- O ASTRO

1627 Words
Ponto de vista de terceira pessoa Chang Liu havia ficado para trás quando Kira, Logan e G.E.S.S. partiram para a Europa. Ainda se recuperava da perda de uma perna e aproveitava o tempo para descansar. No entanto, havia algo mais que o inquietava. Na noite anterior, recebera um telefonema estranho. A voz do outro lado da linha era feminina, e ele a reconheceu imediatamente: sua mãe. Ela soava aflita ao informar que seu pai estava doente e precisava que ele voltasse para casa. Chang hesitou. Respondeu com firmeza que não podia retornar agora, que precisava seguir seu próprio caminho. Do outro lado, sua mãe começou a chorar. A voz dela tremia de preocupação e desespero ao implorar para que ele reconsiderasse. Disse que o pai precisava da unção para partir em paz. Chang Liu revirou os olhos. Para ele, aquilo era um absurdo. Um mëmbro da máfia tão religioso? A hipocrisia era quase risível. Ele não se deixaria levar por essa conversa e ignorou o apelo da mãe sem hesitação. Logo após desligar a chamada, Chang Liu permaneceu imóvel, segurando o celular entre os dedos enquanto sua mente vagava. O pedido desesperado de sua mãe ainda ecoava em sua cabeça, mas ele tentava afastá-lo. Ele tinha sua própria vida agora. Sua banda, sua namorada, suas próprias aventuras. Havia conquistado sua independência e não queria voltar para aquele mundo sufocante, cheio de obrigações impostas e crenças que nunca fizeram sentido para ele. Aquilo sempre lhe parecera uma lavagem cerebral, uma forma de controle disfarçada de devoção. Mas, por mais que tentasse ignorar, algo dentro dele insistia. Um incômodo, um peso no peito. Ele sabia, no fundo, que não poderia fugir para sempre. Em algum momento, teria que voltar e encarar sua família. Colocar tudo em pratos limpos. Chang está mergulhado em pensamentos, perdido na complexidade de sua situação. O silêncio ao seu redor é abruptamente rompido por barulhos distantes—primeiro, tiros. Em seguida, gritos e o som apressado de passos ecoam pelos corredores. Em alerta, ele se ergue com o auxílio de sua muleta; afinal, ainda está em fisioterapia, se adaptando à nova perna. Ao se posicionar melhor, seus olhos captam a movimentação de vários homens avançando pelo corredor. Eles estão armados—pistolas, submetralhadoras, e dois deles carregam fuzis. Apesar do armamento pesado, suas vestimentas são sofisticadas: ternos bem cortados e roupas sociais impecáveis, um contraste curioso com a brutalidade que carregam. Um deles chama a atenção de Chang. Ele veste uma camisa social entreaberta, revelando o pescoço e, sobre a pele, uma tatuagem: o símbolo de uma garra de tigre rasgando uma moeda antiga. Chang reconhece instantaneamente a marca. É a insígnia da família Longhai. Uma linhagem que, por gerações, tem sido inimiga da sua. O emblema reflete perfeitamente sua filosofia—força implacável e domínio absoluto sobre dinheiro e negócios ilícitos. Agora, com o líder da família Baihu, gravemente doente, a situação se torna clara. Chang, como único herdeiro, é um alvo fácil. O plano dos Longhai é simples: eliminar o herdeiro e tomar à força o território de sua família. Chang Liu sai apressado de seu quarto, movendo-se o mais rápido que pode na direção oposta àqueles homens. O coração acelera, cada passo é uma luta contra a limitação imposta por sua perna em recuperação. Assim que vira o corredor, porém, seu peito se aperta por um instante—mais homens surgem à sua frente. Mas, dessa vez, ele pode respirar aliviado. As roupas exóticas e marcantes denunciam de imediato a identidade dos recém-chegados: são da família Baihu. São seus. Sem perder tempo, eles correm até ele, seus olhares afiados captando o perigo iminente. Não há tempo para perguntas. Antes que Chang possa protestar, já o seguram firmemente e, sem cerimônia, praticamente o arrastam para dentro de um carro. O emblema da família Baihu brilha em seus trajes—um corvo pousado sobre uma pedra de jade, com um galho seco e morto enraizado na pedra. Um símbolo carregado de significado: sabedoria, riqueza e tradição, mas também letalidade e frieza calculista. Na família Baihu, todos são treinados para mätar. Assassinos forjados na disciplina, na paciência e na arte da execução perfeita. Mas Chang nunca quis seguir esse caminho. Seu desejo sempre foi outro. Ele queria mostrar seu talento, sua arte, ao mundo—não usá-la para tirar vidas. Dentro do carro, Chang logo percebe duas figuras familiares: um homem e uma mulher, ambos mais jovens que ele. Seus irmãos. Ele solta um suspiro profundo, sentindo o peso daquele reencontro inevitável. Eles o odeiam. Desde que Chang abandonou a família para viver longe, tudo desmoronou. Seu pai começou a adoecer, e sua mãe nunca mais foi a mesma. Como primogênito, cabia a ele herdar o legado dos Baihu, dar continuidade à tradição e assumir o papel que lhe era destinado. Mas ele não queria isso. Nunca quis. Chang desejava uma vida sem correntes, sem as responsabilidades que a família impunha. Já dormiu na rua, já passou noites em botecos depois de tocar sua música, já viveu do pouco que tinha. Mas, para ele, aquela era a verdadeira liberdade. E era tudo o que queria. A irmã é a primeira a se manifestar. O tom provocativo não demora a surgir. Sem rodeios, ela o cutuca com uma pergunta afiada, questionando o que ele estava fazendo no hospital. Chang, sempre disposto a rebater, não perde tempo. Antes que ela possa continuar, a interrompe com grosseria, respondendo o óbvio — Estava em tratamento médico. Sem dar maiores detalhes ele a informa. Seu irmão, por outro lado, mantém uma postura fria e soturna. Sem rodeios, dispara a pergunta com a voz carregada de desconfiança: — Você se meteu em confusão com alguma família inimiga? Chang, já acostumado com o tom acusador, solta um suspiro pesado antes de responder. — São os meus próprios assuntos. Não têm nada a ver com a máfia, nem com gangues, muito menos com o submundo. Seu olhar é firme, mas a tensão dentro do carro continua palpável. Ele sabe que seus irmãos não confiam nele. E, para ser sincero, ele também não confia neles. O carro segue pela estrada por mais de duas horas, até finalmente parar em frente a um imponente condomínio. Nas grades do portão, o símbolo da família Baihu está exposto com orgulho, deixando claro quem governa aquele território. Nada discreto, mas isso pouco importa. A família Baihu é vasta, sua influência no submundo é colossal e sua fortuna, incalculável. Não há necessidade de esconder-se quando se está no topo da cadeia. Os títulos dentro da família são conquistados por mérito, mas a posição de liderança é um direito de sangue. Como primogênito, Chang era o herdeiro natural do clã, o sucessor esperado. No entanto, apesar de carregar esse destino nos ombros, ele sempre o rejeitou. Ainda assim, não teve escolha quando criança. Desde tenra idade, começou seu treinamento—e, gostasse ou não, era excepcionalmente talentoso. Sua furtividade era impecável, seus reflexos rápidos e suas mãos ágeis. Essas mesmas habilidades, que um dia o moldaram como assassino em potencial, também o levaram a um amor inesperado: a música. A destreza que aprendera no campo de batalha serviu-lhe bem quando pegou uma guitarra pela primeira vez. E, sozinho, dominou o instrumento com uma naturalidade que poucos possuíam. Ao atravessar os portões, Chang se depara com sua mãe, esperando por ele do lado de fora. A ansiedade em seu olhar é evidente. Faz quase um ano desde que ele desapareceu sem deixar rastros—nenhum telefonema, nenhuma visita, nada. Nem mesmo nos eventos familiares ele deu as caras. Para o resto da família, a justificativa era simples: Chang estava no exterior, estudando negócios para se preparar para seu futuro como herdeiro. Mas a verdade era bem diferente. E, pelo visto, alguém havia mexido em algumas informações dentro do submundo o que acabou permitindo rastreá-lo. Durante esse tempo, ele fez de tudo para permanecer oculto. Mudou o cabelo, escondia o rosto sob uma máscara em suas apresentações e usava uma armadura excêntrica, coberta de espinhos e adereços chamativos. Dizia que era parte de seu estilo, mas, na realidade, era um disfarce. Assim que o vê, sua mãe corre até ele e o envolve em um abraço apertado. O calor familiar, há tanto tempo esquecido, o atinge como um choque. Chang não pode deixar de notar o quanto ela mudou nesse ano de ausência. Perdera peso, e alguns fios de cabelo agora estavam brancos. O mais impressionante era que ela sequer tentava esconder os sinais do tempo e do sofrimento—sua aparência levemente debilitada falava por si só. Chang retribui o abraço, e por alguns minutos eles ficam ali, absortos em seu próprio mundo, ignorando tudo ao redor. Quando finalmente se afastam, ele sorri e diz com suavidade: — Eu voltei, mãe. Porém, enquanto pronuncia essas palavras, algo já se forma em sua mente. Ele ergue o olhar e encara o irmão, seus olhos carregando uma decisão firme. — Quero uma reunião com você mais tarde. O irmão o observa por um instante antes de assentir. Aceita o encontro, sem saber que está prestes a descobrir algo inesperado: Chang tem um plano. Ele pretende procurar a BioCom e se submeter a uma alteração completa de DNA. Seu objetivo é claro—manter apenas seu talento para a música. O resto? Tudo pode ser modificado. Sua identidade, sua aparência, suas habilidades ligadas ao treinamento como assassino. O irmão, embora surpreso, não consegue esconder a satisfação. Afinal, essa é a solução perfeita. Com Chang desaparecendo do mapa e forjando sua própria morte, ele deixaria oficialmente de existir como herdeiro da família Baihu. E então, o caminho ficaria livre para que ele assumisse o lugar que sempre desejou: o único e legítimo sucessor da linhagem.
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