Ponto de vista de terceira pessoa
O corpo de Chang Liu foi recolhido pela equipe médica da BioCom. A operação foi conduzida com precisão cirúrgica, como se cada movimento fosse parte de uma coreografia cuidadosamente ensaiada. Entre os especialistas presentes, destacava-se Xiaomei, a representante da BioCom. Dona de uma beleza hipnotizante e um olhar frio e calculista, ela caminhava com uma postura impecável, como se cada passo selasse um destino inevitável.
Diante da banda e de Teresa, que mäl conseguiam conter o desespero, Xiaomei fez uma proposta ousada: Trazer Chang de volta à vida. A tecnologia experimental chamada Anastasys ainda não havia sido lançada no mercado, e seus riscos eram desconhecidos, pelo menos ao público. O procedimento era incerto, controverso, e ninguém sabia ao certo quais seriam suas consequências, os poucos registros eram de desenvolvimento de alguns transtornos e psicopatia, claro que isso era algo encoberto e não fora revelado a banda e nem a Teresa. Mas diante da alternativa — a perda definitiva de Chang — a decisão era inevitável.
O silêncio carregado de tensão foi quebrado apenas pelos sussurros hesitantes e pelo choro contido de Teresa. Mesmo sem confiar plenamente na BioCom, eles sabiam que aquela era a única chance.
No laboratório subterrâneo, uma câmara de vidro foi preparada com velocidade e precisão pela equipe médica. Os monitores piscavam com gráficos e códigos enigmáticos, enquanto o brilho azul dos líquidos criogênicos iluminava as paredes metálicas. Xiaomei instruiu a equipe com firmeza:
— Primeiro, estabilizem o corpo e iniciem o protocolo criogênico. O Anastasys precisa de um ambiente perfeito para funcionar.
Técnicos ajustaram os controles enquanto o tanque criogênico era preenchido com um líquido translúcido, denso e cintilante. O corpo inerte de Chang foi cuidadosamente submerso, fios e sensores se conectando a ele como teias de aranha sintéticas.
— Assim que o Anastasys estiver concluído, avancem para a próxima fase — continuou Xiaomei. — Novos implantes serão instalados. Dois ciberbraços e duas ciberpernas.
Um silêncio pesado pairou no ambiente. Ninguém ousou questionar. A BioCom não apenas traria Chang de volta, mas o reconstruiria. Ele ainda seria ele mesmo?
Os monitores piscavam freneticamente. O tempo corria. E a transformação de Chang Liu havia começado.
Dois dias se passam. O corpo de Chang, outrora sem vida, pulsa novamente. Ele está deitado sobre uma maca cirúrgica, nu, enquanto uma equipe de médicos e engenheiros biomecânicos finaliza a implantação de seus novos cibermembros. Mas não se trata apenas de um retorno à vida—ele está sendo reconstruído, remodelado.
Antes, Chang era um chinês de pele levemente bronzeada, olhos negros puxados e cabelos longos e lisos, adornados com luzes que mudavam de cor em um padrão caleidoscópico. Sua estatura era mediana, seu corpo magro, sem músculos protuberantes. Agora, porém, a figura que repousa sobre a maca é quase irreconhecível.
Seus cabelos foram cortados curtos e assumiram um tom castanho-claro. Os olhos, antes escuros, agora brilham em uma tonalidade clara e intensa, ligeiramente amendoados. Sua altura foi alterada drasticamente—o corpo, antes esguio, recebeu enxertos musculares que redefiniram sua estrutura. Seus ossos foram substituídos por barras de metal enriquecido, os ligamentos trocados por ligas de aço flexíveis. As pernas receberam extensões ortopédicas nos joelhos, combinadas a uma haste intramedular, tornando seus movimentos mais ágeis e ampliando sua estatura de forma imponente.
Foram instalados processadores neurais, aceleradores de reflexos, sistemas de precisão e manobra, além de um módulo para aprimorar a inteligência e o autocontrole. Uma glândula especializada foi incorporada para a produção de adrenalina, acompanhada de um inibidor de dor. As juntas receberam um sistema hidráulico, aumentando o impacto e a rigidez dos golpes marciais. Os olhos foram modificados para enxergar na penumbra e operar nos espectros ultravioleta e infravermelho.
O homem que um dia foi Chang já não existe mais. No lugar dele, algo novo estava sendo criado—algo mais forte, mais rápido, mais resistente. Mas até que ponto essa reconstrução era apenas física? O que restava do antigo Chang dentro dessa nova casca aprimorada?
Assim que seus olhos se abrem, a confusão é evidente. O olhar vazio, a expressão perdida—não há traço de reconhecimento, nenhuma fagulha de lembrança. Toda a equipe médica sabe disso, e Xiaomei, mais do que ninguém, compreende o que está diante de si: uma casca vazia, um homem sem passado, sem identidade. Talvez algum transtorno tenha emergido do processo, algo que poderia ser leve ou devastador. Isso só o tempo diria.
Xiaomei se aproxima com cautela. Chang encara o teto por um instante, perdido, até que lentamente move a cabeça para olhá-la. Seus olhos, de um tom claro agora, refletem confusão e incerteza.
— Bem-vindo de volta, Chang Liu — diz Xiaomei, a voz carregada de veneno. Seu sorriso cínico se alarga. — Agora você me pertence.
A frase paira no ar por um momento. Chang franze a testa, tentando entender, mas sua mente é um labirinto de sombras e ecos distantes.
— O... o que...? Onde estou...? — Sua voz sai hesitante, rouca, como se fosse a primeira vez que falava.
Xiaomei se deleita com a fragilidade dele.
— Você morreu. E eu te trouxe de volta — declara sem rodeios, sem qualquer pudor ou gentileza. — Nada mais justo do que sua vida pertencer a mim agora.
Chang pisca algumas vezes, processando. Ele não sabe quem é, não sabe quem ela é. As palavras dela fazem sentido? Algo dentro dele grita que não, mas não há lembranças para sustentá-lo.
— Você era um astro — continua Xiaomei, caminhando ao redor da maca como um predador estudando sua presa. — Mas agora pode ser o que eu quiser. E eu preciso de um homem de ação.
Seus pensamentos vagam, projetando cenários e possibilidades. Seus olhos brilham com ambição. Na mente distorcida de Xiaomei, ela tem certeza de que seguiu cada passo corretamente. Douglas teve Kira. E agora, ela teria Chang. A diferença já era visível—o porte, a presença. Logo, ela faria o teste.
Um teste simples, a princípio. Ela precisava recuperar um operativo—um médico que havia roubado um projeto sigiloso da BioCom. Se conseguisse trazer de volta o que fora tomado, sua posição ficaria fortalecida. O vice-presidente Alessandro notaria seu valor. E como tantos outros, Xiaomei desejava estar em bons termos com ele.
Ela observa Chang por um momento, um sorriso de satisfação tocando seus lábios. Logo, ele teria uma missão. Logo, ele provaria seu valor.
E, acima de tudo, logo, ele entenderia que não tinha mais escolha.
Xiaomei analisa a situação com atenção e logo percebe que manter o nome "Chang" não faz mais sentido. Esse nome já não cabe nele, nem em sua nova identidade. Além disso, se continuasse se identificando assim, poderia ser rastreado, comprometendo todo o investimento feito em sua reconstrução. Não, isso não era uma opção.
Outro ponto essencial era a necessidade de registrá-lo oficialmente como funcionário da BioCom. Ele precisaria de um cargo, um propósito. A melhor alternativa? Segurança corporativa. Mas havia um problema: não havia tempo para treiná-lo de forma convencional. Criar um soldado de elite do zero exigiria meses, talvez anos de dedicação, e Xiaomei não tinha esse luxo.
Foi então que uma ideia perversa surgiu em sua mente. Uma solução rápida, brutal e eficaz: lavagem cerebral. Em vez de ensinar, ela simplesmente implantaria o conhecimento diretamente na mente dele.
Ela sabia exatamente como fazer isso. Através de programas de repetição e neurodanças, poderia simular experiências, gravando-as profundamente no subconsciente de Chang. Ele poderia passar horas, dias, absorvendo memórias de um Sicário em ação, assistindo e revivendo cada movimento como se fosse seu.
E assim ela o faz.
Chang é submetido a um regime de condicionamento extremo. Privado de sono, ele passa dias ininterruptos assistindo a missões reais, vídeos e mais vídeos de assassinos altamente treinados manejando armas de fogo, fuzis, armamento pesado. Cada disparo, cada recarga, cada manobra tática é registrada em seu cérebro como se fossem suas próprias experiências. Sua mente, antes vazia, agora é preenchida com a frieza e a precisão de um soldado perfeito.
Diferente de Kira, Chang não seria um guerreiro versátil ou um assassino furtivo. Xiaomei o moldava para algo mais direto, mais letal. Ele seria especializado em armas de fogo, um homem que resolveria qualquer problema com balas. Afinal, para Xiaomei, nada podia parar um projétil em alta velocidade. Humanos certamente não podiam.
Após mais quatro dias, ele estava pronto. O homem que um dia fora Chang agora tinha um novo nome, uma nova identidade: Killey.
Xiaomei observa sua criação com satisfação. O treinamento forçado, a lavagem cerebral, tudo havia funcionado perfeitamente. Ele não questionava, não hesitava—era uma arma viva, programada para obedecer e executar. Agora era a hora de testá-lo em campo.
Ela se aproxima, segurando uma arma em mãos. Com um movimento calculado, a estende para Killey.
— Sua primeira missão. — Sua voz é firme, carregada de expectativa.
Killey pega a arma sem demonstrar emoção.
— Seu alvo é um médico. — Ela continua. — Um traidor que roubou informações valiosas da BioCom. Mas há um detalhe…
Xiaomei dá um pequeno sorriso antes de prosseguir. Durante uma investigação pesada, ela descobriu que o médico havia mudado de identidade—e de corpo. Ele agora era ela. Uma mulher. E não estava sozinha.
— Ela se associou a um Sicário especializado em extradição. Está tentando fugir.
Xiaomei encara Killey, avaliando sua reação. Mas ele permanece inabalável, esperando as ordens.
— Para onde ela pretende ir, não importa. O que importa é que você deve interceptar a fuga e recuperar o que nos pertence.
Ela dá um passo para trás e cruza os braços, confiante.
— É uma missão simples. Você vai tirar de letra.
Killey inspeciona a arma em suas mãos, ajusta a postura e acena com a cabeça. Não há dúvidas em sua mente. Apenas a ordem recebida e a ação necessária para cumpri-la.