles estão atrás dela. Vejo Kira se arrastando, uma das mãos tateando o cinto até encontrar uma granada de pulso. Ela a ativa com os dentes e a lança com precisão por uma das janelas. A detonação azula o céu e desestabiliza um dos veículos que vai caindo praticamente dentro do quarto. Mesmo ferida, mesmo sangrando, ela ainda luta. Ela está preparando outra granada quando Aurora aparece. Por um segundo, penso que ela vai correr até Kira — mas não. Ela hesita. Observa. Avalia. Inteligente como sempre, foge na direção da escada de emergência. E é quando tudo piora. Os mísseis são lançados. Vejo os rastros de calor cortando o céu. O quarto explode, as janelas estouram em bola de fogo. Os alarmes do prédio disparam, o sistema de emergência tenta conter o caos, mas é inútil. Um dos pilares próximos à Kira desaba, esmagando dois invasores com um som grotesco de osso, metal e concreto se partindo. Vejo que o corpo dela também foi atingido, mas não a localizo mais, tem muita fumaça e fogo dentro do quarto. Kira some da visão por alguns segundos que parecem horas. Quando a imagem retorna, vejo ela se arrastando até um armário tombado, usando-o como abrigo improvisado. A dor deve estar insana, mas ela não grita. Ela nunca grita. Outros três inimigos avançam, lentos, cuidadosos, falando algo que mäl consigo ouvir por conta dos barulhos do ambiente, seleciono a frequência em meu ciberáudio e capto parte da comunicação: “Primeiro objetivo e prioritário: Extrair o parasita da cobaia Kira. Segundo objetivo: Seqüestrar Aurora. Fico confuso, Parasita da cobaia Kira? Seqüestrar Aurora? Estou pensando nisso enquanto foco nas próximas cenas, quando então meu coração dispara pelo que vislumbro, Kira está com metade do corpo danificado pela explosão, e mesmo assim, ela simplesmente usando sua própria monokatana corta fora sua perna que está inteira, de repente de seus ferimentos saem apêndices e estão envolvendo os dois homens mortos esmagados próximo à ela, e alguns ferros, alumínio, cobre está sendo levado próximo a ela, retorcido e moldado para se tornarem parte de seu corpo. Ela agora tem duas ciberpernas, com placas móveis de carbono fosco, como cordas pretas e flexíveis que se contraem sob impulsos elétricos. Eles pulsam suavemente, respondendo a cada pequeno ajuste do corpo, como se respirassem. São segundos, e vejo Kira se levantar inteira, sem ferimento algum. Ela investe contra os três homens que estão próximos a ela. Ela os mata em apenas três segundos. Após isso ela olha para a janela, parece pensar algo, como se calculasse o próximo passo. Kira olha através da janela da suíte. O vento cortante da altitude balança seus cabelos que chicoteiam o seu rosto. Lá embaixo, a cidade brilha como uma mancha viva. Mas ela não olha para baixo. Olha para frente. O Veículo de Impulso Vetorial paira a cerca de vinte metros, flutuando em manobra tática. Os motores rugem em uníssono, mantendo o monstro metálico estável, mas não imóvel. Um dos flancos está aberto, com mais soldados se preparando para descer — ela tem uma janela de tempo de segundos. Talvez menos. Kira volta alguns passos e prepara para a corrida. Cada passo ressoa com potência bruta — os myomars¹ da ciberperna se contraem, o feixe de músculos sintéticos pulsando sob a armadura exposta como uma serpente viva de energia. O solo range. Um passo, dois, três… Ela salta. O disparo de força é violento. O chão se fragmenta atrás dela — concreto e mármore explodem em uma onda radial. A ciberperna empurra com toda sua potência, lançando Kira num arco impossível, como um projétil humano cruzando a noite. Durante o voo, ela gira o tronco, o corpo perfeitamente alinhado, olhos fixos na abertüra do Veículo. Sensores de estabilização na perna corrigem o vetor de entrada, ajustando pequenas torções de quadril e tornozelo em frações de segundo. Os soldados a bordo a veem vindo tarde demais. Um deles mäl tem tempo de gritar quando Kira atravessa a abertüra como um míssil, o impacto derrubando dois homens armados. Ela rola no metal interno da nave, a fricção soltando faíscas, e se ergue já com a monokatana em mãos — silenciosa, letal, intacta. Eu não consigo mais ver nada, não dentro do veículo, mas no hotel volto minha atenção para onde Aurora foi e noto que ela está escondida e por hora segura. Meus olhos estão grudados no monitor, cada fibra do meu corpo em alerta.Kira se segura na lateral do veículo com uma mão encharcada de sangue e a outra firmemente cravada numa saliência metálica. Ela não parece hesitar. Não olha para trás. Apenas dispara o gancho do ciberbraço — uma linha fina de aço que se lança com precisão até cravar na fuselagem do segundo veículo. O cabo tensiona com força, e ela salta. Eu prendo a respiração. A imagem treme, mas eu vejo. Ela balança no ar como um pêndulo humano, corpo esticado. O movimento é perfeito. Geométrico. Quase impossível. A força centrífuga cresce, o arco se amplia, e quando atinge o ponto máximo — ela solta o cabo. Kira voa. O corpo dela corta o espaço entre as naves como uma lança viva. As câmeras tentam acompanhar, mas é rápido demais. Eu corro até a janela a ponto de ver um borrão se aproximar da janela reforçada, e então o impacto. A ciberperna acerta em cheio, com força suficiente para estourar a blindagem tripla. A janela explode. Fragmentos de vidro e metal giram em câmera lenta, e Kira atravessa a abertüra como um demônio expulso do céu. Após instantes comeca a queda, ela abre a porta lateral, então a vejo e alguns corpos tombados, consoles destruídos. Kira se mantém de pé, firme, os olhos varrendo o caos. Estou a encarando e noto seu olhar como se vaculhasse o corredor do andar abaixo de onde ela e Aurora estavam. Provavelmente ela localizou o homem que está procurando Aurora. O vento sibila, jogando os cabelos para trás. Lá embaixo, o buraco na fachada do hotel ainda fumaça, um acesso direto de volta para o caos — para a caça. Ela salta. O ciberbraço esquerdo gira com precisão, o gancho retrátil disparando com um estalo agudo. O cabo se prende a uma viga metálica do prédio. O corpo de Kira mergulha no ar, puxado pela gravidade, até que o cabo se estica e ela se torna um projétil em queda controlada. Ela gira. Um movimento circular, aproveitando o impulso para alinhar o corpo. Solta o cabo no instante exato, e atravessa a abertüra. O impacto é seco. Ela rola no chão, já se levantando em movimento contínuo. O corpo responde como uma máquina de guerra: ágil, preciso, implacável. Eu saio do quarto para ir correndo até ela. Do lado de fora, o corredor é uma extensão do inferno. Luzes de emergência piscam ritmadas como o último suspiro de um coração falhando. O chão está coberto de poeira, sangue e estilhaços. Mas eu corro até o andar debaixo. E então eu o vejo — o último homem. Ele corre, cambaleante, tropeçando sobre corpos e concreto quebrado. O rifle quase escorrega de suas mãos. O medo escorre do rosto dele como suor. Ele sabe que não vai sair dali com vida. Mas ele ainda tenta. O som vem atrás dele, passos rápidos, impiedosos. Ele se vira. Kira já está lá. A monokatana dela brilha com um tom azulado, frio, cortante. O homem entra em pânico, ergue a arma e dispara. Uma rajada de três tiros. Ela não pára. Ele se desespera. Rajada de dez tiros. As balas a atingem. Eu as vejo perfurando sua armadura, entrando em sua carne. Sons surdos de impacto, de aço sendo amassado, de tecido sendo rasgado. Mas ela não pára. Um monstro feito de aço, sangue e propósito. Ela não hesita. Não diminui. Não desvia. Quando chega perto o suficiente, a katana rasga o ar com um silvo agudo. A cabeça dele voa com um corte limpo, seco, quase elegante. Rola pelo chão, bate contra a parede, e por um instante parece olhar pra mim. Ela pára. Respira. O sangue escorre pelo rosto dela, misturado com fuligem, suor e algo mais — algo feroz, indomável. Seus olhos se viram para mim, e por um instante o tempo congela.
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