Ponto de vista de Alessandro
Estou no quarto do hotel quando sinto um tremor de terra. De repente, todos os vidros em meu quarto se estilhaçam. O barulho é ensurdecedor, e os estilhaços voam por toda parte. Por sorte, estou longe das janelas e das portas da varanda, mas nem mesmo o vidro reforçado foi capaz de conter a onda de choque que atravessa o ambiente com força devastadora.
O pânico toma conta de mim. Meu corpo começa a tremer involuntariamente, e minha mente simplesmente se recusa a processar o que está acontecendo. Sinto um calor sufocante subir por meu corpo, e o suor escorre sem controle. O que está havendo? Penso comigo mesmo, ofegante.
A sensação da onda de choque diminui, e, sem hesitar, corro até a varanda. O que vejo me paralisa. Chamas se espalham por toda parte, e pequenas explosões ainda ocorrem, consumindo o que restou dos edifícios. Minhas mãos tremem enquanto ativo minha lente inteligente e amplio a imagem em 20x. O cenário se revela com detalhes aterradores: corpos por toda parte. O prédio da Vortoli—assim como vários outros ao redor—simplesmente deixou de existir.
Menos de cinco minutos depois, as notícias confirmam o pior: foi um ataque terrorista. O espaço aéreo é fechado, e medidas de segurança emergenciais são imediatamente implementadas. A cidade mudou em um instante—e eu estou bem no meio disso.
Sinto uma dor aguda no peito e uma crescente dificuldade em respirar. No início, penso que é outro ataque de pânico, como o que tive há pouco, mas logo percebo que é algo mais profundo, mais visceral. É como se algo dentro de mim estivesse se estilhaçando, rompendo-se de dentro para fora. Minha mente gira em um turbilhão de pensamentos, e a única coisa em que consigo focar é nela. Kira.
Será que ela está bem? O que diabos foi isso? Algo não faz sentido. Kira não tinha carga explosiva suficiente para causar uma destruição dessa magnitude. Então… o que aconteceu?
Minutos depois, novas informações começam a surgir, e meu choque se transforma em puro estupor. A central do exército foi hackeada. Alguém invadiu o sistema e simplesmente lançou um míssil contra aquelas coordenadas. Centenas—talvez milhares—de pessoas morreram nesse ataque.
A noite chega acompanhada de uma forte chuva. Os meteorologistas e especialistas afirmam que são chuvas ácidas e que, provavelmente, vão durar dias. Tudo está um caos, principalmente minha mente.
Já se passaram pelo menos cinco horas. Não consigo mais esperar e ligo para Logan. Talvez eu devesse ligar para G.E.S.S. para descobrir se foi ele quem hackeou o sistema e lançou o ataque. Mas… isso realmente importa?
O que realmente me atormenta é Kira. Minha mente está tão focada nela que já nem sei mais qual deveria ser minha maior preocupação.
Ponto de vista de Kira
Tudo gira enquanto sinto a queda iminente. O estrondo das explosões reverbera ao meu redor, minha mente se torna um turbilhão, minha visão embaça, meu coração bate descompassado. Aos poucos, a névoa diante dos meus olhos se dissipa, e então a vejo.
Uma garota no chão, jogada entre os destroços. Metade do corpo dela não existe. O lado direito é apenas um poço de sangue e carne dilacerada. O horror aperta meu peito, mas, antes que eu possa reagir, uma voz distante chega até mim.
Uma voz masculina. Profunda. Grave. Reconheço o timbre. Mas os gritos e o barulho das sirenes se misturam, tornando tudo indistinto. Meu coração bate fraco. O frio se arrasta pelo meu corpo. O ar rareia em meus pulmões. Tudo está desacelerando. As sirenes se tornam um ruído abafado. A voz dele também.
Tudo se apaga.
A escuridão me envolve.
Estou despencando de uma altura vertiginosa. O céu ao meu redor é uma mistura surreal de azul, laranja e tons avermelhados. Viro a cabeça de um lado para o outro, tentando encontrar algo, qualquer coisa que possa deter minha queda. Minha mente permanece calma e centrada, buscando uma solução.
Nada.
Meu corpo se choca violentamente contra uma superfície molhada. Um lago? A dor explode pelos meus membros, mas logo luto para emergir. O ar invade meus pulmões em um suspiro desesperado, e então a vejo.
A cobaia que resgatamos.
Ela está ali, na margem, olhando diretamente para mim. Sorrindo. Mas não é um sorriso comum. Há algo errado nele. Um brilho crüel em seus olhos, um prazer perverso em sua expressão. Lentamente, ela se abaixa e toca a água.
O frio me atinge como uma lâmina afiada.
A água ao meu redor começa a cöngelar. É tão abrupto que, quando percebo, já é tarde demais. Meu corpo está sendo aprisionado no gelo, bem no meio do lago.
O pânico me domina. Começo a socar a superfície congelada com todas as minhas forças, tentando quebrá-la antes que me sufoque por completo. Meus punhos latejam.
Bato, bato até ver sangue.
Meu peito arde. O oxigênio se esvai. Água e gelo me cercam por todos os lados. Estou presa.
Com um último golpe desesperado, o gelo finalmente cede. Eu subo à superfície com um rompante, arfando, sugando o ar como se minha vida dependesse disso—e então tudo está diferente.
Não estou mais no lago.
Estou deitada no chão, minha respiração entrecortada. Meus olhos se ajustam à paisagem ao redor. Uma mata. Não muito fechada, mas definitivamente longe da cidade.
Algo me obriga a olhar adiante.
O rastro de destruição deixado pela queda do veículo em que eu estava ainda está ali. Mas há algo mais. Algo errado.
Não vejo minhas pernas. Também me falta um braço. Mas, graças à Deus, minha monokatana ainda está na minha cintura. Meu corpo parece estranho. Dor. Faz tanto tempo que nem sabia mais o que é dor… e agora ela está aqui, real, presente.
Penso em pedir ajuda. Tarde demais. Quando realmente percebo o que está acontecendo, vejo que meus membros decepados estão se regenerando—mas há algo errado. Apêndices finos como veias se estendem deles, puxando partes metálicas para o meu corpo e moldando um novo mëmbro.
Que pörra é essa?
Hoje é um dia de emoções fortes. Há muito tempo que não sinto pânico e essa é exatamente a emoção me dominando no momento.
Estou em total e absoluto pânico.
Não faço ideia do que está acontecendo. E simplesmente odeio isso.
Adoro ter controle. Controle sobre mim, sobre os outros, sobre a vida e a morte. Sobre meus pensamentos e sentimentos também. Mas, desde que o conheci, tudo está embaralhado.
E agora… isso.
Minha falta de memória me incomoda pela primeira vez em anos. Se ao menos eu soubesse quem sou, quem fui... talvez, apenas talvez, eu pudesse entender o que fizeram comigo. Duvido que isso tenha acontecido da noite para o dia. Cobaias são usadas por anos, testadas, analisadas, modificadas. O corpo muda, de novo e de novo. Às vezes, ocorrem instabilidades, e a pessoa passa por transformações ruins, algumas catastróficas.
Lembro-me de Douglas sempre dizer que eu era única. Também me lembro de um dia ter ido ao laboratório para alguns exames e ter visto pelo menos uns cinquenta sacos pretos. Foi estranho. Senti-me grata. Até feliz.
Durante tantos treinos, tantas obrigações, minha mente sempre esteve direcionada, minha atenção focada. Douglas sempre presente, me motivando a ser melhor, mais dedicada, mais disciplinada. E, acima de tudo, ele sempre falava sobre lealdade.
Mas algo me incomodava quando ele mencionava essa palavra, como se nem ele compreendesse seu verdadeiro significado. Era como o ditado dizia: faça o que eu digo, não faça o que eu faço. Eu observava o comportamento ao meu redor e, tirando meu mestre, Black Death, e outros soldados em treinamento como eu, o restante—os cientistas e os executivos que apareciam de vez em quando—parecia não saber nada sobre lealdade ou honra.
Eles se viam como predadores, mas nem isso eram. Predadores mantêm o equilíbrio natural, caçam para sobreviver ou para conquistar território. É necessário para a sobrevivência. Predadores raramente agem por pura soberba, por um desejo cego de poder ou por algo sem uma necessidade real.
Quando volto a mim, percebo que agora tenho um ciberbraço e duas ciberpernas. Meus ferimentos já cicatrizaram e estou como "nova". Levanto-me enquanto a chuva continua caindo. Noto minha roupa desbotando levemente e logo concluo: chuva ácida. Vai ser assim por um bom tempo, consequência do ataque nuclear nesta área. Os níveis de radiação devem estar altíssimos.
O que aconteceu? Quem lançou aquele ataque? Minha mente tenta processar, mas uma suspeita forte me consome. Aquela cobaia. Deve ter hackeado algum silo com um míssil nuclear, programado as coordenadas para cá e o resto é história.
Será que eles conseguiram? Logo me pego pensando, preocupando-me com G.E.S.S. e Logan. Queria que estivessem seguros para que eu pudesse agir. Mas aquela cobaia maluca resolveu agir primeiro—outra força fora do controle dela.
E se fosse um problema? Então se tornaria um alvo a ser eliminado. Não importava se era irmã, mãe ou pai. Ordem era ordem. Controle era controle. Alvo era alvo.